Por Aldo Fornazieri.
Nem a indignação e certa euforia provocadas pelas revelações dos crimes de Sérgio Moro, Dallagnol e outros setores da Lava Jato e nem os desatinos destrutivos continuados do governo Bolsonaro podem escamotear a dura derrota que as oposições sofreram na reforma da Previdência. Enquanto Bolsonaro é incansável em produzir fatos negativos para si e para o governo, as oposições são plácidas em produzir algo de positivo para elas.
As oposições, particularmente o PT, partiram de uma premissa errada acerca da reforma da Previdência: a de que ela não seria aprovada. No final de fevereiro pude testemunhar pessoalmente esta premissa: em conversa com um dos mais altos dirigentes do PT ele propôs até uma aposta de que a reforma não passaria, enquanto manifestei uma opinião contrária. A avaliação equivocada levou a um erro tático: se a reforma não passaria, bastava se posicionar contra a mesma. Agora, se a avaliação fosse a de que a reforma tinha chance de ser aprovada, a tática correta para fazer a disputa política consistia em apresentar uma proposta alternativa de reforma, centrada em dois eixos: ataque aos privilégios e defesa dos interesses dos trabalhadores menos favorecidos no sistema previdenciário. A rigor, a oposição ficou à margem da disputa e permitiu que o centrão e Rodrigo Maia ocupassem o espaço político decorrente do processo da reforma. O resultado foi duplamente desastroso: a reforma foi aprovada por elásticos 379 votos, incluindo dissidentes da oposição e a maioria da sociedade – 47% a 44% – passou a apoiar a reforma, conforme pesquisa Datafolha divulgada no último dia 9 de julho.
Provavelmente o Brasil seja o único país do mundo onde a maioria social apoia uma reforma da previdência. Em vários países onde ocorrem reformas da previdência os processos foram marcados por grandes protestos e tumultos de rua. As pressões das ruas foram tão veementes que muitos governos foram obrigados a recuar. Aqui foi chamada uma greve geral que foi muito parcial. No dia da votação da reforma a Câmara dos Deputados não foi cerca por trabalhadores e sindicalista e sequer ocorreu qualquer protesto significativo. Se as oposições estão sonolentas, os sindicalistas estão sob os efeitos de um sono que parece eterno, dopados pelo burocratismo e pela acomodação.
As oposições se tornaram um ajuntamento especulativo. Em sua ilusão especulativa acreditavam em três coisas: que Lula seria libertado, que a reforma da Previdência não passaria e que Bolsonaro cairia em pouco tempo. Em função do seu ilusionismo, no fundamental, as oposições se tornaram passivas. Manifestam-se sobre as agendas patrocinadas pelos outros ou pelas circunstâncias, mas não têm uma agenda própria. Enquanto Rodrigo Maia pontificou como o grande articulador da centro-direita, não se viu os líderes da oposição patrocinarem grandes articulações do campo progressista e popular. Maia, por tabela, foi até mesmo o grande general de Bolsonaro. No campo progressista e dos movimentos sociais não se viram grandes generais, nem coronéis, nem majores, nem capitães. Quem sabe algum tenente.
Enquanto o campo progressista e oposicionista foi incompetente em puxar votos do centro político contra a reforma, o general de Bolsonaro conseguiu puxar votos dos progressistas em favor da mesma. Rodrigo Maia e o centrão, enquanto dão uma mão ao desorganizado governo Bolsonaro em troca da liberação de verbas de emendas, parecem estar construindo uma alternativa de centro-direita ao mesmo Bolsonaro, que pode se encarnar na figura do governador João Dória. Se a oposição não reagir na construção de alternativas e se Bolsonaro se estabilizar no governo poderá ocorrer, em 2022, um segundo turno entre a extrema-direita e centro-direita. Este será um risco crescente se não surgirem líderes articuladores no campo progressista, que articulem não só os partidos, mas também que apresentem propostas programáticas aglutinadora dos vários grupos sociais.
Ao agirem apenas a partir das agendas políticas provocadas por terceiros ou a partir daquelas que são ofertadas pelas circunstâncias, as oposições operam na defensiva. É como se ficassem paradas esperando que o inimigo lhe trouxesse a guerra para o seu território (das oposições). Jogar na defensiva, jogar a partir das tergiversações e das firulas do inimigo, significa ficar parado. Ficar parado é o primeiro ato da derrota. As oposições só viabilizarão uma alternativa se tiverem uma estratégia ofensiva, de ataque e de proposição, nas várias frentes. Não ter uma estratégia de ataque, de confronto, significa favorecer os inimigos. Não ter uma estratégia de proposições significa não ter capacidade para fazer aliados.
Ademais, a política se define mais pela ação do que pelas expectativas. Em política, o tempo é cruel com quem não age, com quem não se renova. Não agir e não se renovar significa envelhecer o corpo político, deixando que ele seja tomado pelas doenças. Não agir, não ter estratégia significa erodir o capital político que se tem. O consenso do passado pode se tornar abandono hoje. O apoio de ontem pode se tornar repúdio no amanhã. Quando fica claro que um partido ou um líder não irá vencer, cresce o movimento de abandono. Se os líderes e os partidos não estiverem em prontidão para agir podem ter certeza de que suas expectativas não se realizarão. Alimentar-se de expectativa de vitórias sem agir é a grande ilusão que adoece o campo progressista, as forças de esquerda. Os partidos do campo progressista estão bastante desorganizados, sem direção e sem rumo. Isto significa que não têm bons líderes.
Ao que parece, as oposições, principalmente as esquerdas, perderam a capacidade persuasiva, e este é um grave problema político. A incapacidade de convencer produz derrotas sucessivas. A persuasão, ligada à comunicação, é um elemento central da atividade política. Ao que tudo indica, o campo progressista tem problemas de conteúdo e de forma nas suas propostas e nas suas formas de se comunicar. Não há política vitoriosa sem alta capacidade persuasiva. As esquerdas se especializaram em adotar táticas escapistas em face de sua incompetência persuasiva: colocar a culpa nos inimigos, na imprensa etc. Esta é uma forma envergonhada de reconhecer que os seus inimigos são mais competentes do que eles – as esquerdas. Se as esquerdas quiserem chegar a algum lugar precisam examinar os conteúdos do que comunicam e as formas de como comunicam.
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