Parte 1: Um panorama sobre as demissões de jornalistas brasileiros desde 2012 I – A conta dos passaralhos
Parte 2: O silêncio dos passaralhos
Em primeiro de outubro de 2014, o jornal The New York Times publicou uma notícia que pegou muitas redações de surpresa: uma grande empresa jornalística planejava demitir 100 jornalistas. Curiosamente, essa companhia era o próprio NYT.
A notícia enfatizou duas coisas. A primeira é o claro distanciamento editorial da parte administrativa do negócio?—?o repórter tinha uma informação e publicou, não interessa se era sobre ele mesmo. A segunda é: até mesmo um renomado e próspero negócio de mídia demite jornalistas em massa, e ele próprio fala sobre isso.
No Brasil, a situação é um tanto diferente. Se existe um tabu entre os veículos de comunicação por aqui, é que eles não devem falar sobre eles mesmos. Aliás, no geral, eles não devem falar sobre a situação do jornalismo no país como um todo, nem mesmo dos concorrentes.
Exceto, talvez, se um dos maiores jornais do país, que desde 2012 demitiu pelo menos 62 jornalistas, fizer uma leitura afobada de dados de uma pesquisa sobre o mercado norte-americano e traduzir isso em um editorial positivo.
Esse silêncio sobre a condição do jornalismo nacional é quebrado apenas por alguns poucos veículos especializados, geralmente lidos por outros jornalistas, como Observatório da Imprensa e Portal Imprensa, e que normalmente trazem artigos de opinião, pequenas notas sobre demissões ou informações sobre novos produtos.
Às vezes, alguém decide ir mais além. Talvez seja esse o motivo pelo qual a agência de jornalismo investigativo Pública, quando fez uma reportagem sobre as demissões em massa nas redações brasileiras, ganhou um prêmiopor isso.
Mas talvez o motivo seja outro: a crise nas redações mais tradicionais brasileiras está tão crítica que não dá mais para ignorar.
Um dos motivos dessa crise é a grande concorrência por atenção de leitores e de publicidade na Internet, não apenas entre os veículos de comunicação, mas também entre redes sociais e mecanismos de busca?—?os quais funcionam tanto como aliados na divulgação de conteúdo quanto como carrascos na divisão de receitas com anúncios.
Embora os brasileiros ainda tenham hábitos de leitura regulares na mídia impressa, é fundamental a adaptação desse tipo de empresa às plataformas digitais, onde a quase unanimidade de especialistas e jornalistas acredita que está o futuro da notícia.
O que chama a atenção, no entanto, é que a negócio das empresas de jornalismo não está assim tão ruim.
Afinal, os investimentos publicitários no Brasil, maior fonte de receitas para veículos jornalísticos, cresceram 8% em 2014 na comparação anual, para R$ 121 bilhões, fazendo do país o quinto maior mercado do mundo nessa área?—?especialmente no segmento de TV, que abocanhou mais da metade desse montante, de acordo com estudo do Ibope Media.
Assim, mesmo em tempos de apertos na economia, a receita líquida consolidada da Globo Participações cresceu mais de 10% de 2013 para 2014,totalizando R$ 16,2 bilhões. Não obstante, na ponta impressa, o jornal do grupo, O Globo, demitiu pelo menos 40 repórteres desde 2013.
Num mundo ideal, o impresso também não poderia reclamar do mercado?—?apesar da queda na publicidade em meio à adaptação para novas plataformas.
De acordo com uma pesquisa da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, o consumo de jornais impressos ainda continua como a preferência para muitos leitores.
“Junto com o crescimento da internet como meio de comunicação, aumentaram, também, as especulações sobre a substituição das edições impressas dos jornais por edições digitais. Pelo menos por enquanto, a maioria dos brasileiros continua consumindo esse meio de comunicação da maneira tradicional: 79% dos leitores o fazem no formato impresso, uma parcela de 10% migrou para o ambiente on-line e apenas 4% utiliza ambos os suportes”, disse o estudo, publicado em 2015.
O Instituto Verificador de Comunicação (IVC), que mede a circulação de diversos títulos, confirma isso. Em maio, a circulação dos cinco grandes jornais brasileiros cresceu no primeiro quadrimestre de 2015 na comparação anual, inclusive no digital.
Mas as vagas de jornalistas nas redações continuam comprometidas. Isso porque as empresas talvez não estejam conseguindo capitalizar tão bem suas plataformas digitais.
O Grupo Folha anunciou com pompa em 2011 1 que havia triplicado seu faturamento em 10 anos, para R$ 2,7 bilhões. Obviamente, a bonança não impediu a Folha de S.Paulo, jornal de maior circulação nacional, de demitir ao menos 65 jornalistas desde 2012 por corte de custos?—?mesmo após ter anunciado investimentos na área digital, especialmente com a aquisição da totalidade das ações e fechamento de capital do portal UOL, há três anos.
Já o o Grupo Estado, ao contrário da Abril Comunicações, que teve um prejuízo de R$ 140 milhões de reais em 2014, continua operando no azul, e a controladora do jornal O Estado de São.Paulo registrou um lucro líquido de R$ 11,6 milhões no ano passado.
