Por Jarid Arraes.
A Psicologia tem conseguido se construir de forma plural ao longo dos anos, desde de seu reconhecimento oficial como área independente do conhecimento. Para quem é leigo, a ciência pode até parecer homogênea, mas a Psicologia é um campo diverso que conta com muitas abordagens e segmentos, cada um trazendo óticas específicas e complexas a respeito da vivência humana. Desse modo, ser psicólogo é também uma afirmação constante da visão pessoal que cada profissional tem a respeito do ser humano e da sociedade.
O que muitos estudantes e profissionais da Psicologia têm dificuldade de compreender é que a área, assim como sua prática individual, é também um campo político. É impossível viver em sociedade sem que haja a interação do indivíduo com a cultura, tanto enquanto sujeito que a reproduz quanto enquanto agente de transformação. Desse modo, ser psicólogo não é estar limitado e reduzido a um campo clínico que apenas enxerga o individual como desligado de representações e fatos sociais, pelo contrário, é compreender que até mesmo na prática clínica – que se dá dentro de uma sala, em completa privacidade – as forças sociais que atuam sobre as pessoas continuam vigentes. É impossível falar de sofrimento sem contextualizá-lo, por isso é relevante compreender que politicamente a clínica não é uma ilha.
Quando um cliente chega a uma clínica de Psicologia e abre sua vida para o psicólogo que o escuta, ele não está apenas falando sobre sua experiência individual, ele está exemplificando – em sua vivência – a maneira como a cultura age sobre os sentimentos e subjetivações de todos. A sociedade tem se inquietado diante do status quo; é cada vez maior o número de pessoas que desenvolve uma consciência crítica e não se conforma com os modelos hegemônicos de nosso país. Por isso, é perfeitamente natural perceber que hoje em dia as pessoas reagem muito mais a demonstrações de discriminação, preconceito ou piadas de mau gosto. Isso – de acordo com os conceitos da Psicologia Comunitária – faz parte de uma sociedade que está se movimentando para a transformação.
O papel do psicólogo, independente de sua abordagem ou área de atuação, é ser capaz de acompanhar, compreender e se colocar no meio de todos esses fenômenos. O compromisso ético do profissional de Psicologia deve sempre suspender seus a prioris, priorizar o bem estar das pessoas e criticar declarações ou ações que venham a ser moral e politicamente excludentes. Esse pressuposto está na própria declaração ética da categoria. Por isso é tão problemático perceber que muitos estudantes e profissionais da Psicologia não conseguem se politizar e passar a enxergar cada vivência de cada ser humano como parte inseparável do grande cenário cultural. Por exemplo: o psicólogo deve identificar que se alguém é negro e xingado de “macaco”, esse xingamento não está unicamente num campo pessoal e exclusivo desse indivíduo, esse insulto é parte de uma cultura de racismo que afeta milhares de pessoas. Não politizar o “pessoal” é ignorar quadros graves de exclusão social, que causam grande sofrimento psíquico.
Muitos movimentos sociais afirmam, há muitas décadas, que “o pessoal é político”. Aquilo que é vivido no campo individual contribui para a manutenção ou quebra de paradigmas, para a melhora ou piora da sociedade, assim como pode deixar mais agudas as nuances de sofrimento de muitos. A Luta Antimanicomial é um exemplo do quanto a Psicologia pode e deve ser política, pois consegue identificar um sistema ideológico de exclusão que afeta grupos sociais inteiros, não somente indivíduos isolados.
Essa reflexão, afinal, tem o objetivo de ser acessível para todos os públicos e chamar a atenção dos graduandos de Psicologia, que devem efetivar seus discursos, ir além da demagogia. Psicólogos e psicólogas, quer estejam em salas fechadas ou comunidades ao ar livre, devem praticar o esforço contínuo pela promoção da igualdade, repudiando a misoginia, a homofobia, a transfobia, o racismo e todas as muitas formas de agressão e exclusão.