Texto e fotos Rosangela Bion de Assis, para Desacato.info.
Claudionor Machado ajudou sua mãe a escolher o nome do irmão mais novo quando ele nasceu, em contrapartida o irmão lhe apontou o rumo profissional. Aconteceu por caminhos tortuosos. Claudionor tinha 17 anos e Cláudio tinha acabado de completar o primeiro ano de vida quando começaram as crises de bronquite asmática. A mãe, envolvida com os cuidados com os sete filhos e com a casa, quase sempre delegava ao filho mais velho a função de levar o pequeno Cláudio ao médico e às sessões de nebulização. Os cuidados com o irmão, levaram Claudionor para a área da saúde, a sua grande paixão até hoje.
Em tempos de dificuldades financeiras, também era função do filho mais velho levar o almoço para o pai, que trabalhava como estivador no porto que existia em baixo da ponte Hercílio Luz. Quando o navio aportava na parte continental, Claudionor atravessava a ponte cruzando com estudantes a caminho do Instituto Estadual de Educação, ciclistas e muitos trabalhadores.
Seu pai, Palmenor Machado, usava sobre a cabeça uma espécie de turbante de pano grosso que permitia apoiar madeira, cimento, farinha e o que mais chegasse no porto. Quando não havia trabalho no cais, Palmenor buscava o sustento da família pescando na praia que existia no bairro Saco dos Limões, antes do aterro para a construção da avenida. Hoje seu pai, com 88 anos, e sua mãe, Edegundes dos Anjos Machado, com 84 anos, continuam morando no Saco dos Limões, bem próximos do local em que criaram seus filhos.
Realização e preconceito
No início da década de 70, com 20 anos de idade, que Claudionor conheceu a área da saúde, trabalhando como atendente de enfermagem no Hospital Celso Ramos. Os três meses de treinamento lhe mostraram que profissionalmente estava no caminho certo e também escancararam a discriminação contra a cor da sua pele. Seu nome na maioria das vezes não existia, ele era o ‘negro’. Ele era o que tinha que cuidar do leproso, porque ninguém mais assumiria aquele paciente, numa época em que inexistia proteção para o profissional de saúde. Os pacientes lhe curaram o pânico de ver sangue, mas ainda estaria longe o dia em que a sociedade seria curada de preconceito.
Para viver e não só sobreviver, Claudionor chegou a trabalhar cerca de 18 horas por dia. Além do vínculo no Celso, no dia 3 de setembro de 1981 começou a trabalhar no Hospital Florianópolis (HF), no antigo Inamps, e ainda era cuidador do ex-governador Aderbal Ramos da Silva, nos horários que sobravam. É dessa época a lembrança das primeiras mobilizações, no Celso Ramos. Claudionor aderiu a paralisação e não subiu ao quarto andar, ficou no térreo ao lado dos outros trabalhadores. Para ele, quando o grupo toma uma decisão é sagrado, nunca se abalou com as ameaças.
Família e novas lutas
No dia 14 de dezembro de 2002, Claudionor estava de plantão no Hospital dos Servidores quando recebeu a notícia da morte do seu filho Claudionei, de 29 anos. Eram 20h30min quando ele soube que nunca mais pescaria com o filho e amigo. Só o tempo foi capaz de transformar aquela dor imensa numa saudade conformada, diante da necessidade de seguir em frente. Casado com Nilza Salete Machado, ele teve mais três filhos: Nara Beatriz Machado, 42 anos, Renato Machado, 33 anos e Carlos Educardo Machado, 28 anos. E até agora são sete netos.
No Hospital Florianópolis, Claudionor conta que todos, sem exceção, participavam da greve. Os trabalhadores organizavam o revezamento na porta da emergência, onde era feito o enfrentamento, as cirurgias eram suspensas e só os casos urgentíssimos eram liberados. Uma realidade que não pode mais ocorrer depois que o SUS colocou no mesmo local de trabalho servidores municipais, estaduais e federais.
Indignação e projetos
Em julho de 2013, ao visitar o Hospital Florianópolis totalmente reformado, ele relembrou tempos gloriosos no Inamps e decidiu adiar a aposentadoria para trabalhar naquela estrutura nova e modernamente equipada. Claudionor sabe que o HF só não reabriu devido à mobilização dos trabalhadores e da população contrária à vontade do governo do Estado de entregar tudo para uma Organização Social privada explorar, depois que tudo foi renovado com os recursos do povo.
Quem o vê chegando sorridente e confiante no Hospital Florianópolis, aos 64 anos, não imagina que ele passou pela ponte Hercílio Luz espiando o mar pelas frestas das tábuas, que admirou a baía norte, sem avenidas nem prédios; a baía sul, sem o aterro e lá distante o Miramar. A cidade mudou muito, mas Claudionor ainda tem um barco que guarda no rancho perto da casa dos pais. Assim que ele tiver mais tempo, garante que sairá mais vezes, bem cedinho, pra pescar.