Por Claudia Weinman, para Desacato. info.
Um tempo novo é chegado e anuncia mudanças significativas no cenário da Igreja Diocesana no Extremo-oeste Catarinense. Pe. Reneu Zortea, que há 14 anos atuava como Pároco da Paróquia São Miguel Arcanjo, em São Miguel do Oeste/SC, deve assumir a partir de janeiro, uma nova missão, agora, na Paróquia Santa Lúcia, município de Anchieta/SC, conhecido como a Capital Nacional das Sementes Crioulas, espaço de luta e berço de diversos movimentos sociais e populares.
Há quatro anos, esse diálogo sobre a nova missão do Pe. Reneu em outra Paróquia acontecia junto com a necessidade de contribuir na organização e construção dos projetos relacionados ao campo e ao meio urbano. A decisão que agora é tornada pública, provoca mudanças não apenas na Paróquia São Miguel Arcanjo, mas em outras 14 paróquias da Diocese de Chapecó.
Reneu, que preparou-se há bastante tempo para esse momento, agradece a acolhida em São Miguel do Oeste, e como estará a 43 quilômetros de distância do município onde atuou nos últimos 14 anos, promete dar continuidade aos trabalhos pastorais que já existem na Paróquia de Anchieta junto a diversas lideranças, pastorais, movimentos populares e organizações que ali existem, seguindo as orientações das diretrizes da Diocese, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dos documentos da Igreja e principalmente, na opção de Jesus Camponês e Operário de Nazaré que veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
De onde vem o “Sangue de Gente Sofrida”?
“Não seja um padre burguês, em suas veias abertas, corre o sangue camponês”. Essa frase faz parte de uma canção escrita por Reneu em agosto de 2015, se referindo a exclamação de sua mãe no dia que ele saiu de casa para um seminário estudar: “Ser padre pra quê”? E então ele respondeu: “O meu sim é pela vida, por ela eu ergo a bandeira, com a classe oprimida, operária e camponesa”.
Esse contexto está intrinsicamente ligado a chegada de Reneu ao município de São Miguel do Oeste/SC, no ano de 1972, quando ele e a família saíram de Erechim/RS, para habitar a comunidade da linha Treze de Maio, hoje, denominada Vista Alta (desmembrada da Treze de Maio). Lá, a família viveu e trabalhou de arrendatária. Boa parte do que produziam tinha que ser devidamente entregue ao proprietário da terra. Por longos anos, a família viveu dessa forma para sustentar os filhos, como a exemplo de tantas outras famílias de trabalhadores e trabalhadoras. “Carrego na essência da minha vida esperançosa, o sangue de camponês, de gente sofrida, como parte da classe trabalhadora, camponesa, que se cruza com a classe operária”.
Foi nessa localidade que Reneu foi assumindo a vida na comunidade, atuando como catequista e coordenação de grupos de jovens/base, dando a sua personalidade de liderança comprometida. No ano de 1982 ele seguiu para Chapecó/SC, no Seminário. Foram 08 anos de formação e preparação até sua ordenação, que ocorreu em 1990, na comunidade Santa Rita de Cássia, em São Miguel do Oeste. A primeira missa foi realizada na linha Treze de Maio – Barra Bonita/SC.
Trabalhos na Paróquia São Miguel Arcanjo
De 1990 a 1993, Pe. Reneu Zortea atuou na Paróquia São Miguel Arcanjo. Depois disso, foi encarregado à missão na Paróquia Santa Inês, município de Quilombo/SC, onde permaneceu por 09 anos, até retornar novamente para São Miguel do Oeste, no início do ano de 2003. “Em Quilombo encontrei uma Igreja muito bem organizada em suas pastorais, articulada com as organizações populares, sindicais tendo como grande bandeira a luta pela Reforma Agrária. A questão da terra sempre permeou esse meio com resultados positivos junto a organização do MST, levando muitas famílias a conquistar sua terra e que hoje estão em diversos assentamentos, produzindo comida e vivendo com dignidade”, disse ele.
