Depois de classificar a nova variante do coronavírus ômicron como uma cepa de “preocupação”, a Organização Mundial da Saúde (OMS) advertiu nesta segunda-feira (29) que ela representa um “risco muito elevado” para o planeta. A OMS também pondera, contudo, que há inúmeras incógnitas sobre a variante. Entre elas, se a nova cepa escapa de uma resposta imune, o que ainda não se sabe. Identificada no final de novembro na África do Sul, a ômicron já foi detectada na Holanda, Austrália, República Tcheca, Botsuana, Hong Kong, Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Itália e Canadá.
No último sábado (27), um passageiro brasileiro que passou pela África do Sul desembarcou no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e testou positivo para a covid-19. Ainda não se sabe se essa pessoa foi contaminada pela nova variante. O Instituto Adolfo Lutz deve divulgar o resultado em cinco dias.
Em entrevista a Marilu Cabañas, no Jornal Brasil Atual, o médico infectologista Marcos Caseiro avaliou que o Brasil “não pode desprezar” os alertas da OMS. “Esse é um vírus diferente”, afirma. O infectologista avalia que o país não pode “baixar a guarda” com relação às medidas sanitárias. “Essa discussão de tirar a máscara, do carnaval (realização), são discussões totalmente inapropriadas e inoportunas para esse momento”, aponta.
Países com baixa cobertura
Caseiro também chama atenção do Brasil e principalmente das nações mais ricas para a “democratização do acesso à vacina”. De acordo com ele, enquanto os cientistas de todo o mundo correm para compreender essas mutações, os países deveriam se empenhar em garantir imunizantes aos que ainda têm uma cobertura vacinal baixa. Dados do projeto Our World in Data, vinculado à Universidade de Oxford, mostram que na África do Sul, por exemplo, apenas 24% da população já completou o ciclo vacinal.
“Esse vírus está ensinando as pessoas sobre um pouco mais de democracia. Elas precisam entender que vacina é uma proposta coletiva. Não adianta os países ricos terem vacina, revacinarem, fazerem quarto ou quinto reforço enquanto nós não diminuirmos a circulação viral. E isso só vamos conseguir garantindo a vacinação para os países mais pobres”, afirma. “Se você não vacina, permanece com o vírus circulando e a chance de surgirem estas cepas mutantes é muito grande. Então o mundo todo tem que entender que temos que dividir vacinas irmanamente, porque senão esses vírus mutantes vão voltar para os países ricos, mesmo vacinados, e causar estragos. Temos que democratizar o acesso às vacinas, esse é o grande recado.”
Rastreio de todos os países
O infectologista também destaca a importância de rastrear passageiros que venham de fora do Brasil. “Temos que rastrear todos os passageiros que venham de outros países, assim como exercer a reciprocidade. Nos Estados Unidos, no continente europeu, em Israel, é preciso testar negativo 72 horas antes do voo; quando chega no país você é novamente testado e fica de quatro a cinco dias isolado em quarentena antes de sair. Nós temos que ter vigilância no aeroporto, o vírus não sabe nadar e voar. Ele vem por intermédio das pessoas que chegam em nosso país. Então essa vigilância em portos e aeroportos é imprescindível”, ressalta.
Até o momento, o governo brasileiro proibiu apenas voos internacionais que tenham origem ou passagem por países africanos: África do Sul, Botsuana, Eswatini, Lesoto, Namíbia e Zimbábue. A Anvisa pediu o acréscimo de Angola, Malawi, Moçambique e Zâmbia. O isolamento apenas do continente, adotado também por outras nações, intrigou personalidades que veem uma forma de discriminação na medida.
Discriminação
Em artigo, reproduzido pela RBA, os escritores Mia Couto, moçambicano, e José Eduardo Agualusa, angolano, afirmam que o continente foi “castigado”. “Países africanos, como Botsuana que pagaram pelas vacinas, verificaram com espanto que essas vacinas foram desviadas para as nações mais ricas. (…) Os governos fizeram o mais fácil e o menos eficaz: ergueram muros para criar uma falsa ilusão de proteção. Era previsível que novas variantes surgissem dentro e fora dos muros erguidos pela Europa. Só que não há dentro nem fora. Os vírus sofrem mutações sem distinção geográfica. Pode haver dois sentimentos de justiça. Mas não há duas pandemias. Os países africanos foram uma vez mais discriminados”, denunciam.
O infectologista Marcos Caseiro concorda com a crítica de que há uma discriminação. “Isso é uma vergonha. O mundo precisa mudar. Esse vírus mostra que temos que pensar coletivamente, não dá para ficar pensando em seu próprio umbigo. Ainda que a vacina traga proteção individual, ela só tem lógica com proteção coletiva”, completa.