Uma pequena vitória para a Ponta do Coral

    ponta do coralSentença prolatada pelo juíz federal M.Kras Borges anulando o EIA/RIMA da HANTEI feito na FATMA e obrigando o IBAMA a conduzir o processo de licenciamento do empreendimento. Prevalecem os argumentos do Barragan, ICMbio, IBAMA e SPU que tem como alçada a área marítima que é da União.

    AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5013052-40.2012.404.7200/SC

    AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
    RÉU : FUNDAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – FATMA
    RÉU : HANTEI CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA
    ADVOGADO : Marcelo Buzaglo Dantas
    RÉU : INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
    RÉU : NOVA PROSPERA MINERACAO SA
    ADVOGADO : Olavo Rigon Filho
    INTERESSADO : INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE – ICMBIO
    : MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS
    : Superintendente Estadual – SECRETARIA DE PATRIMÔNIO DA UNIÃO – SPU – Florianópolis
    : ISOLDE ESPÍNDOLA
    : UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
    APENSO(S) : 5013424-86.2012.404.7200

    SENTENÇA
    Relatório

    Trata-se de Ação Civil Pública com pedido de liminar ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL visando à suspensão da eficácia dos atos administrativos praticados pela FATMA no processo de licenciamento ambiental de empreendimento de interesse das rés particulares HANTEI e NOVA PRÓSPERA, bem como à determinação para que o licenciamento passe a ser conduzido pelo IBAMA.

    Em extensa petição inicial, são relatados os seguintes fatos, em síntese[a] após tomar conhecimento de que as rés particulares requereram à Superintendência do Patrimônio da União em Santa Catarina a cessão de terras de marinha para a construção do empreendimento PARQUE HOTEL MARINA PONTA DO CORAL, e em virtude das dimensões do projeto, o MPF instaurou Inquérito Civil Público a fim de fiscalizar o licenciamento ambiental da atividade; [b] o empreendimento pretende ocupar área de terras situada na Avenida Beira-Mar Norte, nesta Capital, no local Ponta do Coral (antigamente denominado de Ponta do Recife), e compreenderá hotel de luxo, restaurantes, lojas e um parque público, com praças, anfiteatro, museu e playground;[c] ‘prevê-se, inicialmente, a construção de um prédio de 91,78m de altura, com heliponto, 661 unidades habitacionais’ e, no mar, haverá, ainda, ‘uma marina flutuante com 5,7 ha de área útil, um píer de 175m, 247 vagas para barcos e um posto de abastecimento de combustíveis com capacidade total de 45m³’; [d] o IBAMA, questionado pelo MPF e pelas empreendedoras, declarou, inicialmente, que a competência para licenciar a atividade seria da FATMA, embora em momento posterior tenha afirmado a necessidade de mais estudos para a sua exata definição; [e] os empreendedores requereram à Superintendência do Patrimônio da União – SPU autorização para realizar o aterro (engordamento da praia) necessário ao projeto, bem assim para a construção da marina, e esta manifestou-se contrariamente, esclarecendo que a formação de acrescido de marinha para a criação de espaços públicos compete apenas ao Poder Público; [f] o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional – IPHAN, por sua vez, considerou imprescindível o ‘Levantamento Arqueológico não Interventivo ‘ na área, a fim de verificar a ocorrência de eventual patrimônio arqueológico; e [g]vários órgãos municipais, estaduais e federais (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis – IPUF, Fundação Catarinense de Cultura – FCC e IPHAN) manifestaram opinião no sentido de que a área tem vocação para uso público, sendo o empreendimento inadequado; e [h] em 2002, houve uma tentativa de modificação do zoneamento de Área Turística Exclusiva 2 – ATE para Área Verde de Lazer – AVL, o que não obteve êxito na Câmara Municipal, acabando por se permitir um uso ainda mais amplo, mantendo-se o zoneamento e autorizando a realização de aterramento em área adjacente à Ponta do Recife.

    Alega, ainda, em resumo, que: [a] a competência para o licenciamento é do IBAMA, posto que se trata de empreendimento sobre bens da União, que pretende, também, mediante aterro, mais do que dobrar a área atual do local, além de situar-se na Zona Costeira e no mar territorial e de ter sobre ele Floresta Pública Federal; [b] no entorno do empreendimento localiza-se o Parque Municipal do Manguezal do Itacorubi, ecossistema extremamente frágil, que poderá sofrer sérias conseqüências, não apenas com a construção, mas com a operação das atividades; [c] em razão disso, o empreendimento não poderia prescindir da anuência da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e da Fundação do Meio Ambiente de Florianópolis – FLORAM, gestores da Unidade de Conservação; [d] imprescindível, igualmente, a anuência prévia do Instituto Chico Mendes da Biodiversidade – ICMBio, em vista da possibilidade de interferência sobre a Estação Ecológica de Carijós; [e] a Lei Complementar n. 140/2011, que dispõe sobre a competência em matéria ambiental, não incide no caso, pois o processo de licenciamento em questão teve início antes de sua vigência; e [f] de todo o modo, a novel legislação não alterou o disposto no art. 36 da Lei n. 9.985/2000, o qual estabelece como requisito para o licenciamento ambiental a anuência prévia dos gestores das unidades de conservação afetadas pelo empreendimento.

    Esses os principais fundamentos para os seguintes pedidos liminares:

    1. A IMEDIATA SUSPENSÃO DE EFICÁCIA de todos os atos administrativos praticados pela FATMA no bojo do licenciamento ambiental do PARQUE HOTEL MARINA PONTA DO CORAL (inclusive da ‘audiência pública’ designada para o dia 25.7.2012) e a IMEDIATA PARALISAÇÃO de todas as obras e trabalhos eventualmente em curso relativos ao empreendimento – sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 1.000 (um mil Reais) a qualquer das pessoas físicas e jurídicas responsáveis pelo descumprimento das medidas judiciais – até o IBAMA assumir efetivaeexclusivamente todo o licenciamento;

    2. A URGENTE ASSUNÇÃO pelo IBAMA da responsabilidade pela instauração, instrução, decisão e conclusão do procedimento administrativo de licenciamento ambiental do empreendimento PARQUE HOTEL MARINA PONTA DO CORAL, com a IMEDIATA E CONSEQÜENTE EXCLUSÃO da FATMA;

    3. A INSTAURAÇÃO PELO IBAMA do novo procedimento administrativo de licenciamento ambiental do empreendimento, devendo, para isso, iniciá-lo mediante o envio aos entes gestores das Unidades de Conservação (UCs) da região (ICMBio, FLORAM e UFSC) de proposta de TERMO DE REFERÊNCIA (TR) PARA ELABORAÇÃO DE ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL (EIA), a fim de que – a juízo deles, se for o caso – possam autorizar o começo dos trabalhos de elaboração do EIA, o qual deverá, forçosamente, contemplar:

    a) as análises dos impactos ambientais (físicos, bióticos e sociais, inclusive culturais) que o projeto poderá provocar na localidade e em todas as áreas direta ou indiretamente afetadas pela instalação e pela operação do empreendimento, incluindo-se todas as UCs vizinhas (ESEC CARIJÓS, APA ANHATOMIRIM, REBIO ARVOREDO, RESEX PIRAJUBAÉ e PARQUE MUNICIPAL DO MANGUEZAL DO ITACORUBI);

    b) os possíveis impactos que ocorrerão no patrimônio cultural material e imaterial das comunidades atingidas, bem como nos sítios culturais, particularmente os históricos e arqueológicos;