À pedido do então bispo Dom Manoel João Franciso, Pe. Reneu retornou para a Paróquia São Miguel Arcanjo, com a missão de contribuir com os trabalhos pastorais. “Retornei para a terra que acolheu meus familiares em 1972. Encontrei aqui uma Equipe Paroquial bem organizada com irmãs e leigos, junto ao Pe. Adayr Mário Luiz Tedesco (im memorian), Pe. Domingos Luiz Costa Curta e tantas outras lideranças também envolvidas com uma história de lutas na região”.
Enquanto Diocese e Paróquia, Reneu citou que faz parte ainda do grupo de assessoria do CLPT (Curso de Teologia Pastoral de Leigos), da coordenação diocesana das CEBs e do Regional Sul IV da CNBB e fala também dos trabalhos construídos nesse espaço. “São Miguel do Oeste, um lugar abençoado por um Anjo de Deus, que é São Miguel Arcanjo, padroeiro dessa Paróquia. Nosso trabalho sempre foi baseado no Evangelho e nas diretrizes e documentos da Igreja. Uma Igreja em Saída, samaritana, profética e liberadora, a partir dos mais sofridos/as. Pois é isso que Jesus nos pede no seu Evangelho: “… eu estava com fome, e vocês me deram de comer; eu estava com sede, e me deram de beber; eu era estrangeiro, e me receberam em sua casa; eu estava sem roupa, e me vestiram; eu estava doente, e cuidaram de mim; eu estava na prisão, e vocês foram me visitar… Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram” (Mt 25, 35-40). O Papa Francisco nos ajuda entender esta opção de Igreja missionária e comprometida com os empobrecidos/as “que há de chegar a todos, sem exceção. Mas a quem deveria privilegiar? Quando se lê o Evangelho, encontramos uma orientação muito clara: não tanto aos amigos e vizinhos ricos, mas sobretudo aos pobres e aos doentes, àqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos, ‘àqueles que não tem com que retribuir’ (Lc 14,14). (Exortação Apostólica, Evangelii Gaudium (Alegria do Evangelho), nº 48)”.
Reneu complementa ainda que o trabalho na Paróquia São Miguel Arcanjo, foi movido a partir da dimensão do Evangelho. “A causa de Jesus passou a ser a nossa causa, reforçado com o lema de nossa Paróquia: Com Jesus e São Miguel Arcanjo, na luta pela vida, e é isso que temos feito desde então, lutar pela vida”. A vida é tudo! Precisamos nos colocar em defesa da vida sem medo para que ela alcance sua dignidade desejada por Deus, com seus direitos básicos. Nas palavras do Papa Francisco: nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá”, disse ele.
“O que procuramos construir com simplicidade aqui foi uma opção de Igreja CEBs, que vai além de uma vontade nossa, mas é reflexo do próprio Evangelho. Jesus nos provoca para isso. Negar essa opção de Jesus, do Evangelho, seria incoerência nossa, mas assumir isso, causa conflitos” – Padre Reneu Zortea.
Reneu falou sobre os conflitos ocasionados a partir da postura da Igreja Libertadora. Segundo ele: “O que construímos aqui foi uma opção de Igreja CEBs (Comunidade Eclesial de Base), que vai além de uma vontade nossa, mas é reflexo do próprio Evangelho. Jesus nos provoca para isso. Negar essa opção de Jesus e do seu Evangelho, seria incoerência nossa, mas assumir isso, causa conflitos”, enfatizou.
