Por Juliana Arreguy.
Como torcedoras e mulheres ligadas ao futebol, sentimos que é de nossa responsabilidade nos posicionar sobre o caso do goleiro Bruno.
Sequestro e cárcere privado do filho, homicídio triplamente qualificado e ocultação do cadáver de Eliza Samúdio. Bruno foi apontado como mandante do crime e condenado a 22 anos e três meses de prisão. Cumpriu menos de sete anos de pena.
Por mais “incrível” que possa parecer, é essa a parte mais importante dessa história. E que, aparentemente, clubes de futebol e a própria imprensa – que tem feito notícias e mais notícias sobre o assunto sem sequer mencionar o motivo pelo qual Bruno estava na cadeia – esqueceram. É preciso lembrá-los incansavelmente: Bruno foi condenado por assassinar uma mulher. A sua mulher.
Segundo o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que concedeu o pedido de habeas corpus feito pela defesa do jogador, o goleiro tem o direito de aguardar em liberdade o julgamento de sua apelação ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG).
O que nos chocou brutalmente em 2010 parece não ter impressionado algumas equipes de futebol. Lúcio Adolfo, advogado de Bruno, afirma que o goleiro recebeu propostas de nove clubes brasileiros, dois deles da Série A, espalhados entre Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Brasília. Uma eventual contratação de Bruno é um desacato às mulheres.
O que entra em discussão não é apenas o processo de ressocialização do goleiro. Assim como qualquer ex-presidiário, Bruno tem direito a uma segunda chance perante a sociedade. Interessante que os clubes se interessem por políticas de inclusão. Ou será que, na verdade, a inclusão só é pensada quando se trata de um goleiro acima da média?
Quantos desses clubes estão, de fato, preocupados com a reintegração à sociedade? Quantas equipes são solidárias e oferecem oportunidades a outros egressos? E se fosse para contratar um porteiro, um segurança, ou qualquer outro funcionário que tivesse alguns anos de cadeia? Os clubes também demonstrariam tanta boa vontade?
Na cadeia, Bruno escolheu a religião. Escolheu uma nova esposa. Escolheu uma nova vida. Após a saída do cárcere, poderá escolher entre nove clubes. Bruno escolheu o homicídio de Eliza Samúdio. Mais vale uma mulher silenciada que um filho alimentado. Eliza não teve direito a um velório, seus parentes não puderam enterrar seu corpo. Até o direito a um caixão, depois de morta, lhe foi negado por aquele que escolheu não pagar a pensão do filho.
Que tipo de mensagem os clubes passam aos torcedores, e sobretudo torcedoras, quando decidem contratar o goleiro Bruno?
A mensagem é cristalina: matar mulheres é o de menos na nossa sociedade. É como se nossas vidas fossem desimportantes, inferiores, descartáveis. Consideram a gravidade a que se expõe o caso? Como funciona isso para torcedoras, funcionárias dos clubes, profissionais da imprensa e outras mulheres que fazem parte da rotina do futebol?
Bruno pode não ser mais uma ameaça a nós, mas é um lembrete recorrente de que assassinos de mulheres, no Brasil, aguardam julgamento em liberdade. Circulam pelas ruas, pelos gramados e pelos estádios em prol da segunda chance que não deram a suas vítimas. Os holofotes a que será exposto o mandante de um assassino brutal não valem a segurança das mulheres do esporte.
Bruno assinou contrato com o Montes Claros-MG em fevereiro de 2014, mesmo preso. O diretor do Peñarol-AM, em entrevista ao Globoesporte.com, afirmou ter se interessado pelo goleiro “para elevar o marketing do clube”. Ou seja: o marketing do clube vale mais que a vida de uma mulher.
Quantos casos de violência doméstica, feminicídio e pensões alimentícias ignoradas os clubes legitimam quando decidem apelar para um marketing sádico e doentio?
Pedimos aos clubes, à imprensa e ao futebol que se lembrem: Bruno assassinou uma mulher. Que a sua segunda chance não seja uma forma de ofuscar os riscos aos quais nos submetemos diariamente. Que todos se lembrem: o corpo de Eliza Samúdio nunca foi encontrado.
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Fonte: Dibradoras.