Um terço dos haitianos vive fora do país, mostra livro sobre imigração para o Brasil

Desde 2010, mais de 80 mil haitianos entraram no Brasil com visto humanitário e enfrentam dificuldades de inserção no mercado de trabalho, documentação e preconceito. Para entender melhor esse fluxo migratório, 29 artigos acadêmicos foram sistematizados no livro “Imigração Haitiana no Brasil”, da Paco Editorial, lançado nesta terça-feira (29) no Centro de Convenções da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A publicação, que conta com 37 autores, trata sobre diferentes aspectos do tema, como as rotas de acesso pela Amazônia, os impactos dos envios de remessas do Brasil ao Haiti, as peculiaridades da migração feminina e a integração social e laboral em diferentes regiões do país.

Um dos artigos é de Chandeline Jean Baptiste, doutoranda de Demografia da Unicamp que é haitiana e defende que o terremoto não seria a principal causa da migração do Haiti para o Brasil. Ela entrevistou jovens de 20 a 33 anos que se mudaram para cá depois de 2010, e a maioria deles afirmou que os planos de sair do país de origem eram anteriores ao terremoto.

“O Haiti é um país que vive constantes crises econômicas, políticas e ambientais. Além disso, um terço dos nativos vivem no exterior [segundo o artigo, são 4,5 milhões de haitianos fora de seu país]. Então, o terremoto só antecipou essa decisão entre os jovens”, argumenta Baptiste.

Rosana Baeninger, professora do Núcleo de Estudos de População (Nepo/Unicamp), coordenadora do Observatório das Migrações de São Paulo e uma das organizadoras do livro, afirma que o objetivo da obra é entender as trajetórias desses imigrantes e trazer subsídios para políticas públicas migratórias nas esferas municipal, estadual e federal.

“Esse trabalho é fruto de uma articulação de pesquisadores de todo Brasil que estão conectados em rede, de Norte a Sul”, explica a pesquisadora, referindo-se ao Observatório das Migrações em Rede, um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em maio deste ano.

Mobilidade internacional

O lançamento da publicação ocorreu durante o último Fórum Permanente da Unicamp deste ano. O fórum é um espaço que pretende integrar a comunidade acadêmica da universidade à sociedade externa a ela. Lá, trata-se de diferentes temas das ciências humanas, exatas e biológicas e, nesta terça-feira (29), o tema foi mobilidade internacional.

Na mesa, tratou-se da falta de políticas públicas integradas e de legislação adequada para tratar do tema – a despeito do que está escrito na Constituição de 1988, o que vigora é uma das últimas leis criadas na ditadura que ainda estão vigentes: o Estatuto do Estrangeiro.

“Entre as promessas não cumpridas da Constituição Cidadã está a igualdade de direitos entre brasileiros e estrangeiros. Mas não é só no Brasil: há um déficit histórico de direitos no mundo por conta da nacionalidade”, comenta André Carvalho, professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Ele também disse que diversos países da América Latina ainda mantêm leis migratórias de mais de 40 anos, ou seja, de um contexto em que o continente era tomado por ditaduras.

Doenças e preconceito

O primeiro assunto, apresentado por Deisy Ventura, professora do Instituto de Relações Internacionais e da Faculdade de Saúde Pública da USP, foram as emergências sanitárias mundiais e seus impactos na mobilidade humana.

O conceito, criado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), refere-se a quatro fenômenos sanitários até o momento: a gripe H1N1, em 2009; a poliomielite, em 2014; o Ebola, também em 2014; e a Zica e sua possível associação com microcefalia, em 2016.

Ela argumenta que algumas doenças são usadas para justificar preconceitos e discriminações, como foi o caso do Ebola, há dois anos. “Estudos de comunicação argumentam como um caso de suspeita de Ebola no Brasil [que deu negativo] ajudaram na criação de uma imagem negativa do imigrante africano, do refugiado negro”, apontou.

Neste cenário, ela alerta também para o risco de securitização da agenda da saúde, ou seja, que os problemas sanitários comecem a ser tratados como um problema de segurança.

“Esse tipo de avaliação tende a ganhar força e analisa a migração como um perigo de saúde pública. Felizmente, o Brasil ainda não está com essa agenda, mas há um risco iminente desse cenário regredir”, avaliou Ventura.

Imigração recente

O professor Sidney Antonio da Silva, do Grupo de Estudos Migratórios Amazônicos, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), destacou que, nas fronteiras do Norte do país, o acolhimento tem sido feito principalmente por Organizações Não Governamentais (ONGs) e entidades da igreja.

“Em Roraima, quem trata da migração atualmente é um gabinete de emergência da Defesa Civil”, afirmou, referindo-se ao nível de improviso no atendimento a quem chega no país.

Silva também afirmou que, só neste ano, 30 mil venezuelanos já pediram refúgio, principalmente por conta da crise de abastecimento de alimentos no país vizinho. “Eles vão à Pacaraima [RR] comprar alimentos e depois voltam. Mas tem que está cruzando a fronteira para tentar a vida aqui, e estão morando nas ruas”, descreveu.

Neste cenário, ele alerta para o risco de indocumentação dos venezuelanos, que pode causar uma crise semelhante à que aconteceu há alguns anos na Brasileia, no Acre.

Autores

O livro foi organizado pelos professores Rosana Baeninger, Roberta Peres, Duval Fernandes, Sidney Antonio da Silva, Gláucia de Oliveira Assis, Maria da Consolação G. Castro e Marília Pimentel Cotinguiba.

Os autores fazem parte dos seguintes grupos de pesquisa: Observatório das Migrações em São Paulo (Unicamp), Grupo de Estudo Distribuição Espacial da População e Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão Direitos Sociais e Migração, da PUC Minas; Grupo de Estudos Migratórios Amazônicos, da UFAM; Observatório das Migrações de Santa Catarina, da Universidade Estadual de Santa Catarina; Observatório das Migrações em Rondônia (UNIR), Grupo de Estudos Linguísticos, Literários e Socioculturais (Gellso-Unir); e Observatório Interdisciplinar de Políticas Públicas (USP).

Fonte: Brasil de Fato.

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