Segundo ele, a opção por essa Igreja que acolhe pobres, negros/as, caboclos/as, indígenas, migrantes, povos mestiços, excluídos pelo sistema Capitalista, mulheres, movimentos, organizações populares, acabou gerando conflitos em São Miguel do Oeste com grupos que defendem a manutenção deste sistema, da opressão, da lucratividade, de uma Igreja conservadora, patriarcal e desumana. “As pessoas, as lideranças, os oprimidos, injustiçados, que de fato assumem com Jesus a causa da vida, acolhem a Boa Notícia de Deus, unem-se ao projeto do Evangelho, porém, essa mesma Boa Nova de Deus é vista com maldade pela sociedade Capitalista que ‘exclui, degrada e mata’, os povos. Essa sociedade não suporta essa opção de Igreja, pois não suporta o Evangelho, ou seja, não são todos que comungam com essa opção de Igreja com princípios cristãos, como não são todos/as que comungam dessa opção de Jesus, um Jesus que foi difamado, perseguido, torturado e assassinado pelos poder político e religioso da época. Foi perseguido e morto porque incomodava, atrapalhava e mexia com as estruturas de poder que escravizava e empobrecia o povo. A sociedade no seu contexto histórico, imperial de dominação, sociedade capitalista de hoje, como na época de Jesus, não suporta o Evangelho. Por isso vem as reações de ódio por uma parcela da sociedade contra essa opção de Igreja que procura assumir o projeto de Jesus: “O Reino de Deus e sua justiça” (Mt 6, 33). Essas reações de ódio são frutos também dos meios de comunicação que estão a serviço da classe dominante. Pois, essa mídia também não suporta o Evangelho. Mas por outro lado, percebemos muita compreensão, solidariedade e engajamento comprometido com o projeto de Deus por muitas lideranças, pastorais, juventudes organizadas, estudantes, movimentos populares, famílias, pessoas e comunidades cristãs em todas as partes do Brasil e da América Latina. Isso significa dizer que a opção pela causa de Deus faz sentido, como fez sentido para a vida de Jesus”, destacou.
A nova missão, em Anchieta/SC
A partir de 2017, Pe. Reneu Zortea assume a missão na Paróquia Santa Lúcia de Anchieta/SC, município vizinho de São Miguel do Oeste. Ele conta que sente-se feliz, pois lá também tem história bonita construída por aquele povo. “É um espaço que me alegra muito em poder estar lá e contribuir com minha simplicidade de Padre. Reconhecer a história daquele povo, suas alegrias e esperanças, suas organizações e lutas pela vida, a importância do resgate das sementes crioulas e tantas outras experiências de fé. Só peço a Deus uma coisa, que por onde eu passar, possa fazer o bem, que eu não me desvie do caminho de Deus, da causa de Jesus”, disse.
Ele também sente-se feliz em continuar tendo contato com São Miguel do Oeste e com as lutas feitas aqui nos últimos 14 anos desta sua segunda atuação. “Estou muito feliz porque estaremos próximos. Em Anchieta existem as forças populares, pastorais, lideranças de base que sempre estiveram conosco em outros momentos de luta pela vida do povo. Vou para lá, mas estamos juntos/as nessa Igreja em Saída a serviço da vida e da esperança, no grande sonho de Deus que outro mundo é possível”.
Nos trabalhos, nas lutas, mobilizações, Reneu pretende seguir esse caminho tanto em São Miguel do Oeste, onde tem sua família, quanto em Anchieta, onde deve permanecer a partir de agora. “Irei para Anchieta, com espírito missionário, em missão para somar naquilo que vem sendo construído de bom pela sabedoria daquele povo de Deus, bem como estar junto com as causas dos empobrecidos e empobrecidas do campo e da cidade, nesta opção de Igreja a serviço da vida, seguindo os passos de Jesus. Levarei no coração o lema de minha ordenação: “Eu, o Senhor te chamei como aliança do meu povo e para o serviço da justiça” (Isaías 42,6). Só peço ao Espírito Santo que me conduza para que eu possa fazer a vontade de Deus”, finalizou.
“Pode mudar de missão e realidade a Irmã, o Agente de pastoral, o Padre, mas não muda o Projeto de vida, a proposta de causa que Jesus afirmou no Evangelho” – Padre Luciano Gattermann
Com a mudança na Paróquia São Miguel Arcanjo, o Padre Luciano Gattermann, natural de São Domingos/SC, que está há sete anos em São Miguel do Oeste, assume a Coordenação Paroquial, mantendo os trabalhos junto a Equipe Paroquial com o Padre Lothario Thiel e o Padre Clair José Lovera que vem de Chapecó/SC para contribuir.
