Por Andrés del Río, no Justificando.
Na política regional, especialmente do Cone Sul, existe o ditado: Quando Brasil está com febre, o resto fica em coma. Assim, a importância estratégica regional do país é fundamental para compreender nossa geopolítica, e sua influência supera a compreensão que muitas vezes o próprio Brasil tem.
Tanto Argentina como Brasil estão cegamente apaixonados pelo neoliberalismo autoritário e a violência, desviando-se do caminho democrático e entrando no limbo da exceção. O neocolonialismo presente no Cone Sul é gritante.
O Uruguai foi sobrevivendo a este processo de reconstrução da dependência neocolonialista com sabor a viralatismo local, onde governos de direita e extrema direita estão mostrando o pior da individualidade, dos privilégios, da pouca solidariedade, da concentração delirante, da dependência à nova doutrina Monroe dos Estados Unidos, e do deus lucro internacional acima de todos. Mesmo que a propostas e ações destes governos tenham se mostrado pouco exitosas de forma geral, são fortemente eficientes no aumento da violência, estabelecendo como única proposta políticas de segurança errantes de ruas sem saídas, ou melhor dito, políticas de cemitério.
Nesse sentido, os significados democráticos e progressistas do Uruguai para a região neste momento superam amplamente seu tamanho territorial. Mas hoje em dia se tornou num espaço de disputa internacional com o objetivo de terminar com as experiências de centro-esquerda e esquerda do Cone Sul. E Uruguai parece ser o último bastião.
Nos primeiros meses deste tempestuoso 2019, existiram dois eventos que colocaram o Uruguai no olho da tormenta neste processo de radicalismo conservador e de neoliberalismo autoritário na região.
Venezuela
Uruguai se posicionou fortemente contra a intervenção, seja qual for, na Venezuela. Em declarações oficiais, a chancelaria do Uruguai deixou bem nítida sua posição: “Uruguai continuará reconhecendo Nicolas Maduro como presidente legítimo, por isso não reconhecerá o deputado da oposição Juan Guaidó como presidente encarregado da Venezuela” [1]. Tomou essa posição numa América Latina que baixa a cabeça ante os arroubos do presidente dos Estados Unidos. Além disso, conjuntamente com México, criou um espaço de diálogo e negociação, mesmo com resultados irregulares, porém com uma posição diferente da grande maioria dos países da região. Lembremos que a Comissão Permanente do Parlamento, em comunicado oficial, no final de fevereiro, tinha manifestado: “se exige o fim do bloqueio e a liberação do comércio e das contas do Estado venezuelano, impedindo a população de sofrer necessidades básicas, como alimentos e medicamentos” [2]. Ou seja, nem intervenção, nem bloqueio econômico, dois pilares da política dos Estados Unidos contra Venezuela.
É importante salientar, nesta disputa internacional, que o partido Frente Amplia já tinha mostrado seu norte. No final de 2018, a Frente Ampla decidiu expulsar Luis Almagro, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), de seu cadastro de partidário. A FA questionou as declarações de Almagro sobre sua posição em favor de uma possível intervenção para derrubar o presidente Nicolás Maduro na Venezuela [3]. Luis Almagro foi chanceler do Uruguai de 2010 até 1º de março de 2015, durante o governo de José Mujica.
PROSUL
Uruguai se manifestou contra a criação do PROSUL e a desintegração da Unasul. Desta forma, O governo do Uruguai decidiu não assinar a declaração de mandatários da Prosul. O vice-chanceler declarou: “Temos sido muito claros em expressar a posição do Uuguai, nós não queremos ser os mais estranhos do bairro, os mais difíceis do bairro, mas nossa posição é que tentamos ajudar a melhorar o bairro ” [4]. Aumentando que: “Tem sido dito que a Unasul sofre de uma” ideologização extrema “, mas hoje parece que a ideologia é a culpada por tudo quando, na realidade, alguém poderia perguntar: PROSUL não tem uma conotação ideológica também? “. Enfim, toda uma declaração de princípios. E em contraposição às declarações provenientes do Brasil, o presidente do Uruguai, Tabaré Vásquez, declarou na cúpula do Mercosul no final do 2018, em Montevideo: “O progresso verificado do Mercosul é uma consequência dos compromissos compartilhados e do esforço conjunto; É verdade que há aspectos em que há atrasos e o Mercosul não é e não será perfeito, provavelmente não é o que cada um de nós quer, mas é o melhor que poderia ser em um contexto dinâmico ” [5].
