A vitória de Senegal sobre a Polônia por 2 a 1 nesta terça-feira (19) surpreendeu comentaristas de futebol e trouxe à tona a realidade do racismo velado contra treinadores no futebol. Se os jogadores negros já dominam até mesmo as escalações de alguns países europeus, o panorama é bem diferente quando se trata dos técnicos.
Aliou Cissé, que foi estrela da seleção do Senegal em 2002, é o único treinador negro entre as 32 equipes da Copa do Mundo deste ano. Além disso, ele é também o técnico com o menor salário. Segundo dados divulgados pelo canal de TV holandês Zoomin, Cissé recebe cerca de R$ 850 mil ao ano, salário 16 vezes menor do que o de Tite, por exemplo.
Apesar de serem maioria até mesmo em alguns times europeus, como a França, raramente os negros são bem recebidos como técnicos no futebol. Até hoje, por exemplo, apenas um negro dirigiu a seleção brasileira: Gentil Cardoso, em 1959, há quase 60 anos. E mesmo assim, em uma única competição de baixo prestígio: O Campeonato Sul-americano daquele ano foi disputado duas vezes, e Gentil Cardoso dirigiu a seleção pernambucana, representando o Brasil, numa dessas vezes. “Não fui chamado porque sou preto”, teria dito ao ser preterido para as competições seguintes.
Raízes senegalesas do Brasil
Celso Marcondes, ex-diretor do Instituto Lula para a Iniciativa África, comemorou o resultado: “Senegal lava a alma dos povos africanos e consegue a primeira vitória de uma equipe do continente na Copa da Rússia. Única seleção com um técnico negro, ex-jogador senegalês, passa a ter grandes chances de classificação. Por coincidência, é um dos países africanos que mais “importou” programas sociais do governo Lula. E um dos que mais “exportou” negros escravizados para o Brasil, embarcados na ilha de Goree”.
O site de futebol Trivela publicou em 2016 uma matéria sobre o racismo contra treinadores no futebol e resgatou uma fala de Gentil Cardoso em 1954. Ao ser preterido para dirigir a seleção brasileira na Copa da Suíça, Cardoso teria dito: “O racismo é um fato que a hipocrisia encobre”.
O relatório anual de discriminação no futebol brasileiro de 2016 (último dado disponível) apontou 25 casos naquele ano. Das 20 equipes que disputam o Campeonato Brasileiro deste ano, apenas uma (o Palmeiras) tem um técnico negro, Roger Machado.
Em entrevista coletiva, o técnico senegalês comentou sobre ser o único técnico negro na copa. “É uma realidade dolorosa”. Após a partida, o treinador que está a frente da seleção desde 2015, mostrou-se orgulhoso pelo trabalho que vem fazendo.
“Eu garanto que toda a África está nos apoiando. Eu recebo telefonemas de todos os lugares. Temos orgulho de representar a África”, disse Aliou Cissé. que já foi atleta da seleção senegalesa em 2002.
Racismo no futebol russo quase levou a boicote
A frequência dos atos racistas em estádios russos é tão grande que chegou a ensejar a ameaça de um boicote de jogadores negros ao Mundial. Em março deste ano, a Fifa foi acionada para tomar medidas severas diante de manifestações racistas partindo dos torcedores russos.
No amistoso que antecedeu o mundial entre Rússia e França, imitações de macacos vinham da arquibancada toda vez que os jogadores negros da França estavam com a bola. A maior entidade do futebol alegou que haveria tolerância zero contra discriminação racial. Até o momento nenhum ato de racismo foi registrado no mundial.
Festa no Brasil
Após a partida, a comunidade senegalesa em São Paulo saiu às ruas para comemorar a primeira vitória africana na Copa 2018:
O próximo confronto dos africanos acontece neste domingo diante do Japão, a partida está marcada para às 12 horas (de Brasília) na arena Ecaterimburgo.