    c) a análise dos efeitos sinérgicos e cumulativos com os demais empreendimentos em curso na região (tanto aqueles em elaboração quanto os já existentes), especialmente a Beira-Mar de São José (incluindo o trecho BARREIROS), a quarta ligação entre a Ilha de Santa Catarina e o continente (por ponte ou por túnel), o transporte aquaviário entre Florianópolis e os demais Municípios da região (Governador Celso Ramos, Biguaçu, São José e Palhoça), todas as atividades de aquicultura da região (envolvendo o litoral de Florianópolis, Palhoça, São José, Biguaçu e Governador Celso Ramos) e o novo Plano Diretor de Florianópolis;

    d) a análise de todas as alternativas técnicas e locacionais ao empreendimento, incluindo a opção legal de sua não-realização;

    e) a realização de ao menos duas audiências públicas em cada uma das localidades em que há comunidades afetadas (tudo conforme diagnóstico e identificação sócio-culturais, a serem elaborados consoante os pedidos do item 3, ‘a’ e ‘b’), visto que não foram sequer realizados estudos para identificar cada uma das comunidades atingidas pelo empreendimento). Nas audiências públicas, que deverão ser feitas no local de mais fácil acesso a cada comunidade afetada, especialmente aos mais pobres, os demandados deverão, inclusive, esclarecer a população sobre a opção legal de não-realização do empreendimento.

    4. Por fim, e sucessivamente, caso o Juízo conclua pelo reconhecimento da incompetência administrativa do IBAMA para o licenciamento ambiental do PARQUE HOTEL MARINA PONTA DO CORAL, a IMEDIATA SUSPENSÃO DE EFICÁCIA de todos os atos administrativos praticados pela FATMA (inclusive da ‘audiência pública’ designada para o dia 25.7.2012) e a IMEDIATA PARALISAÇÃO de todas as obras e trabalhos eventualmente em curso relativos ao empreendimento – sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 1.000 (um mil Reais) a qualquer das pessoas físicas e jurídicas responsáveis pelo descumprimento das medidas judiciais – até a instauração pela FATMA de novo procedimento de licenciamento ambiental.

    Então, logo no seu início, a autarquia estadual encaminhará aos órgãos gestores das UCs da região (ICMBio, FLORAM e UFSC) solicitação formal de consulta, com proposta de TERMO DE REFERÊNCIA PARA ELABORAÇÃO DE EIA, a fim de que – a juízo deles, se for o caso – possam autorizar o começo dos trabalhos para elaboração do estudo, nos moldes definidos no item 3.

    Os pedidos de mérito foram assim formulados:

    9. (…)

    b) a intimação da UNIÃO, do ICMBio, da UFSC, da FLORAM, do IPHAN e da ANTAQ para, querendo, integrarem a lide no polo ativo;

    c) após a fase de instrução processual, a decretação de nulidade de todos os atos administrativos produzidos pela FATMA até agora;

    d) a CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DOS RÉUS ao pagamento de pena multa não inferior a R$ 3.000.000 (três milhões de Reais) pelo descumprimento da legislação ambiental (sobretudo pelo desrespeito à indispensável consulta prévia ao ICMBio, à UFSC e à FLORAM, entidades gestoras das UCs potencialmente afetadas), a ser destinada ao financiamento da aquisição de bens ou da execução de projetos vinculados às atividades de fiscalização, investigação ou pesquisa do ICMBio/SC, da UFSC/FLORAM e do SETOR TÉCNICO-CIENTÍFICO DA POLÍCIA FEDERAL (SETEC/SR/DPF/SC);

    (…)

    A FATMA e o IBAMA foram intimados para se manifestar sobre o pedido de liminar.

    A FATMA, em resposta (EVENTO 10 – PET1), limitou-se a transcrever inteiro teor de julgado do TRF – 4ª Região em outra ação civil pública. Ao final, menciona apenas que ‘em nenhum momento, em hipótese alguma, a FATMA deixou ou afirmou que deixaria de ouvir o ICMBio’, órgão gestor da Unidade de Conservação afetada, mas que sua manifestação tem caráter meramente opinativo, conforme art. 13, § 1º, da Lei Complementar 140/2011.

    O IBAMA requereu a dilação do prazo, por dez dias, o que foi deferido. Em sua manifestação, afirmou que a competência para o licenciamento é da FATMA, baseando-se principalmente na Orientação Jurídica Normativa – OJN n. 15/2010/PFE/IBAMA, que trata do assunto e dispõe que o critério para a fixação da competência é determinada pela grandeza dos impactos. Fundamentou-se também na Nota Técnica n. 46/2012, asseverando que sendo o impacto ambiental apenas local (geração de ruído, poeira, movimentação de terra etc.), não se justifica a competência do IBAMA para licenciar. A formação de aterro e construção de marina, segundo afirma, também não tem o condão de alterar significativamente as características do fundo oceânico ou promover uma alteração nas correntes. Além disso, a marina é flutuante e não há necessidade de dragagem. Em comparação com o projeto de instalação do Estaleiro Naval da empresa OSX Estaleiros S.A, também na Baía de Florianópolis, no qual, ao contrário do presente caso, chamou para si a responsabilidade para a condução do licenciamento, afirma que naquele projeto estava caracterizado o impacto regional do empreendimento, pois haveria necessidade de dragagem, a qual poderia modificar a morfologia do assoalho oceânico. Não obstante defenda a improcedência do pedido, entende que deve ser anulado o licenciamento para que reiniciado com a observância da Resolução CONAMA n. 428/2010, que impõe a consulta formal ao órgão responsável pela administração da Unidade de Conservação afetada, visto que não realizada pela FATMA.

    A liminar foi deferida em parte ‘para determinar a suspensão da eficácia de todos os atos administrativos praticados pela FATMA no bojo do licenciamento ambiental do PARQUE HOTEL MARINA PONTA DO CORAL, e a imediata assunção pelo IBAMA da responsabilidade pela instrução, decisão e conclusão do procedimento administrativo de licenciamento ambiental do empreendimento PARQUE HOTEL MARINA PONTA DO CORAL’ (EVENTO 21). O autor opôs embargos de declaração, rejeitados pela decisão do EVENTO 39.

    A ré HANTEI interpôs também agravo de instrumento (50164531620124040000), que obteve efeito suspensivo, em decisão proferida pelo Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, com o seguinte teor:

    Vistos, etc.

    Defiro o efeito suspensivo, eis que presentes os requisitos legais, até o julgamento do presente agravo de instrumento.

    Intime-se o agravado para a resposta.

    Comunique-se.

    Ao final, o agravo foi provido. Porém, o Tribunal, em decisão da Vice-Presidência, deu efeito suspensivo à sua decisão, acolhendo pedido de liminar em medida cautelar incidental (50027810420134040000) ao recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal.

    O IBAMA também agravou (50173504420124040000) da decisão liminar, obtendo provimento ao seu recurso, o que motivou a interposição de recurso especial pelo MPF, o qual obteve, da mesma forma, efeito suspensivo por meio de medida cautelar incidental (50027828620134040000).

