Ao contrário do que muitos pensam, fazer greve está longe de cruzar os braços, e as atividades de luta por melhores condições de trabalho são tão intensas quanto às de dentro da sala de aula.
Por Simone Freire.
Eram pouco mais de sete horas da manhã quando dezenas de pessoas já se concentravam na Praça Coronel Sandoval de Figueiredo, nas proximidades do metro Tatuapé, na Zona Leste da capital paulista, nesta quinta-feira (7). Com um pequeno carro de som e ao ritmo da bateria do Levante Popular da Juventude, os presentes deram início a mais uma manifestação.
Denunciar as más condições de trabalho, o sucateamento da educação e as deturpações da grande mídia sobre a greve dos professores, iniciada em 16 de março, eram alguns dos objetivos da ação promovida pelas subsedes Tatuapé, Itaquera e Penha do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp).
Para participar do ato, a professora de Geografia, Lilian Priscila Ferreira, começou o dia horas antes. Moradora do bairro de Cidade Tiradentes, periferia da Zona Leste, ela juntou-se à dezenas de pessoas do bairro que se dirigiam ao trabalho, no principal terminal de ônibus do bairro, antes mesmo do sol nascer. Foi lá que ela encontrou nossa reportagem e permitiu que a acompanhássemos.
Nova Rotina
No caminho para o ato, Lilian nos contou um pouco da rotina dos trabalhadores desde o início da greve. Reuniões, oficinas, assembleias, panfletagens, manifestações, conversas com as comunidades, entre outras atividades, têm preenchido toda a semana da categoria. “Toda segunda-feira de manhã tem a reunião do comando de greve para saber como a gente vai pautar a semana. Nesta terça a gente teve pedágio para explicar para os motoristas a situação da greve, e pedimos uma contribuição voluntária para o fundo de greve. Ontem [quarta-feira], tivemos oficina com o pessoal do Levante para preparar materiais para o ato de hoje, quinta-feira, que tem o objetivo de unificar as subsedes que são da região da leste. À tarde tem concentração da Praça da Sé e amanhã tem assembleia às 14 horas no Vão do Masp [Museu de Arte de São Paulo, centro da capital]”, explicou.
Mesmo que a maioria dos professores esteja acostumada com um cotidiano intenso ao lecionar, em situações precárias, em dois, às vezes, três períodos para complementar a renda, este momento de greve requer fôlego. Lilian conta que precisou se ausentar alguns dias das atividades da greve, pois começou a sentir no corpo os efeitos da nova rotina. “Por conta da greve, da ação direta de estar nos comandos o tempo todo, de estar nas passeatas, eu desenvolvi um problema na coluna cervical e me afastei um pouco para me recuperar”, explica.
O caso de Lilian não é isolado. O despreparo e a lógica de violência das polícias também foram apontadas por ela ao relatar a vunerabilidade dos demais professores neste período. Há duas semanas, enquanto alguns deles colavam materiais gráficos em frente à Diretoria de Ensino, um segurança atirou contra os servidores. “Chegou atirando sem querer saber quem era, o que estava fazendo. É a forma como são orientados para trabalhar. Se eles são assim, a maneira como vão tratar os alunos quando são chamados nas escolas também é truculenta”, questiona.
Lecionar nas ruas
Aos poucos, mais professores e, inclusive, alunos chegaram e deram início à caminhada, que percorreu as proximidades do shopping Tatuapé em direção à Radial Leste e terminou na praça Sílvio Romero.
No microfone, eles explicavam as pautas da greve para a população da região, entre elas, o ajuste salarial de 75,33% para equiparação com as demais categorias com formação de nível superior, melhores condições de trabalho e garantia de direitos para docentes temporários.
A oportunidade também serviu para denunciar a falta de diálogo por parte do Governo do Estado e algumas irregularidades das direções das escolas que estão, segundo eles, expulsando ou atribuindo notas aleatoriamente aos alunos, sem qualquer tipo de avaliação.
“O diretor pegou a nota de Língua Portuguesa e simplesmente colocou para quatro ou cinco matérias. A escola também inventou faltas para os alunos. Se a escola fosse atribuir falta seria falta coletiva. Como os professores não estão na escola, e depois os alunos terão direito à reposição, é um crime o que ele fez. Do modo que está sendo feito a gente não teria que repor aula depois. Se deu nota, o governo está considerando que as aulas foram dadas”, explicou Adilson Rodrigues, professor de História na E.E. Mário Reys.
Próximos passos
À tarde, os professores seguiram para a região central da capital, e se juntaram aos demais servidores da rede de educação, em frente ao Tribunal de Justiça (TJ-SP), para cobrar do governo uma negociação. O primeiro sinal positivo à luta foi recebido justamente neste momento, após a divulgação da decisão da juíza Celina Kiyomi Toyoshima, da 4ª Vara da Fazenda Pública, que concedeu liminar garantindo aos professores estaduais em greve o pagamento dos dias parados.
Até então, pelo holetire recebido na semana, os professores receberiam menos da metade do salário. A notícia deu ânimo à luta da categoria que segue intensamente nas atividades da greve. Na setxa (8), os professores realizam mais uma assembleia para discutir as pautas e decidir pela continuidade ou não da greve.
“Mesmo que a gente não consiga o aumento salarial reivindicado neste momento nós chamamos de volta o debate da escola pública, o que é central neste momento. Esse é um debate constante para nós”, avalia Rodrigues.
Fonte: Brasil de Fato
De São Paulo (SP)