Mas, como tipicamente acontece em um indústria em período de transição, como o jornalismo impresso, especialmente com uma economia que não vem crescendo tão bem nos últimos anos, o Grupo Estado tem sentido as dores da mudança. Tanto suas receitas quanto seus lucros têm registrado severas quedas nos últimos anos.
E no jornalismo, como em muitas outras indústrias, passar por dificuldades significa demitir. O Estadão dispensou pelo menos 65 jornalistas desde 2012.
Veja aqui os dados interativos sobre demissões de jornalistas no Brasil
Sinal dos Tempos
A Internet é um campo de batalha pela atenção do usuário. Diz o ditado atual que é cada um por si e o Facebook e o Google contra todos.
Os veículos noticiosos hoje em dia buscam espaço em meio ao barulho e à desorganização das redes sociais, das listas de curiosidades da Internet ou de conteúdo de menor impacto e da crescente necessidade de volume nas operações diárias.
Assim, nem sempre é possível gerar os resultados desejados. E a avalanche começa com uma bola de neve. Resultados aquém do esperado geram corte de custos. Cortes de custos geram orçamentos menores. Orçamentos menores geram demissões.
Foi o que aconteceu com o Valor Econômico. Uma das mais prestigiadas publicações brasileiras, que tem como sócios o Grupo Folha e a Globo, o jornal surpreendentemente demitiu 50 jornalistas em 2013.
À época, houve relatos de que havia investido USD 100 milhões em sua nova plataforma de informações financeiras Valor Pro?—?concorrente da Reuterse da Bloomberg no mercado de notícias financeiras para investidores?—?a qual, após atrasos no cronograma, inflou a folha de pagamentos com novos jornalistas e não começou a gerar a receita esperada. Foi necessário administrar as expectativas, e com elas os custos. Assim, foram cortados repórteres mais experientes e caros.
Diga-se de passagem, essa é uma prática muito comum em várias indústrias econômicas: a demissão dos mais experientes e caros por mais jovens e baratos.
Como disse ao Volt o editor sênior de um grande veículo no Brasil, “entendo que houve muito, mas muito mais demissões do que vagas criadas (nas redações), mas teve muito do lance de cortar jornalista caro pra contratar barato.”
Soma-se a isso, ainda, a não reposição de vagas de jornalistas que deixaram cargos voluntariamente?—?um alívio para os que querem cortar custos sem demitir, mas algo que naturalmente aperta ainda mais o mercado e a recolocação profissional.
Demissões x Novos Negócios
É claro que não dá para esperar que um empresário amargue prejuízos e dívidas crescentes em nome do bom jornalismo. Seria pedir demais. Aliás, seria dar um tapa na cara do capitalismo.
Ao mesmo tempo, não é fácil, rápido nem barato fazer jornalismo. Às vezes, pode demorar dois anos e USD 750.000 para fazer uma única reportagem investigativa. Muitos veículos de imprensa tradicionais simplesmente não querem ou não podem fazer isso.
Vê-se pouca paciência e disposição para arriscar em coisas novas e seguir para frente, como vem acontecendo nos Estados Unidos e Europa, onde veículos tradicionais como NYT, Guardian e The Atlantic investem em novos negócios e em conteúdo, ao passo que novas empresas, como Vox,Vice e BuzzFeed assumem o papel de vanguarda para a plataforma digital.
Isso ainda está engatinhando no Brasil. Agências sem fins lucrativos, comoPública, Ponte e Repórter Brasil, continuam fazendo trabalhos relevantes financiados em muitos casos por fundações, crowdfunding e editais públicos, e empreendimentos for-profit como Brio, Jota e F451 (que publica o Gizmodo) têm obtido bons retornos de audiência.
Segundo reportagem International Journalists’ Network (IJNet), o jornalismo empreendedor está apenas começando a decolar no Brasil.
“Nos últimos dois anos, reconhecidos jornalistas brasileiros lançaram dezenas de websites independentes, tanto com fins lucrativos quanto sem… Talvez outro indicador do crescente interesse de jornalistas brasileiros em startups seja sua participação em programas americanos de educação. Neste ano, três jornalistas brasileiros foram fellows no Tow-Knight Center for Entrepreneurial Journalism da City University of New York”, disse a reportagem assinada por Kiratiana Freelon.
Ainda é cedo para saber o futuro distante desses projetos. Especialmente em um momento no qual publicações tradicionais, antes sólidas, estão se arrastando para não quebrar e diversos dos modelos de negócios implementados?—?ou seja, geração significativa de receita além de venda de publicidade?—?ainda precisam se provar sustentáveis no longo prazo.
Será difícil, mas certamente é um começo promissor.
Por se tratar dezenas de empresas e grupos diferentes, além de ter sido um levantamento próprio a partir de notícias não corrigidas, o Volt não contatou as empresas para esse projeto. Caso qualquer empresa queira se posicionar, favor contatar o Volt através do e-mail: [email protected]
O Volt é um projeto independente de jornalismo de dados. Para saber mais, acesse www.voltdata.info ou clique aqui.
Fonte: https://medium.com/volt-data-lab/o-sil%C3%AAncio-dos-passaralhos-7e9897ff1ecc