Por Iraneth Monteiro.
Não é comportamento ético um governante mudar o nome de um programa apenas para que ele não continue associado a um adversário político. Mas, é preciso admitir, esta é uma prática relativamente comum. Muitas vezes é adotada mesmo se, no essencial, o programa não é modificado.
Pois bem, agora o presidente Jair Bolsonaro anunciou o fim próximo do Bolsa Família, criado no governo Lula. Afirma que vai “aperfeiçoá-lo”. Surge uma dúvida: estaremos diante de uma simples mudança de nome, depois de alguma maquiagem, com o intuito de faturar politicamente com uma iniciativa bem vista, ou, ao contrário, haverá uma modificação real?
É o caso da segunda alternativa. Há mudança. E para pior.
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Bolsonaro anunciou a criação de um benefício universal para crianças e adolescentes, substituindo o Bolsa Família, que atende hoje 13,8 milhões de famílias. Ele foi criado em 2003, a partir da unificação de quatro programas de transferência de renda. Três deles vinham da gestão de Fernando Henrique Cardoso: Bolsa-Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Cartão Alimentação.
O processo de unificação tinha com o objetivo reduzir a fragmentação e a sobreposição de iniciativas, além de eliminar lacunas. Mas a principal preocupação com o Bolsa Família era dar foco ao programa, garantindo transferência de renda para as famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, combatendo a fome, superando suas condições de privação e promovendo o acesso à rede de serviços públicos, em especial, os de saúde, educação, segurança alimentar e assistência social.
Podem receber o benefício famílias inscritas no Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social que tenham uma renda mensal, por pessoa, de até R$ 89; ou de até R$ 178, no caso de núcleos familiares com crianças ou adolescentes com idades até 17 anos. Como contrapartida, as famílias se comprometem a manter crianças e adolescentes na escola e a desenvolver ações básicas de saúde, como vacinação e apoio às gestantes e nutrizes. Outra mudança foi que o programa passou a privilegiar os núcleos familiares, e não os indivíduos no acesso à renda.
Ao acenar agora com a unificação de Bolsa Família, salário família, abono salarial e dedução de dependentes no Imposto de Renda, Bolsonaro junta alhos com bugalhos, porque os programas citados por ele têm públicos e objetivos diferentes.
O Bolsa Família se destina às famílias pobres e extremamente pobres. Já a dedução de dependentes no Imposto de Renda tem como alvo setores médios e altos da sociedade, que são tributados nas rendas que recebem.
Além disso, salário família e abono salarial destinam-se aos trabalhadores formais, com carteira assinada.
Se o atual governo pretendesse simplesmente criar um novo benefício para atender o conjunto de crianças e adolescentes matriculados em escolas, independentemente da renda familiar, não haveria problemas.
Mas, pelo anunciado, as coisas não serão assim. Então, uma pergunta se impõe: haverá condições para universalizar as transferências de renda hoje direcionadas aos mais pobres e extremamente pobres?
Como existem sabidas limitações de recursos públicos – o que tem servido, inclusive, de pretexto para ataques à Previdência pública e cortes de investimentos em serviços essenciais, como saúde, educação pública e pesquisa – um cenário muito perigoso se desenha: a diluição e, até mesmo, o fim dos recursos direcionados aos segmentos mais necessitados por meio do Bolsa Família.
Isso teria graves consequências no plano social.
Olho vivo, pois.