    A ré HANTEI apresentou contestação (EVENTO 49). Argüiu preliminar de inépcia da inicial, quanto ao pedido formulado no item 9 – ‘d’ sob o argumento de falta de causa de pedir (ausência de fato ou fundamento jurídico do pedido). No mérito, asseverou, em síntese, que: [a] antes de iniciar o processo de licenciamento consultou o IBAMA acerca da competência, sendo por ele afirmado competir à FATMA conduzi-lo, posição também defendida nestes autos; [b] aplica-se ao caso a Lei Complementar n. 140/11, pois, de acordo com a Resolução CONAMA n. 237/97, o licenciamento só tem início com o protocolo do Estudo de Impacto Ambiental e requerimento de licença prévia, o que, na hipótese, só ocorreu em 16-2-2012, depois da entrada em vigor da referida lei; [c] a Lei Complementar n. 140/11 atribui competência para licenciar ao órgão ambiental estadual, adotando como critérios a localização e a natureza do empreendimento; [d] a obra em questão não se subsume a nenhuma das hipóteses de competência do IBAMA, delineada na referida Lei; [e] mesmo na vigência dos artigos da Lei 6.839/81 revogados pela Lei Complementar n. 140/11, a competência para o licenciamento seria da FATMA; [f] a Resolução CONAMA n. 237/97 não pode ser aplicada ao caso, como argumenta o autor, pois foi revogada pela mencionada lei complementar, e mesmo anteriormente ela padecia de inconstitucionalidade e ilegalidade, posto que, a pretexto de regulamentar o art. 10, caput,da Lei n. 6.938/81 ‘atribuiu ao IBAMA o licenciamento ambiental de determinados empreendimentos e atividades sem levar em consideração a abrangência de seus impactos’; [g] o empreendimento não está localizado em mar territorial, mas sim em águas interiores, categoria jurídica diversa, não havendo que se falar, portanto, na competência do IBAMA para o licenciamento; [h] também não prevalece o argumento de que a competência do IBAMA estaria justificada pelo fato de o empreendimento estar localizado no interior de uma unidade de conservação federal, pois a mais próxima dista 3Km dele; de todo o modo, a proximidade com uma unidade de conservação federal não justifica a competência pelo IBAMA; [i] ao contrário do que alega o autor, não há no imóvel floresta pública da União, nem mesmo floresta alguma existe no local e, de outro lado, a norma invocada (Lei n. 4.771/65) foi revogada pelo atual Código Florestal (Lei n. 12.651/12); além disso a competência para aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de florestas e formações sucessores é também do órgão estadual, conforme estabelece a Lei Complementar n. 140/11; [j] o fato de se tratar de empreendimento na Zona Costeira, em terras de marinha e praia também não atrai a competência do órgão federal para o licenciamento, pois a dominialidade da área não é fator determinante para tanto; [k] não há norma legal que imponha a obrigatoriedade de obtenção de autorização do ICMBio no processo de licenciamento, pois o EIA realizado ‘não concluiu que o empreendimento afetaria qualquer UC’; [l] nenhum dano ambiental foi apontado pelo autor na inicial; todos os impactos são previsíveis e constaram do estudo de impacto ambiental, que indicou as medidas mitigadoras e compensatórias a serem implementadas nas diversas fases das obras; [m] não há razão para se invocar o princípio da precaução a fim de paralisar as atividades; fosse o caso, o princípio a ser aplicado seria o da prevenção, o qual está sendo respeitado com a apresentação do EIA/RIMA; e [n] o local não há área de preservação permanente, pois no terreno inexiste vegetação com o fim de estabilizar mangue ou fixar dunas; de qualquer forma, a vegetação de restinga, isoladamente considerada, não é considerada de preservação permanente.

    A ré NOVA PRÓSPERA MINERAÇÃO S/A (EVENTO 58) também contestou (EVENTO 58) alegando sua ilegitimidade passiva para a causa sob o argumento de que a responsabilidade pelo empreendimento é da ré HANTEI, que foi também quem requereu o licenciamento. De todo o modo, ressaltou que ‘o licenciamento ambiental do empreendimento não contém vício algum e segue integralmente os ditames legais’.

    Houve réplica (EVENTO 75).

    Em sua contestação (EVENTO 81), a FATMA alegou, preliminarmente, falha na sua citação. No mérito, defendeu, em suma, a aplicação da Lei Complementar n. 140/2011 ao licenciamento em debate nestes autos, bem assim a sua competência exclusiva para conduzi-lo. Afirmou que o licenciamento não depende da autorização de outros órgãos, sobretudo do ICMBio.

    A Secretaria certificou nos autos que não ocorreu a citação formal da FATMA e do IBAMA, tendo sido, então, determinada a sua efetivação (EVENTO 86).

    Foi realizada audiência para tentativa de conciliação, que restou inexitosa (EVENTO 115). Na ocasião, determinou-se a expedição de ofício ao ‘Município de Florianópolis, para que esclareça no prazo de dez (10) dias se o alvará do empreendimento foi realmente caçado e quais os motivos, juntando a cópia do documento’. Ele, então, juntou a petição e documentos do EVENTO 120, dando conta de que desistiu do pedido de autorização para a execução de aterro e cessão gratuita de acrescido de marinha, que havia sido formulado à Secretaria de Patrimônio da União.

    O MPF, acerca dos documentos juntados pelo Município, alegou que ‘o arquivamento pela SPU do procedimento administrativo NÃO PREJUDICA o objeto das ações judiciais (…)’. (EVENTO 132).

    No EVENTO 130, o Município de Florianópolis juntou cópia do alvará concedido ao empreendimento em 13-12-2012, do qual consta a seguinte observação: ‘O PRESENTE ALVARÁ FICA CONDICIONADO A OBTENÇÃO DA LAP E LAI EXPEDIDAS PELA FATMA CESSÃO DE USO PARA ATERRO EMITIDA PELA SPU E EIV A SER APRESENTADO AO IPUF COM AS OBRIGAÇÕES CUMPRIDAS A OBRA PODERÁ SER INCICIADA’ (a falta de pontuação é do próprio texto).

    A União informou nos autos o encerramento do processo administrativo relativo ao pedido de cessão que havia sido formulado pelo Município (EVENTO 138).

    O IBAMA apresentou contestação (EVENTO 143). Arguiu [a] sua ilegitimidade passiva para a causa, pois não tem competência para licenciar o empreendimento; [b] falta de interesse de agir, ante a inexistência de pretensão resistida; e [c] impossibilidade jurídica, uma vez que o autor pretende a emissão de licença ao empreendimento pelo próprio Judiciário, implicando avocação de competência do Poder Executivo. No mérito, reiterou a impossibilidade de o Poder Judiciário ingerir em atribuição do Executivo, sobretudo em questão de licenciamento, que envolve conhecimentos técnicos específicos. Aduziu a perda de objeto da ação em face do arquivamento do processo administrativo de cessão de uso da área ao Município. Defendeu, por fim, o acolhimento das informações técnicas e pareceres jurídicos elaborados no âmbito da instituição, no sentido de que a competência para o licenciamento é do órgão ambiental estadual.

    O Ministério Público Federal, intimado acerca da contestação do IBAMA, reiterou suas manifestações anteriores e requereu a apreciação do ‘pedido do item 9, letra b), da petição inicial, a fim de intimar a UNIÃO e as autarquias ICMBio, UFSC, FLORAM, IPHAN e ANTAQ para comporem o polo ativo do feito e, ainda, para se manifestarem sobre o mérito da demanda’ (EVENTO 146).

    É o relatório.

    Passo a fundamentar e decidir.

    Fundamentação

    Preliminares

    – Ilegitimidade passiva do IBAMA

    Argumenta a autarquia que não é legitimada parte para responder pelo pedido contido na inicial sob o argumento de que não é responsável pelo licenciamento ambiental. Ora, a competência para o licenciamento da atividade é justamente a questão debatida nos autos, nos quais se pretende ver declarada a ilegalidade do licenciamento pela FATMA, atribuindo-se a competência ao IBAMA, que, na via administrativa defendeu tese contrária. Disso decorre sua legitimidade para figurar no polo passivo, o que não implica reconhecimento do pedido formulado na inicial, referente ao próprio mérito da demanda.

    Rejeito, pois a preliminar.

