Redação.
Arte de capa: Tali Feld Gleiser
Como introdução a este diálogo que Raul Fiitpaldi fez para o Portal Desacato, com o sociólogo, Flávio de Carvalho, apresentamos uma tradução de um texto da colega escritora e analista internacional, Carmen Parejo Rendón. A seguir o diálogo entre Fitipaldi e Carvalho.
“Bruxelas está injetando € 800 bilhões no negócio de armas. O plano “ReArm Europe” suspenderá temporariamente as regras fiscais para que os estados possam se endividar mais para comprar drones, mísseis ou armas autopropulsadas. Empréstimos no valor de € 150 bilhões serão oferecidos, fundos europeus serão redirecionados e o Banco Europeu de Investimento será forçado a financiar o setor de armas. Não foi feito para a educação, não foi feito para a saúde, nem para as pensões; mas será feito para confrontar invasões inexistentes da UE. Ou talvez para que a UE acabe realizando invasões que realmente existem?” Carmen Parejo Rendón
O diálogo:
A asquerosa resiliência
R.F. A Velha Europa parece querer condenar, mais uma vez, seu povo à guerra. Tanto no Parlamento Europeu como nos despachos de alguns presidentes e primeiros ministros, se insiste com a necessidade de armar-se contra a Rússia. Qual o interesse real desses dirigentes e por que fabricam essa narrativa do medo?
F.C. É o capitalismo, aquele, o velho, o de sempre, o desgraçado. E a sua asquerosa capacidade de adaptar-se aos tempos e lucrar mais e mais. O que impressiona é a atualidade contraditória desta velha narrativa.
Como pode essa velha Europa, havendo passado o que passamos (e, pior, com o que está passando aqui perto, na Palestina diante desse neonazismo sionista), enganar tantas pessoas, com algo que é pura repetição da história (como tragédia ou como farsa)?

Compre seu bunker!
R.F. Como já tem acontecido com supostas ameaças químicas que chegariam dos países árabes, para tomar só um exemplo, a indústria europeia começa a produzir kits de guerra e outros objetos protetivos ante um suposto e inevitável ataque inimigo. Como as populações estão reagindo ante tal histeria guerreira?
F.C. Hoje tem uma ministra do governo espanhol, Sira Rego, na capa do jornal de Madri, El Mundo falando do seu pavor: “me aterroriza essa espiral bélica”.
“…fugir de volta pro nosso país…”
Ontem (domingo!) uma brasileira me escreveu, assustada, perguntando-me o que fazer, pois seu passaporte está vencido e ela nao tem dinheiro para fazer outro, única forma de (nas suas próprias palavras): “fugir de volta pro nosso país”, diante da ameaça de guerra.
Sábado, na frente da prefeitura de Barcelona, havia um ato de protesto dos Democratas dos Estados Unidos, gritando (num cartaz que ganhou a primeira página dos jornais) contra a Guerra dos Impostos de Trump.

Cresce o número de Bunkers vendidos, caríssimos. Até em versao de luxo, pros mais ricos.
Musk é Bush última versao, criando o seu próprio Eixo do Mal.
Nazifascimo
R.F. Quem são os verdadeiros beneficiários dessa pirotecnia bélica?
F.C. O neofascismo articulado mundialmente.
Jamais esqueçamos que a violência é parte estrutural do DNA fascista.
E que o nazifascismo crescente no imperialismo estadunidense e europeu (no mundo inteiro, mas principalmente aquí) é o braço armado, o cão raivoso, dos capitalistas.

O caso é que o pacote completo inclui, como nunca antes, ou pelo menos dessa forma tão assumida, o racismo, o machismo, o supremacismo (religioso, principalmente, como o sionismo) e a transfobia.
Quem paga a guerra?
R.F. Quanto custará no bolso da classe trabalhadora?
F.C. Só na Uniao Europeia, 800 mil milhoes de Euros. Isso, além do crescimento de 34% já alcançado neste ano, em 2025, na indústria armamentista: que nao inclui somente a suposta defesa (desculpa esfarrapada) de estar entre Trump e Putin (não nos equivocamos, é disso que estamos falando, de Zelenski na Casa Branca). Engloba o racismo contra imigrantes, a espionagem política de Estado contra a dissidência à esquerda, e até mesmo o neocolonialismo de ocupar territórios fora da Europa.

Para cereja do bolo, tecnologia sionista com demonstraçao ao vivo na TV, tendo como alvo principal (e agora, em versao piorada) a Palestina.
Ah! Quase que eu deixava de comentar que serve ainda para desviar a atençao em cima da ofensiva contra Cuba, Venezuela.. e que esqueçamos novamente da África.
A história já demonstrou que o custo de toda essa desgraça recairá sobre nossos filhos e netos, sendo mais perceptível pelo menos uma ou duas décadas depois.
Jovens racistas e machistas
R.F. A juventude do Reino da Espanha aceitaria lutar num conflito que não é seu?
F.C. Há de tudo, como sempre.
O que me preocupa, sim, é que toda aquela desgraça que mencionei nas respostas anteriores aumenta expoencialmente nessa faixa, exatamente: no crescimento do fascismo nas redes juvenis machistas e racistas. Como se fosse uma reaçao às conquistas recentes dos movimentos sociais feministas e antirracistas. Conversa fiada: o racismo e o patriarcado sao muito mais velhos que Igreja da Sé. Aliás… Vão juntos.
O racismo e o patriarcado sempre foram mais ação do que reação.
Sabe qual o problema, a meu ver?
Aquele aumento do racismo e do machismo agora, vai junto também com uma parte do esquerdomacho branco com medo de perder privilégios e que resolveu fazer coro com os fascistas, na denúncia do que lhes dá Likes e Lacraçao: a indústria do anti-identitarismo. Notou?
Perceba a quantidade de influência sobre a juventude, aproveitando-se disso, o que faz com que Bugalhos, Dórias, Risérios, acabe agradando (na intimidade, claro) aos Nikolas Ferreiras da vida.
Pois, lamento informar que aqui na Europa é quase a mesma m…

Também temos A Cruzada anti-identitarista até mesmo tentando opor a luta de classes aos movimentos que ameaçam os seus privilégios brancos e patriarcais. Um grande absurdo, para quem leu Angela Davis e a história do Partido dos Panteras Negras, por exemplo.
Mas, lamentavelmente, isso responderá tua última pregunta, com um sim. Jovem europeu iria, sim, à guerra, para defender o que supostamente (de forma hipócrita) estaria perdendo. O capitalismo cuidará de convencer que a guerra é sua, jovem espanhol.
Toda guerra é suja.
Flávio Carvalho é sociólogo, participante da FIBRA e do Coletivo Brasil Catalunya. Colabora como articulista com o Portal Desacato.
Raul Fitipaldi, é jornalista e apresentador, cofundador do Portal Desacato e da Cooperativa Comunicacional Sul – @raulfitipaldi