O homem que eu amo não me dá flores no dia dos namorados e geralmente esquece o dia em que nos conhecemos. Não tem vocação para datas inventadas, não lembra aniversário, dia da mulher ou coisa assim. Mas, todas as manhãs ele me acorda com riso e carinhos. Seu bom humor é meu equilíbrio. Liga o rádio bem alto nas manhãs e cantarola engraçado enquanto toma banho. Ele não pergunta como foi meu dia nem vem com o papo de discutir a relação. Não, ele chega contando as histórias que ouviu por aí, as coisas da vida comum, e faz brotar em mim a alegria. Se percebe que não estou bem, não diz nada. Respeita meu silêncio e compartilha dele, a cara constrita. Se pá, ele me abraça forte, e só. Não discute a dor, ele sente junto.
O homem que eu amo divide comigo todas as tarefas da casa, não como quem ajuda, mas como quem partilha mesmo. Ele brame a vassoura e espanta os gatos. Ele puxa a geladeira e limpa bem limpinho atrás dela, fazendo o mesmo com os armários e o fogão. Espoca a lata de cerveja e liga o som, bem alto, arriscando os passinhos do samba. Tem sempre uma coisa engraçada para dizer e nunca come qualquer fruta sem me oferecer um pedaço. Do nada, qualquer dia, ele pode aparecer com um presente. “Vi, era tua cara, comprei”. Essa é a sua poesia concreta.
O homem que eu amo é um homem simples, de poucas palavras, mas de gestos largos e coração gigante. Ele se frustra com as minhas derrotas e, impotente, me acolhe nos braços quando chego chorando depois de uma eleição perdida, ou um ato político fracassado. Ele cuida de mim e lambe minhas feridas sem fazer alarde, sem cobranças inúteis. Ele adora futebol, ama o Figueirense e se tiver de escolher entre uma pelada e um jantar romântico, fica com o jogo: “eu conheci a bola primeiro que tu, lembra disso?”, alega, sorrindo.
O homem que eu amo gosta da noite, do samba, de estar com os amigos do bar. Ele tem vida própria, descolada da minha, e respeita as escolhas que faço, os longos silêncios, as leituras intermináveis, os livros espalhados pela casa, as reuniões nos finais de semana, e a mania de dormir cedo, com as galinhas. Seu máximo resmungo é dizer: “licença, livros”, enquanto afasta uma pilha para se mover na casa. Ele se enternece quando me vê chorando, mesmo se for por conta de um filme bobo na TV. Vocifera contra os gatos, diz que vai matar e retalhar, mas é capaz de cozinhar miúdos da galinha e fazer uma deliciosa refeição para os bichanos, os quais secretamente ama. Vez em quando o surpreendo, com um doce sorriso nos lábios, acompanhando as estripulias dos pequeninos. Ele faz a melhor caipirinha do mundo inteiro e pode passar horas entretido com a lavagem do carro. Se eu pergunto: “quem tu ama mais, eu ou o carro?” Ele abre o riso largo e responde urgente: “o carro, claro”.
O homem que eu amo me tira para dançar a qualquer hora do dia e liga pra mim no meio da tarde, “para descansar”. Ele recolhe a roupa do varal e transforma os domingos em dias santos. Quando ele chega, seja a hora que for, traz o sol, a primavera, a festa, o riso. Com o homem que eu amo nunca é noite escura. Ele existe e é bom…
“Bonita é a nossa vida, nossa ordinária vida”, diz a poetisa Adélia Prado. E assim é…
Foto: Tali Feld Gleiser.