    – Ilegitimidade passiva da ré Nova Próspera Mineração S.A

    Não prospera a alegação de ilegitimidade passiva, posto que, como demonstram os documentos juntados aos autos, ela é proprietária da área, e embora o licenciamento tenha sido requerido pela ré HANTEI, as conseqüências do empreendimento podem, eventualmente, ter efeitos sobre sua esfera jurídica (art. 47 do CPC).

    – Carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido e falta de interesse de agir

    Igualmente, não há falar em impossibilidade jurídica do pedido ou falta de interesse de agir; primeiro, porque a inicial, a par de apontar inúmeras falhas no processo de licenciamento, não formula pedido algum para que o Judiciário expeça licença ambiental, como alegado pelo IBAMA; em segundo lugar é notória a resistência da autarquia à pretensão formulada pelo MPF, que requer se atribua ao órgão federal a competência para licenciar as obras objeto de discussão nos autos, posição rechaçada pelo IBAMA.

    Rejeito, também, essas preliminares.

    – Inépcia da inicial

    A ré HANTEI argúi carência de ação, por ausência de descrição do fato e fundamento jurídico do pedido de condenação ao pagamento de multa em valor não inferior a R$ 3.000.000,00 (item 9.d, da inicial).

    De acordo com o parágrafo único do art. 295 do Código de Processo Civil, ‘considera-se inepta a petição inicial quando:  I – Ihe faltar pedido ou causa de pedir; II – da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; III – o pedido for juridicamente impossível; IV – contiver pedidos incompatíveis entre si’.

    No caso, é possível depreender que o pedido formulado decorre dos fatos narrados na inicial. O fundamento jurídico da pretensão, é verdade, não está indicado, mas isso não torna inepta a inicial. A questão, na verdade, diz respeito ao mérito da demanda, isto é, saber se a conseqüência buscada decorre da aplicação da lei aos fatos descritos.

    Rejeito a preliminar.

    – Perda de objeto

    Não houve perda de objeto em razão do arquivamento do processo administrativo em tramitação perante a Secretaria do Patrimônio da União e que visava permissão para realização de aterro e cessão de uso em favor do Município de Florianópolis.

    Com efeito, a presente ação tem como objeto o processo de licenciamento do empreendimento Ponta do Coral. O aterro e cessão de uso ao Município é apenas um dos aspectos, cuja relevância e conseqüência para as obras que se pretende realizar devem ser apreciadas pelo órgão licenciador. Como já se disse anteriormente, a questão enfrentada nestes autos diz respeito, primordialmente, à competência para o licenciamento.

    – Intimação da União, ICMBio, UFSC, FLORAM, IPHAN e ANTAQ

    O Ministério Público Federal requereu, como pedido final, a intimação das autarquias acima referidas para, querendo, integrarem a lide no polo ativo. Além de se tratar de medida sem nenhum proveito, porque já suplantada a fase de instrução, trata-se de providência que caberia ao próprio autor antes mesmo do ajuizamento desta ação. A formação do polo ativo da relação processual, neste caso, não configura hipótese de litisconsórcio necessário, a justificar a interveniência do Judiciário para a sua regularização.

    De todo o modo, quanto à União e o ICMBio, ambos tiveram notícia desta ação e nenhum deles requereu o ingresso no feito ao lado do autor. A União inclusive se manifestou nestes autos sem fazer qualquer menção a eventual interesse em compor a lide.

    Rejeito, assim, o pedido.

    Mérito

    Esta ação civil pública tem por escopo anular o licenciamento ambiental do empreendimento ‘Parque Hotel Marina Ponta do Coral’ sob o argumento fundamental de que a competência para tanto é do IBAMA, não do órgão ambiental estadual (FATMA). Sustenta que as obras serão realizadas em mar territorial e que, por isso, a competência seria federal.

    O empreendimento em questão está previsto para ser implantado na Avenida Beira Mar, nesta cidade e, além da área terrestre, de significativa dimensão, composta por terreno de propriedade e ocupação das rés particulares (107.401,45m²) e pretenso aterro mecânico (34.645,74m²), prevê-se a utilização de 57.436m² de espelho d’água, destinado à instalação de uma marina.

    Passo a analisar os diversos aspectos do licenciamento, na forma como segue.

    1. Lei Complementar n. 140/11

    A Lei Complementar n. 140/11 ‘Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981’, atribuindo a um único ente federativo o licenciamento ambiental, com possibilidade de manifestação dos demais entes federativos, como se depreende de seu art. 13 e § 1º:

    Art. 13.  Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar. 

    § 1º  Os demais entes federativos interessados podem manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento ambiental.(…) 

    O art. 18 da mesma Lei Complementar, a respeito das novas normas, expressamente esclareceu que elas não são aplicáveis aos licenciamentos iniciados antes da vigência da referida lei.

    A ré HANTEI alega ser aplicável ao caso lei Complementar n. 140/11, uma vez que o licenciamento só tem início com o protocolo do Estudo de Impacto Ambiental e requerimento da licença prévia. O argumento, todavia, não prevalece, pois o processo de licenciamento iniciou em data anterior à publicação da mencionada norma.

    De fato, o processo de licenciamento é composto de uma cadência de atos voltados à concessão das licenças ambientais. A primeira etapa descrita no art. 10 da Resolução CONAMA n. 237/97, que regulamenta os aspectos do licenciamento ambiental de que trata a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81), é ‘a definição pelo órgão ambiental competente, com a participação do empreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais, necessários ao início do processo de licenciamento correspondente à licença a ser requerida’ (inciso I). O dispositivo trata do que se convencionou chamar de Termo de Referência, que é definido pelo órgão ambiental competente e serve a nortear os estudos a serem realizados pelo empreendedor e a futura análise pelo próprio órgão licenciador. É nesta fase que o processo de licenciamento tem início, não apenas quando o EIA é apresentado e requerida a licença prévia.

    Na hipótese, o licenciamento teve início em 31.01.2011, com a entrega da proposta de Termo de Referência à FATMA, que o analisou e fez os acréscimos necessários, estabelecendo os tópicos imprescindíveis aos estudos, além daqueles apontados pelo empreendedor, isso ainda em 14.3.2011 (EVENTO 1 – PROCADM8). Como a Lei Complementar n. 140 só entrou em vigor em 8 de dezembro de 2011, não há que se falar em sua aplicação ao licenciamento em análise.

    2. Competência para o licenciamento – Validade da Resolução CONAMA n. 237/97

    A Constituição Federal estabelece a competência comum para proteção do meio ambiente à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (art. 23, VI, b). Em seu art. 225, § 1º, IV, impõe a obrigatoriedade de elaboração de prévio estudo de impacto ambiental quando a atividade a ser devolvida for potencialmente causadora de significativa degradação dos recursos naturais, ‘na forma da lei’.

    A Lei nº 6.938/81, com as alterações introduzidas pela Lei n. 7.804/89, afirmou a necessidade de prévio licenciamento ambiental para ‘construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores’, bem como os capazes de‘causar degradação ambiental’, por parte do IBAMA, ‘em caráter supletivo’ (art. 10).

    O parágrafo 4º do art. 10 (com a redação que vigia ao tempo do início do processo de licenciamento), por sua vez, estabeleceu que compete ao IBAMA o licenciamento ‘no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional e regional’. O art. 4º da Resolução n. 237/97, do CONAMA, reproduz essa norma e enuncia as hipóteses em que os empreendimentos e atividades potencialmente poluidoras, de âmbito nacional e regional, demanda licenciamento pelo IBAMA, nos seguintes termos:

    Art. 4º – Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:

    I – localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União;

    II – localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados;

    III – cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do país ou de um ou mais Estados;

    IV – destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN;

    V – bases ou empreendimentos militares, quando couber, observada a legislação específica.

