Uma palavrinha sobre as lutas no mundo árabe


Por Elaine Tavares.

Hesitei um pouco em escrever sobre o que ocorre hoje no mundo árabe. Tudo é muito distante de nós e as informações precisam ser muito bem checadas para não dizermos besteiras. Mas há coisas que são gritantes. Mais do que nunca o estudo feito por Chomsky há décadas se faz absurdamente real. É incrível como a mídia, de repente, descobriu que havia ditadores no mundo árabe. Do nada, essa palavra começa a pipocar em todos os jornais e revistas. Até então, para os meios de comunicação, ditador mesmo era só o Fidel, em Cuba. No geral, lá para as bandas do mundo árabe, eram todos amigos dos Estados Unidos e como lembra Chomsky, quando são os “amigos” os que cometem crimes, o tom das denúncias muda de figura. Gente ruim era a turma dos palestinos, dada a violência gratuita. Mas os homens do poder dos países árabes “amigos” eram tudo gente boa, democrática, que ofereciam vida farta ao seu povo. Quem nunca viu na “vênus platinada” os documentários sobre a Arábia Saudita ou Dubai? Só belezas! Kadafi, por outro lado, sempre foi mostrado como um “terrorista”, a exemplo do velho Arafat. É que eles não estavam alinhados ao governo estadunidense, logo, todas as suas sujeiras sempre receberam muita luz. Como já disse, Chomsky mostrou isso muito bem no seu livro “Os guardiões da liberdade”.

Agora, diante das mobilizações populares que questionaram vários destes governos sustentados há décadas pelo poder estadunidense, nas tramóias da ganância sobre o petróleo, a mídia começa a falar das sujeiras. Mas tudo muito rapidamente. A luz vai sendo colocada nas mobilizações e nas medidas imediatas que são tomadas para barrar os “banhos de sangue”. Diante dos fatos, o que mais se vê é o que diz o presidente dos Estados Unidos. “Obama exige que Mubarak renuncie”. Mas ora vá, que tem Obama a ver com isso? A Globo não explica muito bem. Por que motivo o presidente de uma nação vem querer cantar de galo em outra? Quais as ligações que unem esses seres?

Agora, a bola da vez é o Kadafi. Um homem que na década de 60 ousou falar de nacionalismo árabe, que afrontou os Estados Unidos e que deu outra dinâmica para a vida naquele espaço geográfico.  Um homem que não se propôs a fazer na Líbia o socialismo sonhado por boa parte da esquerda, mas que tentou comandar seu país dentro da lógica da sua cultura e do seu desejo de ser livre. Outra dinâmica, muitas vezes incognoscível para nós, da cultura ocidental.  Nos dias atuais, fala-se das suas excessivas ligações com países europeus e com multinacionais. Estava lá ele tentando manter seu país no jogo dos negócios mundiais. Coisa para analisarmos com mais cuidado.

Pois diante dos protestos que ocorrem agora em todo o país, no rastro de pólvora iniciado pelo povo tunisiano, Kadafi se vê ameaçada de invasão por tropas da Otan. E quem foi que deu essa idéia brilhante? Obama! De novo, o presidente de um país que invadiu o Iraque e matou quase sete milhões de pessoas, grande parte civis. Por que a mídia nunca reagiu com tanta veemência diante dos crimes dos EUA? Por que as gentes do Iraque não merecem o mesmo respeito que estão tendo agora o povo da Tunísia, do Egito, do Baheim? Em que o povo que luta desesperadamente pela liberdade no Iraque é diferente? Por que não vemos a mesma indignação nos olhos dos âncoras da TV quando os palestinos são massacrados diariamente? Por que as tropas da Otan não param Israel? Que interesses estão em jogo neste tabuleiro árabe? Creio que mesmo com as poucas informações que temos pode-se fazer uma análise mínima.

E a esquerda? Bem lembra Carlos Terán (num texto que pode ser encontrado no www.iela.ufsc.br), que a esquerda mais ortodoxa sempre se negou a ver como processo revolucionário o que aconteceu na Venezuela, na Bolívia. Por que agora esse povo se põe a saudar como “revolução, revolução” o que ocorre no mundo árabe? Sendo que, no geral, na verdade, praticamente nada está mudando, a não ser o nome dos governantes. Os projetos seguem sendo os mesmos.

Correndo o risco de ter de prestar contas à história eu me dou ao direito de observar melhor, com mais calma, estudando mais o modo de ser do mundo árabe, que é muito diferente do nosso. Mas sem nunca deixar de fazer as perguntas que precisam ser feitas. Nos anos 70 estive bastante ligada às propostas que vinham da Líbia, da Palestina, apoiando a luta daqueles que se levantavam para garantir soberania e outra forma de organizar a vida.  Hoje, vejo com tristeza o desmonte de mais um reduto de resistência ao império estadunidense. Não tenho medo de usar a palavra revolução. Mas, espero que seja de fato, um processo de mudança o que está em curso.

A famosa democracia, tão insensada pelos Estados Unidos quando é para fazer com que as coisas sejam do seu jeito, não é modelo para ninguém. Vide Afeganistão e Iraque, onde as tropas estadunidenses implantaram a “democracia”.  Votar a cada quatro anos tampouco é democracia. Essa palavra tão desgastada pede adjetivos e pede participação real dos povos. Derrubar um homem é coisa possível. Derrubar um jeito de organizar a vida é outra coisa.  Até agora, as lutas populares que estiveram em alta no mundo árabe, derrubaram pessoas. O sistema se mantém incólume. O que espero, com profunda reverência revolucionária, é que esta mesma gente seja capaz de mudar as estruturas. De garantir a participação real e cotidiana, de criar o novo. Aí sim, temos revolução!

 

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