Por um lado, os desafios internacionais, pelo outro os entraves domésticos com sabor de onda conservadora, neoliberal autoritária, de cor verde oliva. Neste sentido, com uma oposição que reclama políticas de segurança mais duras e apoiando a participação e colaboração dos militares na segurança interna [6], os desafios domésticos tem sabor de doença dos vizinhos. Assim, o presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, ordenou a prisão por 30 dias do comandante do Exército, Guido Manini Ríos, por “repetidas falhas disciplinares”, em setembro de 2018. Manini Ríos foi punido de acordo com determinação da Constituição: “que não permite nem ao presidente da república nem aos militares exercer qualquer tipo de atividade política no cargo” [7]. A sanção surgiu como resultado de repetidas manifestações públicas de Manini Ríos expressando sua posição contrária à reforma do fundo de pensões militares. É um fato inédito que um presidente civil ordene a prisão de um militar, comandante do Exército da Nação. Um evento único se pensamos o Cone Sul. Mas longe de agradar os setores conservadores e militares, o mal-estar foi extensivo nesses setores, hoje encorajados pelo contexto internacional. Lembremos que Manini Ríos esteve na posse de Jair Bolsonaro, com fotografia oficial incluída.
Num ano eleitoral, a tensão nas relações cívico militar se aprofundaram em 12 de março deste ano, quando o presidente Tabaré Vázquez, destituiu o mesmo comandante, depois de que o oficial voltou a fazer críticas à reforma das pensões militares e anunciou sua intenção de entrar para a política [8]. Em poucos dias, o Partido Cabildo Aberto, indicou a Manini Ríos como candidato a presidente, aumentando a tensão doméstica. Numa coletiva, o partido sinalizou seu norte: “A importância de recuperar os valores éticos, morais, culturais, educacionais, sociais, de honestidade e segurança que têm sido lenta mas firmemente perdidos ao longo dos anos”. Agregando: “a família é a base da sociedade, o formador inicial de valores do ser humano” [9]. Um discurso conhecido no Brasil.
No início de abril deste ano, num novo conflito. Tabaré Vázquez demitiu o primeiro escalão do Ministério da Defesa, o comandante-em-chefe do Exército e dois generais que formaram um tribunal honorário que julgou o comportamento dos soldados condenados por crimes de direitos humanos durante a ditadura (1973- 1985). Desta forma, as tensões nas relações cívico militar multiplicaram as problemáticas, colocando na mesa o debate sobre memória, verdade e justiça, um processo que em Uruguai tem avanços e retrocessos, mas principalmente uma paralisia (e barreira) nos tribunais dos processos pelos crimes da ditadura.
Em 8 de abril assumiu como comandante-chefe do exército Claudio Feola. Em declarações extremamente conflitivas, o novo comandante Claudio Feola indicou: “Não vou repudiar eventos do passado porque não sei se estão confirmados ou não”. Apesar da retratação posterior de Feola, o debate sobre memória, verdade e justiça se consolidou na mesa de discussões. As repercussões não faltaram, e no dia 11 de abril, numa multitudinária manifestação no centro de Montevideo, sob o lema “pela democracia e contra a impunidade”, a sociedade uruguaia se fez escutar [10].
Em outubro são as próximas eleições presidenciais, e o pequeno gigante do sul, hoje um símbolo da democracia na região, está lidando contra os avanços internacionais e domésticos das forças conservadoras e do neoliberalismo autoritário que está dominando o Cone Sul. Neste processo, as pautas das politicas de seguranças e da participação dos militares na seguridade interior, ao igual que os vizinhos, é parte nuclear dos desafios do presente. E com eles, a disputa da memória, da verdade e da justiça. Os movimentos sociais e de direitos humanos estão mobilizando as ruas, numa resistência que também deve ser internacional.
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Andrés del Río é doutor em Ciência Política pelo IESP-UERJ e professor adjunto da UFF.