    Em sua defesa, a ré HANTEI defende a competência para o licenciamento pela FATMA também sob o fundamento da inaplicabilidade da Resolução CONAMA n. 237/97 em face de sua ilegalidade e inconstitucionalidade. Sustenta que a mencionada norma, a pretexto de regulamentar o art. 10 da Lei n. 6.938/81, excedeu ao que nela estava contido, deixando de considerar, ao atribuir competência para licenciamento aos diversos órgãos que compõem o CONAMA, a abrangência dos impactos (nacional ou regional).

    Em análise à Resolução CONAMA n. 237/97, não se constata a mencionada exacerbação do poder regulamentar que foi atribuída ao Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA pela própria Lei n. 6.938/81, a qual lhe impõe a tarefa de ‘assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à qualidade de vida’ (art. 6º, II). Sua competência está definida no art. 8º da mesma Lei, que lhe atribui poder regulamentar destinado a tornar efetiva a proteção ambiental.

    Conclui-se, assim, que todos os incisos do art. 4º exemplificam as hipóteses em que haverá impacto ambiental de âmbito nacional ou regional. Pode-se afirmar, então, que todos os empreendimentos que forem edificados em mar territorial terão necessariamente impacto nacional ou regional, devendo, portanto, ser licenciados pelo IBAMA.

    Note-se que o § 4º do art. 10 da Lei n. 6.938/81 estabelece como critério para a fixação da competência do órgão federal o interesse, que deve ser nacional ou regional, notoriamente para as atividades de significativo impacto ambiental, sem se importar com a dominialidade da área impactada. A Resolução CONAMA n. 237/97 ocupou-se, assim, em definir as hipóteses em que o interesse nacional ou regional se farão presente, sem que isso implique excesso regulamentar.

    A legitimidade das normas expedidas pelo CONAMA já foi assentada por diversas vezes pelo Superior Tribunal de Justiça, consoante exemplifica a ementa abaixo transcrita:

    ‘RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE REGISTRO DE LOTEAMENTO ÀS MARGENS DE HIDRELÉTRICA. AUTORIZAÇÃO DA MUNICIPALIDADE. IMPUGNAÇÃO OFERECIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. RESOLUÇÃO N. 4/85-CONAMA. INTERESSE NACIONAL. SUPERIORIDADE DAS NORMAS FEDERAIS. No que tange à proteção ao meio ambiente, não se pode dizer que há predominância do interesse do Município. Pelo contrário, é escusado afirmar que o interesse à proteção ao meio ambiente é de todos e de cada um dos habitantes do país e, certamente, de todo o mundo. Possui o CONAMA autorização legal para editar resoluções que visem à proteção das reservas ecológicas, entendidas como as áreas de preservação permanentes existentes às margens dos lagos formados por hidrelétricas. Consistem elas normas de caráter geral, às quais devem estar vinculadas as normas estaduais e municipais, nos termos do artigo 24, inciso VI e §§ 1º e 4º, da Constituição Federal e do artigo 6º, incisos IV e V, e §§ 1º e 2º, da Lei n. 6.938/81. Uma vez concedida a autorização em desobediência às determinações legais, tal ato é passível de anulação pelo Judiciário e pela própria Administração Pública, porque dele não se originam direitos. A área de 100 metros em torno dos lagos formados por hidrelétricas, por força de lei, é considerada de preservação permanente e, como tal, caso não esteja coberta por floresta natural ou qualquer outra forma de vegetação natural, deve ser reflorestada, nos termos do artigo 18, caput, do Código Florestal. Qualquer discussão a respeito do eventual prejuízo sofrido pelos proprietários deve ser travada em ação própria, e jamais para garantir o registro, sob pena de irreversível dano ambiental. Segundo as disposições da Lei 6.766/79, ‘não será permitido o parcelamento do solo em áreas de preservação ecológica (…)’ (art.3º, inciso V). Recurso especial provido.’ (REsp 194.617/PR, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 16.04.2002, DJ 01.07.2002 p. 278).

    Em análise à mencionada Resolução, TALDEN FARIAS, assevera que algumas de suas normas não são consentâneas com a legislação ambiental, a exemplo do critério de fixação da competência do IBAMA tão somente porque a atividade envolva território de mais de um Estado federado. Referindo-se a cada uma das hipóteses de competência pelo órgão federal, o autor afirma ser correto o entendimento firmado pela Resolução quanto às atividades localizadas no mar territorial, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva (Licenciamento Ambiental: aspectos teóricos e práticos, 2ª ed. Belo Horizonte, Ed. Fórum, 2010, pp. 102/112). Após referir-se ao conceito de mar territorial e águas interiores, explica que:

    ‘É somente nas águas interiores que a soberania do Estado é absoluta, pois, por ser objeto de convenções da ordem jurídica internacional, no mar territorial o poder soberano estatal é relativo. O mar territorial é tido como uma extensão do território do país, sendo a zona adjacente à costa em que o Estado costeiro exerce significativa soberania.

    Existem algumas limitações que o Direito Internacional impõe à soberania do Estado costeiro, sendo que elas normalmente se referem ao direito de navegação no mar territorial. Devido ao fato de ser objeto de convenções internacionais e de o Estado não exercer soberania absoluta sobre essas áreas, o licenciamento de atividades localizadas no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental é de competência exclusiva da União, que a desempenha por meio do órgão federal de meio ambiente’ (p. 110).

    A própria Lei Complementar n. 140, destinada a esclarecer definitivamente as questões de atribuições e competências dos órgãos ambientais, a par de ter extinguido os critérios da regionalidade/nacionalidade do impacto ambiental como critério definidor da competência, passou a entender que os empreendimentos e atividades localizados ou desenvolvidos no mar territorial é ação administrativa que compete à União (art. 7º, inciso XIV, letra ‘b’). Assim, mesmo que não se possa utilizar essa lei complementar como fundamento para a decisão, haja vista que o licenciamento iniciou antes da sua vigência, a afirmação de que o mar territorial é de interesse da União reitera a conclusão de que cabe ao IBAMA promover o licenciamento sempre que a obra ou atividade for nele situado. Passo, pois, à análise dessa questão.

    3. Mar Territorial

    A Constituição Federal inclui o mar territorial como bem da União (art. 20, VI), que ‘pode ser definido como zona adjacente à costa na qual a soberania do Estado costeiro é significativa, sendo considerado uma extensão do território do país’ (FREITAS, Vladimir Passos de, Águas – aspectos jurídicos e ambientais. 2ª ed. (ano 2002), 4ª tir., Curitiba, Juruá, 2005, p. 177).

    Os limites do mar territorial brasileiro foram estabelecidos pela Lei n. 8.167/93, verbis:

    Art. 1º O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil.

    Parágrafo único. Nos locais em que a costa apresente recorte profundos e reentrâncias ou em que exista uma franja de ilhas ao longo da costa na sua proximidade imediata, será adotado o método das linhas de base retas, ligando pontos apropriados, para o traçado da linha de base, a partir da qual será medida a extensão do mar territorial.

    Esta lei foi publicada com o fim de ajustar a legislação brasileira ao artigo 3º da Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar, concluída em MontegoBay, na Jamaica, em 10 de dezembro de 1982. Ela visa, portanto, primordialmente, regular questões relacionadas à soberania dos Estados sobre o mar.

    A Convenção da ONU estabelece que ‘a soberania do Estado costeiro estende-se além do seu território e das suas águas interiores e, no caso de Estado arquipélago, das suas águas arquipelágicas, a uma zona de mar adjacente designada pelo nome de mar territorial’ (art. 2º, 1). Ela fixa os critérios para a determinação da linha de início da contagem do espaço territorial marítimo, dele excluindo as águas interiores, que são estranhas ao direito do mar.

