Um apelo à manutenção da coerência de Renato Igor: Convite ao jornalista negacionista para entrar nas escolas durante a pandemia com máscara de pano

    Foto: Alexandra_Koch em Pixabay

    Por Professor M. P. Freire.

    “O fosso entre a escola pública e privada só vai aumentar”. É com esta frase que o jornalista Renato Igor encerra sua matéria publicada no site NSC Total, na data de 23 de abril. Atribuída à Gerson Sicca, Conselheiro Substituto do Tribunal de Contas (TCE-SC), a matéria conclui uma aparente preocupação com a qualidade da educação e a disparidade da desigualdade social entre quem estuda na educação pública e na particular. Entretanto, esta frase não poderia estar mais deslocada – tanto do que a matéria em si propõe quanto das preocupações do colunista em relação ao bem estar da população.

    O texto intitulado “Alunos das escolas municipais de Florianópolis estão há mais de 400 dias sem ir à aula“ é uma peça no sentido de deslegitimar o movimento grevista dos professores municipários de Florianópolis, responsabilizando-os por problemas estruturais que atravessam a educação pública.

    Os citados “402 dias de suspensão das aulas” induzem os leitores a pensarem uma ausência que não ocorreu, quando negligencia que as mesmas continuaram pela modalidade remota – uma das pautas que professores paredistas reivindicam, como forma a garantir um direito básico, e na verdade, o mais básico de todos: suas vidas, bem como a das comunidades escolares como um todo.

    Toda a narrativa do texto é um termômetro que – torce e – mede a ilegalidade da greve. Informa que no próximo dia 27 o movimento será mais uma vez julgado, que os grevistas estão indo de encontro com a lei estadual com a lei estadual de essencialidade da educação e contra o Ministério Público.

    Mas tanto professores como professoras, bem como leitores não desavisados, que acompanham a trajetória desse jornalista e os arremedos que ele declara serem “opiniões” reconhecem que o texto carrega do início ao fim um elemento: coerência.

    É a mesma coerência de 2015, quando em outro movimento grevista – dos docentes estaduais –, Igor afirmou que os professores “trabalham 10 horas e ganham por 40 horas”. À época a repercussão negativa fez com que o jornalista pedisse desculpas pela “gafe” – um tipo de atitude que o reprovaria de qualquer avaliação no curso de Jornalismo, pois a apuração das fontes é o mínimo que se espera destes profissionais e a ética que deveriam tecer em seu ofício.

    Desde então, a incidência de um discurso de ódio contra os movimentos reivindicativos mostra que aquele pedido de desculpas foi uma tentativa de pôr panos quentes sobre uma característica bem marcante: a de ataque contra o funcionalismo público em geral e em particular, aos professores das redes públicas.

    Deste modo seria um grave erro qualificar Renato Igor de incoerente; devemos, aliás, prestar homenagens a sua – notável – coerência em atacar o funcionalismo público e em depredar através da concessão estatal de radiodifusão o aparato estatal.

    Por outro lado, o descompasso ao brandir slogans vazios do tipo “educação é fundamental” sem se ater às condições a que são expostos os sujeitos responsáveis pelo processo de ensino aprendizagem, revelam o quanto este periodista com ares moralistas que pairam sobre a questões demasiadas mundanas e “pequenas” dos trabalhadores de educação, revelam-lhe seu caráter de profundo cinismo.

    Então, aos leitores desse breve texto, exijamos que Renato Igor, seja ainda mais coerente com suas ideias e assuma com todas as letras e de uma vez por todas, que é contrário à educação pública que resiste aos sucessivos ataques e ao desmonte neoliberal; que reconheça que não há problema algum em somarmos ainda mais cadáveres de docentes que faleceram à COVID-19 pelo retorno obrigatório às salas de aula.

    Corrige-se assim o cinismo que influencia a opinião pública e que mata professores, em qualquer frase de efeito sobre o fosso entre a educação pública e a particular, pois quem insistiu durante todo 2020 pela reabertura das escolas e bateu palmas quando o lobby das escolas particulares venceu uma condição de “atividade essencial temporária” (que perdiam muitos alunos devido à pandemia) e conseguiu o retorno da educação presencial com um acordo pra preservar o pescoço do governador “impeachtimado” Carlos Moisés.

    Sugiro ainda uma experiência antropológica e jornalística – mais do tipo das coberturas de guerra – as quais certamente você não tem nem em sonhos: se voluntarie em participar de uma escola pública ao lado de um professor, avaliando as precárias condições sanitárias e de estrutura. A carga horária de trabalho excessiva, a falta de material de segurança sanitária, o quanto os Plancons (Planos de Contingências) são negligenciados.

    Não pode ser um dia, uma “meia hora” qualquer. Tem que ser um mês, durante todos os dias, pra não ter desconto na folha de pagamento e não ter o CPF bloqueado (se quiser fazer uma forma de jejum radical gaste somente o que os professores recebem como vale-alimentação).

    Vale destacar que nesta “aventura” não há o direito à ficar doente – o que pode ser fatal – ou à ter algum tipo de comorbidade – como os ACTs da rede estadual que só puderam pegar aulas declarando-se livres de problemas de saúde. Talvez seja necessário experienciar na pele o que acontece com o outro lado quando se diz através de um microfone, dentro do conforto do lar e em segurança, que “a economia não pode parar”, que a “educação não pode parar”, que “temos que viver o novo normal”. Por isso, quando estiver na escola, continue desempenhando o papel que faz há anos: fale abertamente aos estudantes que você deseja que as universidades públicas sejam privatizadas e que eles não tenham mais condições de estudar; e aos professores que se desdobraram em mil no ensino remoto bancando do próprio bolso internet e luz elétrica, que estes “não trabalharam há 402 dias”.

    Extravase sua coerência Renato Igor, abandone seu cinismo. Defenda abertamente o fim dos serviços públicos e à morte de seus funcionários e da população.

    Tenho certeza que você ganhará muitos leitores ávidos nesta sua propaganda diária de extinção de direitos e subserviência – ao menos entre o coro dos negacionistas e fascistas de plantão.

    A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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