Urbanista vê aplicação do Plano Diretor como próximo desafio para movimentos de moradia

Para Raquel Rolnik, desenvolvimento do projeto em zonas pouco reguladas será ‘grande embate’, que deve ser minuciosamente acompanhado por movimentos sociais. Projeto que orientará o crescimento da cidade nos próximos 16 anos foi aprovado na última segunda-feira (30/06).

São Paulo

São Paulo – O Plano Diretor Estratégico, aprovado na última segunda-feira (30) pela Câmara Municipal de São Paulo, representa grandes avanços nas questões de moradia e mobilidade. Entretanto, segundo a urbanista Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, ainda há questões que permaneceram em aberto no próprio projeto e entraves urbanísticos a serem solucionados que devem ser acompanhados de perto durante a aplicação do plano que orientará o crescimento cidade pelos próximos 16 anos.

Em entrevista à Rádio Brasil Atual hoje (2), Raquel Rolnik destaca a participação essencial de movimentos populares, como os de moradia e cultura, no processo de discussão e aprovação do Plano Diretor. “O destino da cidade de São Paulo e todas as coisas positivas que já aconteceram aqui só aconteceram em função da mobilização e da luta”, afirma.

O que o Plano Diretor aprovado tem de diferente dos anteriores?

A história tradicional de discussão do Plano Diretor na cidade de São Paulo é a história de bairros residenciais que não querem verticalizar, versus setor imobiliário que quer verticalizar tudo o que puder. Pronto, acabou. Era esse o debate. Dessa vez acho que nós ampliamos muito. A presença de movimentos de moradia colocando questões de política fundiária foi essencial. A questão de direito à moradia e direito à cidade foi muito forte, graças a essa mobilização. Além disso, a gente teve a participação muito forte dos movimentos de cultura, dos movimentos ligados à mobilidade, os cicloativistas, os movimentos ambientalistas… Acredito que a gente fez um processo muito amplo de debate.

Ainda há entraves no projeto?

As áreas do Tietê, do Pinheiros, do Tamanduateí, e da Jacu Pêssego são para parcerias público-privadas, com fundos imobiliários, nada reguladas. O destino dessa macro área de estruturação não ficou nada definido no plano. Portanto, cada projeto que for feito nessas áreas vai ter que ser objeto de um embate enorme. Nessas áreas não há Zeis [Zonas Especiais de Interesse Social], eixo, miolo, não há nada. Então, isso é uma grande questão em aberto no plano.

Dentre essas questões em aberto há também a da região do aeroporto de Parelheiros, que é uma área de proteção de mananciais que tem um grande potencial hídrico e acabou se tornando uma zona excludente de moradias irregulares…

O efeito da perda desse potencial hídrico nós estamos vendo agora com o momento de racionamento que estamos vivendo. Nós poderíamos contar muito mais com esses mananciais do que estamos contando. Fazer um aeroporto nessa área, porque não é o aeroporto em si mesmo com aquela estrutura, mas tudo o que é atraído e produzido a partir dele. Então me parece que é um total contrassenso afirmarmos que é uma área de proteção e fazermos políticas que vão destruir o local. Isso significa fazer exatamente a mesma coisa que a gente fez desde os anos 1970: decreta que é uma área de proteção, não abre espaço para moradia em outros lugares e vira a grande reserva de áreas ilegais na cidade.

Há o perigo ainda de algumas áreas do plano serem abordadas sob a lógica da rentabilidade desse desenvolvimento. Se a lógica fundamental é a necessidade desse desenvolvimento ter usos mais rentáveis, nunca os usos pouco rentáveis, como habitação de interesse social, os espaços públicos, os espaços de comércio popular, poderão ter lugar. Vai ser para poucos e a luta continua. Em cada um dos projetos que devem ser apresentados subsequentemente ao plano para essas áreas é muito importante estarmos atentos, seguindo, para fazer como fizemos na Nova Luz, que tinha um plano organizado por parcerias público-privadas. Na cidade de São Paulo projetos excludentes, para poucos, não passam.

O que é preciso para que as Zeis funcionem exatamente como previsto no projeto?

É ter terra bem localizada, urbana, e que possa servir para habitação. Então, as Zeis são um dos instrumentos, junto com os recursos do Fundurb para poder comprar terra para habitação popular, muito importantes para garantir que a habitação social possa ser construída em áreas bem localizadas.

O arquiteto e urbanista Kazuo Nakano comentou que o maior problema a ser enfrentado é a falta de estrutura na própria prefeitura para tocar o Plano Diretor. Você concorda?

A agenda neoliberal que ocupou muito o nosso estado foi responsável por desmontar estruturas de gestão pública. Uma das coisas que foi literalmente desmontada, ao longo do tempo, é a estrutura da prefeitura de São Paulo para dar conta de fazer a gestão urbana. Isso é muito sério e é absolutamente necessário recortar a presença de arquitetos, urbanistas, engenheiros, geógrafos, economistas dentro da estrutura da prefeitura para que a gente possa realmente tocar esse Plano Diretor. Eu concordo completamente com esse argumento do Kazuo Nakano.

Como você avalia a participação dos movimentos sociais no processo de aprovação do Plano Diretor?

O destino da cidade de São Paulo e todas as coisas positivas que já aconteceram aqui só aconteceram em função da mobilização e da luta. O movimento de moradia, neste processo específico, teve um papel fundamental para garantir não apenas que o plano fosse votado e que o processo seja concluído, mas que também algumas propostas essenciais para atender à moradia popular tenham sido votadas.

Fonte: RBA Rede Brasil Atual

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