    ‘As águas interiores a que a Convenção se refere são águas de mar aberto: fazem parte daquela grande extensão de água salgada em comunicação livre na superfície da Terra, e sua interioridade é pura ficção jurídica. Cuida-se das águas situadas aquém da linha de base do mar territorial, em razão da existência de baías, de portos e ancoradouros, ou de um litoral caracterizado por ‘recortes profundos e reentrâncias ou em que exista uma franja de ilhas ao longo da costa na sua proximidade imediata” (REZEK, Francisco, Direito Internacional Público: curso elementar, 10 ed. rev. e atual, São Paulo, Saraiva, 2005, p. 305).

    De acordo com Vladimir Passos de Freitas, o conceito de águas interiores é utilizado em contraposição às águas internacionais. Àquelas são as águas localizadas aquém do limite onde se inicia a medida do mar territorial. Sua utilidade está, sobretudo, na delimitação das ‘águas em que o Estado é absolutamente soberano daquelas em que o direito internacional impõe algum tipo de restrição’. Nas águas interiores o Estado exerce sua soberania plena. (op. cit. p. 178).

    Daí se concluir, então, que a Lei n. 8.617/93, ao acolher a definição de mar territorial trazida pela Convenção da ONU sobre o direito do mar, não pretendeu excluir dos bens da União as águas do mar situadas aquém da linha de início da medida das doze milhas marítimas, ou seja, as águas interiores.

    Corrobora esta conclusão, as decisões do Tribunal Regional Federal da 4ª Região a respeito da competência em crimes de pesca praticados na Baía Norte, em Florianópolis, decidindo pela competência da Justiça Federal, em virtude do local se caracterizar mar territorial, bem da União. Cito como exemplo a seguinte ementa:

    DIREITO PENAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ARTIGO 34 DA LEI 9.605/98. PESCA PROIBIDA EM MAR TERRITORIAL. OFENSA A INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA FEDERAL.

    1. A competência criminal da Justiça Federal expressa no art. 109, inc. IV, da Magna Carta, em relação aos delitos contra o meio ambiente, está adstrita aos casos em que estes são praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, suas autarquias ou empresas públicas.

    2. A pesca proibida na Baía Norte do complexo marítimo de Florianópolis, pertencente à faixa litorânea do Estado de Santa Catarina que se insere no conceito de mar territorial, é crime que afeta bens da União, sujeitando-se o processo e julgamento do feito à competência da Justiça Federal. (TRF4, RSE 2003.72.00.006258-0, Oitava Turma, Relator Élcio Pinheiro de Castro, D.E. 20/08/2008)

    Veja-se que a diferenciação criada pela Lei n. 9.966/2000, entre águas interiores e águas marítimas, não tem o condão de interferir no conceito de mar territorial. Primeiro, porque a referida Lei tem como escopo apenas regular, mediante prevenção, fiscalização e controle da poluição causada por lançamento de óleo; em segundo lugar, porque a própria Constituição Federal, quando atribui à União a titularidade sobre o mar territorial, não faz distinção alguma entre águas interiores e marítimas.

    4. Análise do caso concreto

    No caso em exame, o empreendimento em questão está situado na Ilha de Santa Catarina, nesta Capital, na Avenida Beira-Mar Norte e pretende a construção de um hotel e marina flutuante, além da criação de espaços públicos. Para tanto, será necessária a formação de significativa porção de acrescido de marinha, a ocupação de terreno de marinha contíguo à parte alodial e concessão de águas públicas, o que implica, sem dúvida, interferência no mar.

    O IBAMA, consultado na via administrativa pela ré Nova Próspera Mineração S/A, afirmou não ser sua a competência para o licenciamento, cabendo à FATMA conduzi-lo (EVENTO 1 – PROCADM 9, página 44). Este entendimento reiterou-se quando a Autarquia foi questionada pelo Ministério Público Federal ainda na via administrativa. Na ocasião, a Diretora de Licenciamento Ambiental, em Brasília, afirmou (EVENTO 1 – PROCADM 9, página 99):

    1. (…) o fato do empreendimento em questão ocupar área da União, por si só não define a competência do IBAMA em licenciá-lo. Para tanto, além do significativo impacto ambiental a atividade em comento deve apresentar algum impacto ambiental direto que alcance outro estado.

    2. Dessa forma, entendo que o licenciamento ambiental iniciado junto ao AOEMA deve seguir até os impactos listados no respectivo Estudo Ambiental sejam analisados e conclua-se sobre o alcance dos impactos diretos, para então haver definição conclusiva quanto ao órgão do SISNAMA competente para conduzir o licenciamento em tela.

    No entanto, não prospera a argumentação do IBAMA, reiterada em sua manifestação nestes autos, no sentido de que, a despeito de o empreendimento envolver o mar territorial, não há impacto regional ou nacional. Em verdade, o impacto de âmbito nacional se perfaz justamente por se localizar no mar territorial, pois a própria norma já supõe a ocorrência de impactos dessa natureza. Errou nesse ponto a Orientação Jurídica Normativa n. 15/2010/PFE/IBAMA.

    Note-se que, surpreendentemente, o IBAMA, em caso semelhante (OSX Estaleiros S/C, em maio de 2010), emitindo parecer sobre sua competência em licenciamento envolvendo a mesma discussão, entendeu:

    1.a realização de empreendimento em mar territorial atrai a competência do IBAMA para o licenciamento ambiental;

    2.a caracterização de águas interiores não tem o efeito de descaracterizar a competência do IBAMA, pois segundo bem analisa o d. parecer referido, as águas interiores estão incluídas no mar territorial.

    3.é entendimento da PROGE/IBAMA de que devem sobrepor-se, para definição de competência do IBAMA, os critérios da dominialidade, segundo determinação dos incisos do art. 4º da Resolução CONAMA 237/97 com os critérios de caracterização de impacto nacional ou regional (conforme parecer 312/CONJUR/MMA/2004, juntado às fl. 110 a 130).

    Em sua manifestação inicial (EVENTO 17, INF5 e 6), o IBAMA esclarece que na hipótese antes mencionada (Estaleiro OSX) a sua competência estava justificada porque além de se localizar no mar territorial, caracterizou-se também impacto regional da atividade em virtude do tipo de atividade e também da necessidade de ‘dragagem de um canal de acesso e de bacia de evolução de manobras para navios’.

    Na verdade, o impacto da atividade, naquela hipótese, era sobre o mar e, por isso, a Autarquia Federal pronunciou-se no sentido de ser sua a competência para o licenciamento. Pelo que se depreende dos documentos juntados pelo IBAMA, em nenhum momento foi questionada a abrangência dos impactos (nacional ou regional), mas apenas a sua magnitude. Contudo, não é ela determinante para a fixação da competência, mas sim os interesses em questão.

    Além do entendimento do próprio órgão, cumpre explicar que, confrontando-se a legislação supracitada e o entendimento jurisprudencial acerca do que se seja mar territorial, conclui-se que a competência para conduzir o processo de licenciamento e expedir as licenças necessárias para o empreendimento é, de fato, do IBAMA, não do órgão ambiental estadual.

