Por Claudia Weinman, para Desacato. info.
Nasci no dia 07 de setembro de 1991. Faltavam quinze minutos para uma hora da manhã. De manhãzinha, minha mãe (Renate), olhou para fora da janela e viu soldados marchando. Ela conta que naquele tempo marchavam por várias ruas da cidade. Ficou na janela, observando, enquanto eu dormia na cama do hospital. Todo dia 07 de setembro, chamavam-me de ‘patriota’. Na escola, sempre participava do tradicional desfile cívico, porque se não, a gente recebia falta, menos pontos na média.
Depois fui compreendendo que a pátria pela qual me faziam marchar precisava ser compreendida com maior criticidade. Que não era a nota, nem mesmo a falta na escola que deveriam ser predominantes para me colocar na rua, em defesa de alguma coisa que eu ainda não entendia. A militância, as formações, ouvir a diversidade é que me ajudou a construir o pensamento de que a pátria não deve ser conclamada como um símbolo de maior importância na nossa vida, mas a defesa da Pachamama, da terra livre, dos povos em movimento, e em unidade.
Na véspera do dia que nos roubaram a riqueza profunda, do seio da terra, que traíram o chão de cores, e saíram marchando, vestindo nossa pele, tirando nossa vida, quero dizer que a “Pátria amada”, que amanhã vão idolatrar, precisa de ajuda, de gentes, de vozes. Está vazia de reflexões nas escolas. A “pátria” que tanto nos querem fazer amar, desde menina, desde menino, ela carrega sangue de gente que sofre, e luta e sonha. Muito povo foi exterminado para que outros pudessem marchar sobre seus corações e sonhos. É disso que precisamos lembrar, evidenciar para quem ‘esqueceu’ dessa parte da história.
Brasil: “A grandeza do seu povo”. Este é apenas um dos temas que vimos circular em ‘celebração’ ao sete de setembro deste ano. É com esse mesmo ideal que muitos estudantes serão obrigados a desfilar para garantir mais pontos na média. Com esse tema, mais uma vez a nossa verdadeira história será omitida para grande parcela da população. Parece estranho falar ‘contra a regra’, essa também inventada pela história, no entanto, mais insólito é receber um convite, como no ano passado, para uma sessão solene na Câmara de Vereadores, para aplaudir a semana da pátria e as etnias que a “compõe”, sendo citadas apenas as de origem europeia. Mais complicado do que isso, é ter que explicar para membros da Câmara a diferença entre um indígena e um Afrodescendente e dizer-lhes que estes não fazem parte da mesma matriz cultural.
Não bastasse o ‘esquecimento’ e o desleixo com a questão dos povos que historicamente viveram na região, foram expulsos pelos europeus e hoje habitam as margens, a semana da falsa pátria começa com tristeza mas também muita luta nas ruas. Meu companheiro de vida e luta, Pedro Pinheiro, já dizia: “Mais um 07 de setembro e desde que Pindorama passou a ser Brasil, independente ou não, as cores da bandeira verde, amarela e azul, deveriam ser vermelhas. Não pelo comunismo, mas sim pelo sangue indígena, caboclo, derramado por esses mais de 500 anos de matança”. E agora, está mais vermelha do que nunca. A pátria amada e idolatrada dos ruralistas, dos assassinos de gentes, esse modelo de pátria que eu nunca vou amar, tem assassinado todos os dias a nossa vida, a democracia, a liberdade.
Pelas perseguições que temos sofrido, pelos povos que têm sido exterminados, temos a compreensão que essa bandeira da pátria está manchada com sangue indígena, caboclo e de outros e outras que lutaram por um mundo de dignidade. Essa bandeira carrega as marcas do povo lascado, do mesmo semblante que nos move em luta pela vida. Em resistência a essa falsa pátria, a essa falsa independência, é que o coletivo da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e Pastoral da Juventude Rural (PJR), vai ocupar as fileiras neste 07 de setembro, somando-se a outras organizações, fazendo eclodir suas pautas, denúncias e anunciando mudanças junto ao Grito dos Excluído/as.
A força da organização popular é que garantirá a nossa grande conquista pela “Terra Sem Males”, e nós acreditamos nela. Agora, parando para pensar, quando minha mãe olhou por aquela janela do hospital, ela deve ter feito um pedido, para que sua filha, e para que os demais filhos e filhas da terra, jamais se rendessem ao sinal do grande Capital, que nunca, na sua vida, ajoelhassem perante as injustiças e a matança do povo da terra. E em algum lugar, essa semente de sonho, gerada nesse pedido, brotou nas vidas, nos olhares e nos sonhos coletivos que amanhã estarão nas ruas, anunciando propostas e denunciando o projeto de morte que é o Capitalismo. Nos encontramos em marcha, protegidos/as pelo revolucionário Jesus Camponês e Operário de Nazaré.
Foto de capa: Julia Saggioratto.