Segundo Luciano, a Paróquia manterá todos os trabalhos e lutas realizados até então. “A nossa Paróquia é um local de forte atuação dos movimentos a serviço da vida, temos uma equipe que transmitiu sempre muita segurança e vamos seguir nessa opção de Igreja à serviço da vida e da justiça”, garantiu.
Luciano reforçou que a comunidade está feliz com a vinda do Pe. Clair que inclusive já participou da atividade de avaliação e planejamento da Paróquia, neste último mês. Além disso, deixou claro que a equipe está comprometida com os trabalhos históricos da Paróquia. “Vamos fazer o possível e o impossível para continuar com esse projeto, em nome de todas as pessoas e lideranças que passaram por aqui, para que a gente mantenha a fidelidade ao Evangelho de Jesus, anunciando e denunciando para transformar vidas e realidades. Gostaria de lembrar ainda, que estamos aqui à serviço de toda a Diocese, não somos Padres para uma região ou só para uma Paróquia. No dia da ordenação demos o nosso ‘sim’ em favor da Diocese como um todo, da Igreja, e por isso acontecem as mudanças, as novas missões, e temos que assumir outras realidades”.
Para finalizar, Luciano reafirmou: “Pode mudar de missão e realidade a Irmã, o Agente de pastoral, o Padre, mas não muda o Projeto de vida, a proposta que Jesus trouxe no Evangelho de São João: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10, 10). Vamos seguir nossos trabalhos com conforme as diretrizes diocesanas e nas orientações que o próprio Papa Francisco nos aponta, que é de nos aproximarmos cada vez mais dos empobrecidos e dos injustiçados da vida”.
Ele ainda complementou: “Reneu estará pertinho de nós – será nosso vizinho. Isso nos deixa muito felizes, nos dá o respaldo de que vamos continuar trabalhando juntos/as, inclusive, vamos ajudar a região pastoral de Anchieta, reforçar projetos importantes que envolvem as realidades do campo e da cidade, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da nucleação (proposta para o meio urbano). O projeto em defesa da vida continua. Seguiremos anunciando a alegria do Evangelho para o povo e denunciando este sistema capitalista e quem ataca a vida dos povos. Agora nos tornando ainda mais fortes, pois estaremos em mais um município que carrega um simbolismo de luta histórica. Esse é nosso chão também”, finalizou.
Coletivo PJMP/PJR, repudiam manifestações dos meios de comunicação que são golpistas em São Miguel do Oeste
A mudança de tarefa de Reneu Zortea não é a única registrada na região. Diversas paróquias também receberão novas lideranças para trabalhar. No entanto, no caso específico do Pe. Reneu Zortea, há, sem dúvidas, uma perseguição de golpistas de São Miguel do Oeste que se dizem os responsáveis pela mudança específica de tarefa do Pe. Reneu. A Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e Pastoral da Juventude Rural (PJR), repudiam as atitudes expostas nas redes sociais, em especial, de uma parte da imprensa que se diz ‘imparcial’, mas desrespeita sobretudo o posicionamento e a pessoa de Reneu. Nós enquanto juventudes comprometidas com a Teologia da Libertação, com a vida dos povos, denunciamos os meios de comunicação que têm ferido a dignidade de nossos companheiros e companheiras.
Denunciamos especialmente, pessoas golpistas, fascistas, que em outros momentos, tentaram mover moções de repúdio contra a pessoa de Reneu Zortea, por ele defender a causa da vida para todos/as. Salientamos a essas pessoas que costumeiramente tentam nos atingir, que estamos atentos/as, anunciando mas também denunciando essas pessoas que inclusive, já proferiram ameaças covardes contra o Pe. Reneu e contra algumas pessoas que fazem parte do nosso coletivo. Por fim destacamos: “Não falem de nós, se não nos conhecem. Não usem o nosso nome para proferir o ódio”. Sabemos que por trás de matérias elaboradas de má fé e com uma escrita deplorável, expostas nas redes sociais, há sempre um ‘senhor’ envolvido, destes que um dia cairão abraçados com seu ouro e se perderão em total desolação.
*Sobre as mudanças ocorridas em diversas paróquias, disponibilizamos o link para consultas: Diocese de Chapecó .