    Nesse sentido, há precedentes dos Tribunais Regionais Federais:

    ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELA UNIÃO. CONSTRUÇÃO DE HOTEL. MUNICÍPIO DE PORTO BELO. ZONA DE PROMONTÓRIO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. NON AEDIFICANDI. LICENÇA NULA. DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. INEXISTÊNCIA DE AVALIAÇÃO AMBIENTAL. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO. DESFAZIMENTO DA OBRA. 1. O empreendimento está localizado em área de promontório, considerada de preservação permanente pela legislação estadual (Lei nº 5.793/80 e Decreto nº 14.250/81) e pela legislação municipal (Lei Municipal nº 426/84), e, por conseqüência, área non aedificandi, razão pela qual a licença concedida pela FATMA é nula, visto que não respeitou critério fundamental, a localização do empreendimento. 2. A FATMA não possuía competência para autorizar construção situada em terreno de marinha, Zona Costeira, esta considerada como patrimônio nacional pela Carta Magna, visto tratar-se de bem da União, configurando interesse nacional, ultrapassando a competência do órgão estadual. 3. Ante ao princípio da prevenção, torna-se imperiosa a adoção de alguma espécie de avaliação prévia ambiental. 4. Os interesses econômicos de uma determinada região devem estar alinhados ao respeito à natureza e aos ecossistemas, pois o que se busca é um desenvolvimento econômico vinculado ao equilíbrio ecológico. 5. Um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado representa um bem e interesse transindividual, garantido constitucionalmente a todos, estando acima de interesses privados. 6. Apelos providos (TRF-4º R., AC 199804010096842,Rel. p/ o acórdão Des. Fed. Valdemar Capeletti, 4ª T., DJ de 16.04.03).

    ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL PROCESSUAL CIVIL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. ZONA COSTEIRA. PATRIMÔNIO NACIONAL. COMPETÊNCIA PARA LICENCIAMENTO AMBIENTAL DO IBAMA. TUTELA PROCESSUAL-CAUTELAR DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225, CAPUT).

    I – Em se tratando de exploração de atividade potencialmente poluidora do meio ambiente, a competência do ente municipal e/ou estadual, para o licenciamento ambiental, não exclui a competência do IBAMA, que se impõe, em casos assim, em face da tutela cautelar constitucionalmente prevista no art. 225, § 1º, V e respectivo § 3º, da Constituição Federal, na linha auto-aplicável de imposição ao poder público (incluído o Poder Judiciário) e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, para as presentes e futuras gerações (CF, art. 225, caput).

    II – Ademais, as obras de construção de empreendimento imobiliário inserido nos limites territoriais de zona costeira marítima, como no caso, constitucionalmente classificada como patrimônio nacional (CF, art. 225, § 4º), cuja utilização subordina-se às disposições legais de regência, observadas, sempre, as condições que assegurem a preservação do meio ambiente, afigurando-se irrelevante, na espécie, a existência de licenciamentos ambientais estaduais e/ou municipais, posto que, em casos assim, o bem a ser tutelado é o meio ambiente ecologicamente equilibrado, que não dispensa o inafastável estudo prévio de impacto ambiental, conforme determinam, em casos que tais, o art. 225, §1º, IV, da Constituição Federal, e o art. 10 da Lei nº. 6.938/81 e as Resoluções nºs 01/86 e 237/97-CONAMA.

    III – A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), e a conseqüente precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) exigindo-se, inclusive, na forma da lei, a implementação de políticas públicas voltadas para a prevenção de potencial desequilíbrio ambiental, como na hipótese dos autos. IV – Se a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, no Brasil (Lei nº. 6.938, de 31.08.81) inseriu como objetivos essenciais dessa política pública ‘a compatibilização do desenvolvimento econômico e social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico’ e ‘a preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida’ (art. 4º, incisos I e VI), há de se entender que o princípio do poluidor-pagador busca, sobretudo, evitar a ocorrência de danos ambientais e, só no último caso, a sua reparação.

    V – Agravo de instrumento desprovido. Decisão mantida (TRF-1ª R., AI n. 0080421-60.2010.4.01.0000/PA, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 5ª T, DJe de 27-06-2012).

    Consoante já assinalado em decisão proferida no Superior Tribunal de Justiça (RESP 588022, Relator: José Delgado, STJ de 05/04/2004, p. 217), que aborda a questão do mar territorial, ‘a natureza desconhece fronteiras’ e, pode-se afirmar, também desconhece qualquer conceito técnico. Então, se o empreendimento comporta obras no mar e em área adjacente, não se pode desprezar esse fato para considerar que não haverá repercussão regional a justificar a competência do IBAMA para o licenciamento. Veja-se que o impacto regional neste caso é presumido pelo simples fato de estar situado em mar territorial, prescindindo-se de qualquer comprovação. Saliento que este inclusive foi um dos fundamentos das liminares nas medidas cautelares incidentais ns. 5002781-04.2013.404.0000 e 5002782.86.2013.404.0000, que deferiu efeito suspensivo às decisões proferidas nos agravos de instrumento ns. 5016453-16.2012.404.0000 e 507350-44.2012.404.0000, respectivamente, verbis:

    De fato, o IBAMA entende que o empreendimento, caso logre o licenciamento, situar-se-ia em mar territorial, mas que tal fato não é suficiente para justificar sua competência, quando ausente significativo impacto regional ou nacional. Essa fundamentação foi acolhida pela Turma no julgamento do Agravo de Instrumento n.º 5017350-44.2012.404.0000, de modo que parece fora de dúvidas a constatação de que o projeto avança sobre o mar territorial, e não sobre área urbana. Resta, então, saber se é preciso, também, que haja significativo impacto de âmbito regional ou nacional ou se basta, como defendido pelo MPF nas razões do recurso especial, que o empreendimento esteja situado em mar territorial para que se conclua pela competência do IBAMA.

    (…)

    Segundo entende a parte autora, nas hipóteses arroladas nos incisos do art. 4º, há presunção de significativo impacto regional ou nacional. Daí porque, tratando-se de empreendimento situado em mar territorial, o impacto seria presumido, prescindindo-se de qualquer comprovação.

    (…)

    A questão relativa à competência para o licenciamento ambiental já fora brevemente tratada na decisão antes transcrita, sendo agora objeto do próprio pedido, somando-se definitivamente aos argumentos para o deferimento da cautelar, com a suspensão do procedimento de licenciamento ambiental, que deve seguir pelo IBAMA, conforme requerido. Saliento, a propósito, que deve ser permitida a ampla participação do ICMBio no processo, conforme decidido nos autos da MC n.º 5000408-97.2013.404.0000.

    Além dessa conclusão, é preciso frisar que a área pertence à Zona Costeira e, portanto, merece especial atenção, pois ‘sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegure a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais (art. 225, § 4º)’. Por esse motivo, a Lei 7.661/88 determinou que a instituição do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (Lei 7.661/88) deverá observar, no zoneamento de usos e atividades, determinados bens ambientais, eleitos como essenciais à Zona Costeira:

    Art. 3º. O PNGC deverá prever o zoneamento de usos e atividades na zona Costeira e dar prioridade à conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens:

    I – recursos naturais, renováveis e não renováveis; recifes, parcéis e bancos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos e lagunares, baías e enseadas; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas litorâneas, manguezais e pradarias submersas;

    II – sítios ecológicos de relevância cultural e demais unidades naturais de preservação permanente;

    III – monumentos que integrem o patrimônio natural, histórico, paleontológico, espeleológico, arqueológico, étnico, cultural e paisagístico.

    É esse raciocínio sistemático que deve permear as conclusões em termos de meio ambiente, que pela sua complexidade, necessitam sempre da análise do conjunto das circunstâncias. Dentro desse raciocínio, o Min. José Delgado, no recurso especial já mencionado, entendeu que a atividade de desassoreamento do Rio Itajaí-Açú, que poderia atingir o mar territorial, também estaria sujeita à licenciamento perante o IBAMA:

    ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESASSOREAMENTO DO RIO ITAJAÍ-AÇU. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DO IBAMA. INTERESSE NACIONAL.

    1. Existem atividades e obras que terão importância ao mesmo tempo para a Nação e para os Estados e, nesse caso, pode até haver duplicidade de licenciamento.

