Por Juan Carlos Díaz Guerrero.
Realizar uma avaliação objetiva do que aconteceu implica, em primeiro lugar, ver que depois de séculos de invisibilidade, o tema feminino ocupa hoje um lugar preponderante nas agendas de políticas públicas, que buscam reduzir as brechas entre homens e mulheres.
O compromisso do Estado se expressa naquilo que talvez se possa interpretar como algo formal, mas que encerra a vontade de avançar nas transformações de uma sociedade patriarcal.
No Uruguai, foi apresentada a Estratégia Nacional para a Igualdade de Gênero 2030, definida no ano anterior, e considerada o mapa da rota para avançar nessa direção.
As autoridades consideram que a Estratégia para a Igualdade de Gênero 2030 busca se converter num mapa de rota “integral e integrador”, suscetível de orientar no médio prazo a ação do Estado em matéria de equidade. Da mesma forma, fixa os pilares substantivos para a transversalidade da política de igualdade com participação cidadã e das diversas organizações sociais, segundo o documento.
O texto recolhe os compromissos da agenda regional de gênero para um desenvolvimento sustentável 2030 e está organizado em 10 eixos de implementação referidos ao Marco normativo; Institucionalidade; Participação popular e cidadã; Financiamento; entre outros.
A estratégia diz que as aspirações de igualdade de gênero “não poderão concretizar-se” se não forem fortalecidos os canais de comunicação e a aliança com o movimento social, especialmente com os movimentos de mulheres e feminista.
O texto propõe delinear um horizonte de igualdade de gênero até 2030, ao mesmo tempo em que integra um conjunto de aspirações, diretrizes político-institucionais e lineamentos estratégicos capazes de influir nas decisões de política pública. Motivo pelo qual acompanha a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Em declarações à Prensa Latina a presidenta de Inmujeres, Mariella Mazzotti, expressou que a estratégia ordena o caminho que tem que ser seguido para alcançar mais igualdade, a partir de um planejamento concreto dos organismos do Estado, mas também “para que a sociedade exija que isso seja feito”. Disse que o futuro não se alcança intuitivamente, mas é preciso mirar o que queremos para organizar nossas ações até ali.
Explicou que a iniciativa foi feita com participação de especialistas de distintas estruturas do Estado e consultando organizações de mulheres rurais, afrodescendentes, feministas, e por isso “tem visão de futuro”.
Mazzotti admitiu que o Uruguai “tem avançado notavelmente no marco normativo” e essas leis estão sendo cumpridas, embora tenha reconhecido que ainda persistem insuficiências. A esse respeito, mencionou a atenção em todo o território nacional aos serviços nas zonas rurais que “não têm as condições que aspiramos” e também se referiu às mulheres que morrem por causa dos feminicídios e aqueles que se deseja que “vivam sua vida cotidiana livre da violência de gênero”.
Também em conversa com Prensa Latina, a ministra do Ministério de Desenvolvimento Social (Mides), Marina Arismendi, expressou que a estratégia propõe no longo prazo a convicção de que realmente não há uma sociedade justa e igualitária “se não existem os mesmos direitos, obrigações e facilidades de acesso a tudo a mulheres e homens”.
Temos que começar por uma transformação cultural, afirmou, e assinalou que tudo isso compreende uma “construção cultural, ideológica e política, na qual estamos trabalhando”.
Arismendi salientou que “sem o respaldo do povo, sem se apropriar das políticas e defendê-las não alcançamos nada”, porque não é só um problema de governo. “É preciso recordar de onde viemos e não esquecer quanto custou tudo o que alcançamos”, remarcou a titular do Mides, que chamou a desfrutar as conquistas, mas conscientes de que “falta muito por fazer”.
Violência
Embora se tenha avançado em aspectos medulares para modificar e transformar o estado de coisas, não é menos certo que o Uruguai ainda tem dívidas com a igualdade de gênero.
Como reconhecem Mazzotti e Arismendi no prólogo da Estratégia Nacional, ainda persiste a desigualdade entre homens e mulheres, a desigualdade de oportunidades entre as mulheres no setor socioeconômico, na idade, na ascendência étnico-racial e na identidade sexual ou de gênero.
O tema da violência baseada em gênero adquiriu preponderância na sociedade nos últimos anos, especialmente nas organizações e movimentos feministas, diante da marcada incidência da crueldade que a discriminação pode significar. Em 2017 morreram por feminicídio trinta mulheres e, em 2018, já são seis vítimas, segundo os dados do Ministério do Interior.
Desse total, cinco perderam a vida nas mãos de seus parceiros ou ex-parceiros e uma de um parente, um tio que matou a sobrinha; dois casos estão sem esclarecer no interior do país, outros dois continuam sendo investigados e cinco tentativas foram esclarecidas, disse a fonte.
A Coordenadora de Feminismos do Uruguai indicou que com mais esses dois casos de feminicídios sem serem resolvidos, seriam oito as vítimas para uma média de nove assassinatos por dia no presente ano.
Durante a apresentação da Estratégia Nacional para a Igualdade de Gênero 2030, o ministro do Interior, Eduardo Bonomi, reconheceu que a segurança é um dos temas que mais preocupa a sociedade.
Em sua intervenção, referiu-se aos compromissos institucionais de sua pasta e reafirmou que resolver o problema da violência não é só uma questão policial, mas de toda a sociedade. Adiantou que neste ano serão revistos todos os procedimentos policiais em matéria de gênero, para harmonizá-los com os novos marcos legais, como o novo Código de Processo Penal e a Lei Integral de Gênero, trabalho que garantirá “o verdadeiro acesso à justiça”.
Avanços e conquistas
Para o ministro de Trabalho e Previdência Social, Ernesto Murro, uma das mudanças mais transcendentes dos últimos anos no país foi a aprovação em 2009 da Lei número 18.395 referente à aposentadoria.
Essa normativa permitiu que até esta data mais de 30 mil mulheres pudessem se aposentar e outras 30 mil melhorassem sua renda por este conceito.
Também se referiu à Lei de maternidade, paternidade e meio período de trabalho que “melhorou sensivelmente” o acesso às licenças por maternidade e paternidade, com umas 15 mil anuais em cada caso.
Expressou que há outros aspectos que significaram mudanças de impacto na situação das mulheres a partir de políticas gerais como o Sistema Integrado de Saúde, do qual se beneficiaram mais de 210 mil mulheres.