Por José Álvaro de Lima Cardoso.
A ideia de que, com o novo governo nascido de um golpe de Estado, a economia iria retomar o crescimento, mostra-se a cada dia mais insustentável. Não só não há retomada do crescimento, como observa-se a aguda aceleração da crise. Segundo o (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE), até setembro o PIB tinha recuado 4,4% nos últimos quatro semestres, completando sete trimestres seguidos de retração contínua da economia. É uma das mais longas recessões da história do país. Este desempenho da economia brasileira está descolado, inclusive, da situação nas economias do restante do mundo. Numa lista de 40 países, além do Brasil, apenas Noruega e Nigéria apresentaram retração do crescimento no terceiro trimestre (julho a setembro), na comparação com o trimestre imediatamente anterior. Nos dois casos, a queda decorre diretamente da dependência do petróleo, cujo preço despencou nos últimos dois anos, como se sabe.
Apesar da profundidade da recessão, o Comitê de Política Monetária (COPOM), em sua última reunião decidiu por uma redução cosmética de 0,25 pontos percentuais (pp) na taxa de juros, levando a taxa selic para 13,75% ao ano, de longe a mais elevada do mundo. Se levarmos em conta a projeção de inflação do Banco Central do Brasil (BCB), de 4,4% para este ano, o nível atual da taxa Selic representa um juro real de inacreditáveis 8,9% a.a, apesar de atravessarmos uma recessão por sete trimestres consecutivos. Não há sustentação técnica plausível para esta opção do Banco Central, a taxa é mantida nesse patamar principalmente por escolha política. O Brasil é campeão mundial de juros, com 8,9% reais ao ano, e a segunda maior taxa básica de juros, a da Rússia, está em 2,8% reais. Quais argumentos técnicos podem justificar uma aberração desta? Não existem. O que há é um sistema da dívida, que é econômico, político e social, construído para drenar recursos da sociedade em direção aos cofres dos rentistas.
O curioso é que, segundo as próprias projeções dos modelos econométricos do BCB, a inflação prevista para 2017 e 2018 já está abaixo do centro da meta de 4,5% definida pelo Conselho Monetário Nacional. Se a inflação está abaixo da meta, tendendo a cair ainda mais, até os economistas neoliberais mais empedernidos indicam rapidamente a redução da taxa de juros, evitando um estrago ainda maior no nível de atividade econômica, acima do que já foi feito. Há fortes indícios de que o retardamento da redução da taxa de juros é intencional, por parte da diretoria do Banco Central, para aprofundar a recessão, criando uma situação insustentável para facilitar a aprovação da PEC 55, a PEC da Morte, no Congresso Nacional, prevista para o dia 13 de dezembro.
Com a atual profundidade da crise teriam que ser encaminhadas, de forma célere e sem delongas, uma série de ações, que poderiam ser adotadas, caso houvesse interesse real de melhorar a situação fiscal e retomar o crescimento. Por exemplo, poderia se combater duramente a sonegação fiscal que subtrai, a cada ano, R$ 500 bilhões das contas públicas nacionais. O país também precisa realizar uma reforma tributária de caráter progressivo, onerando os que mais podem pagar, e desonerando a maioria dos pobres, que são quem pagam a maioria dos impostos no Brasil. Fundamental também acabar com a maioria dos benefícios fiscais: as desonerações de tributos concedidas pelo governo da presidente Dilma desde 2011 chegarão a algo em torno de R$ 458 bilhões em 2018. Passou também da hora de tributar de forma progressiva as grandes fortunas no Brasil.
O país precisa, além disso, retomar o crescimento com urgência. Para isso, é imprescindível a retomada do investimento e do consumo do governo, porém a PEC 55 significa exatamente o contrário: congelamento em termos reais dos gastos do governo. Não haverá retomada do crescimento, também, sem consumo das famílias. Porém este está alquebrado, em função do aumento do desemprego e da queda da renda. Sintoma disso é que a extrema pobreza, famílias com renda de até um quarto do salário-mínimo per capita, voltou a crescer já em 2015, como constata a Síntese dos Indicadores Sociais, divulgada no dia 02 de dezembro pelo IBGE. Segundo o IBGE, foi o primeiro aumento da extrema pobreza desde 2009, quando a economia brasileira não cresceu em função dos impactos da crise mundial. Por outro lado, as perspectivas de um impulso via exportações são limitadas em função da crise mundial. O saldo comercial existente (US$43,28 bilhões entre janeiro e novembro), é muito calcado na redução das importações, em função da recessão, ao invés de decorrência da expansão das exportações.
Mas tais medidas não serão encaminhadas por esse governo. Como bem observa aquela frase famosa, “de onde menos se espera, dali é que não sai nada mesmo” (atribuída ao Barão de Itararé). As propostas do governo golpista, um conjunto que compõe uma espécie de neoliberalismo anacrônico, caminham justamente na direção oposta. Planejam uma inserção subordinada do Brasil nas cadeias internacionais de valor, calcada na redução dos custos trabalhistas e sociais. O “projeto de nação” dessa turma é destinar ao Brasil a condição eterna de exportador de commodities e insumos baratos, auxiliando os países ricos a superar da crise. Por isso estão desmontando rapidamente a Petrobrás e querem entregar o mais rápido possível a maior província de petróleo descoberta no mundo neste milênio, o pré-sal.
A partir desta perspectiva subserviente e colonial, é central liquidar o mercado consumidor interno (até para gerar excedente exportável), transferindo a dinâmica econômica para as exportações de commodities. Por trás de todas essas maluquices está a empulhação do “Estado mínimo”. Intencionam retirar o Estado “do que for possível”, entregando inclusive saúde e educação nas mãos do setor privado. Congelar gastos públicos com pobres, com trabalhadores, com o povo, para pagar juros da dívida. Vão fracassar, mas até lá o preço pago pela nação será excessivamente elevado.
* José Álvaro de Lima Cardoso é Economista.