    2. O confronto entre o direito ao desenvolvimento e os princípios do direito ambiental deve receber solução em prol do último, haja vista a finalidade que este tem de preservar a qualidade da vida humana na face da terra. O seu objetivo central é proteger patrimônio pertencente às presentes e futuras gerações.

    3. Não merece relevo a discussão sobre ser o Rio Itajaí-Açu estadual ou federal. A conservação do meio ambiente não se prende a situações geográficas ou referências históricas, extrapolando os limites impostos pelo homem. A natureza desconhece fronteiras políticas. Os bens ambientais são transnacionaisA preocupação que motiva a presente causa não é unicamente o rio, mas, principalmente, o mar territorial afetado. O impacto será considerável sobre o ecossistema marinho, o qual receberá milhões de toneladas de detritos.

    4. Está diretamente afetada pelas obras de dragagem do Rio Itajaí-Açu toda a zona costeira e o mar territorial, impondo-se a participação do IBAMA e a necessidade de prévios EIA/RIMA. A atividade do órgão estadual, in casu, a FATMA, é supletiva. Somente o estudo e o acompanhamento aprofundado da questão, através dos órgãos ambientais públicos e privados, poderá aferir quais os contornos do impacto causado pelas dragagens no rio, pelo depósito dos detritos no mar, bem como, sobre as correntes marítimas, sobre a orla litorânea, sobre os mangues, sobre as praias, e, enfim, sobre o homem que vive e depende do rio, do mar e do mangue nessa região.

    5. Recursos especiais improvidos.

    (REsp 588.022/SC, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2004, DJ 05/04/2004, p. 217)

    Recentemente, em hipótese semelhante, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu ser da competência do IBAMA o licenciamento de obras no Porto de São Francisco do Sul/SC, localizados no mar territorial, verbis:

    AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POTENCIAL DANO AMBIENTAL. PORTO. COMPETÊNCIA DO IBAMA. A Lei nº6.938/81, com as alterações advindas pela Lei nº 7.804/89, afirmou a necessidade de prévio licenciamento ambiental para ‘construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores’, bem como os capazes de ‘causar degradação ambiental’, por parte do IBAMA, ‘em caráter supletivo’ ( art. 10). No caso, trata-se de intervenção física com efeitos sobre a Bacia da Babitonga, que pertence ao mar territorial, ‘pois é formada por uma reentrância na costa, enquadrando-se na delimitação do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.617/93’( RSE 2003.72.01.001412-0, Rel. Desembargador Federal TadaaquiHirose, DJU 03-03-2004). E a doutrina constitucional tem se orientado no sentido de que o interesse ambiental preponderante indicará o ente federativo competente ( MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, p. 276; SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, p. 50) e não há dúvidas de que impactos sobre a zona costeira ou sobre o mar territorial configuram interesse que ultrapassa o meramente local ou regional. (TRF4, AC 5006246-20.2011.404.7201, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 10/08/2012)

    A par de a questão analisada no julgado acima referido compreender também, segundo o Tribunal, significativo impacto de âmbito nacional, por envolver parte de terra indígena, não foi este o fundamento da decisão. Ela baseou-se, primordialmente, no fato de as obras se localizarem no mar territorial.

    Assinale-se, assim, que longe de se prender à lógica positivista, os argumentos expendidos pelo Relator remontam à idéia de que o exame das normas em direito ambiental deve possibilitar o seu entrelaçamento, a fim de conduzir à melhor solução em Juízo. No caso das competências para o licenciamento, o que deve se evidenciar é o tipo de interesse envolvido, conforme assinala Alexandre de Moraes, o qual menciona que o ‘princípio geral que norteia a repartição de competências entre as entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse‘ (Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 9ª ed., p. 276).

    José Afonso da Silva também explica:

    ‘O interesse ambiental preponderante indicará o ente federativo competente, pois, como explica José Afonso da Silva, a exemplo do que ocorre na divisão da competência para legislar, ‘o princípio geral que norteia a repartição da competência entre as entidades competentes do Estado federal é o da predominância do interesse, segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local’ (Curso de direito constitucional positivo. 5ª. ed., p. 412)’ (ob. cit., p. 50).

    No mesmo sentido, leciona Guilherme José Purvin de Figueiredo:

    ‘O licenciamento ambiental federal é normalmente fixado em razão do âmbito do impacto direto do empreendimento, não importando se conduzido por particular, por órgão municipal, estadual ou federal, desde que este ultrapasse um Estado federado ou o próprio país.

    Abrem-se, porém, as exceções do art. 4º, I, supra, da Resolução CONAMA 237/97: caso o impacto direto alcance o mar territorial (art. 20, VI, CF), as terras indígenas (art. 20, inc. XI, CF) ou unidades de conservação de domínio da União – sejam estas de uso sustentável ou de proteção integral -, a competência administrativa para licenciar o empreendimento será do IBAMA’ (Curso de Direito Ambiental. 4ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 205)

    No caso dos autos, conjugam-se vários elementos que confluem à decisão de competência do IBAMA, pois além de evidenciado o interesse nacional, pela localização de parte do empreendimento em mar territorial, estão envolvidos bens pertencentes à União, terreno de marinha, e praia, cujo engordamento, aliás, exige dessa autorização prévia.

    – Condenação em multa

    Além do reconhecimento da ilegalidade da condução do licenciamento pelo FATMA e sua atribuição ao IBAMA, o autor requer a condenação dos réus ‘ao pagamento de pena multa não inferior a R$ 3.000.000 (três milhões de Reais) pelo descumprimento da legislação ambiental (sobretudo pelo desrespeito à indispensável consulta prévia ao ICMBio, à UFSC e à FLORAM, entidades gestoras das UCs potencialmente afetadas), a ser destinada ao financiamento da aquisição de bens ou da execução de projetos vinculados às atividades de fiscalização, investigação ou pesquisa do ICMBio/SC, da UFSC/FLORAM e do SETOR TÉCNICO-CIENTÍFICO DA POLÍCIA FEDERAL (SETEC/SR/DPF/SC). Não há, contudo, fundamento legal para o pedido.

    Conquanto seja possível a condenação em dinheiro em ação civil pública, ante a previsão contida no art. 3º da Lei n. 7.347/85, ela deriva sempre do reconhecimento de um dano ao meio ambiente e assume natureza de indenização, tanto pelo fato danoso em si quanto em razão da impossibilidade de recuperação integral, como forma de compensação. Não é o que ocorre no presente caso.

    Com efeito, a inicial não descreve nenhum dano ambiental decorrente de fatos que possam ser imputados aos réus, mesmo porque o empreendimento está ainda em seu início, realizando os estudos ambientais necessários à obtenção das licenças. Pelo que se dessume dos autos, nenhuma obra foi ainda iniciada.

    A inobservância da legislação acerca da competência para o licenciamento constatada nesta ação não implica dano ambiental a justificar o pedido formulado.

    De outro lado, não há previsão legal para a imposição de multa em matéria civil. Esta medida é reservada para as sanções administrativas e penais.

    Dispositivo

    Ante o exposto, rejeito as preliminares e JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO para declarar a ilegalidade da condução do licenciamento do empreendimento ‘Parque Hotel Marina Ponta do Coral’, nesta Capital, declarando nulos os atos por ela praticado, bem assim para declarar competente o IBAMA.

    Sem honorários. Custas finais em partes iguais pelos réus, dispensadas pela FATMA e pelo IBAMA, em virtude de serem beneficiários de isenção.

    Sentença com registro eletrônico. Publique-se e intimem-se.

    Florianópolis, 31 de julho de 2013.

    Marcelo Krás Borges

    Juiz Federal

    Foto: http://parqueculturaldas3pontas.wordpress.com/page/3/

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