Por Mariana Rosa.
Foto: Reprodução.
Estima-se que existam hoje em todo o território brasileiro cerca de 3 mil comunidades remanescentes de quilombos, grupos formados pela população negra de origem rural ou urbana. Há 10 anos, em 20 de novembro de 2003, os processos de demarcação e posse destas terras foram regulamentados pelo decreto federal nº 4.887, cumprindo o artigo 68 da constituição federal. Desde então, 1.500 comunidades quilombolas foram certificadas pela Fundação Cultural Palmares e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
É em sintonia com este longo processo, de compensação pela repressão sofrida historicamente pelos negros, que o Movimento Negro Unificado de Santa Catarina (MNU/SC) e o Coletivo de Professores e Professoras das Comunidades Quilombolas de Santa Catarina propuseram a criação de uma Licenciatura em Educação Quilombola na UFSC. A iniciativa visa também pressionar o Estado para cumprir as diretrizes curriculares nacionais para a educação quilombola e a lei federal 10.639/03, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da história afro-brasileira e africana nas escolas brasileiras.
A proposta do curso, que é inédita no Brasil, foi elaborada em conjunto com o Núcleo de Estudos de Identidades e Relações Interétnicas (NUER) da UFSC e aceita pela Pró-reitoria de Graduação neste semestre. Nos próximos meses será montado um grupo de trabalho para elaborar o plano curricular, que deve ser aprovado pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Conselho Universitário da UFSC.
A pesquisadora do NUER Raquel Mombelli explica que a ideia é semelhante a da Licenciatura Indígena, implantada na UFSC em 2011: é uma questão que nasce atrelada ao processo de reconhecimento de terras ocupadas tradicionalmente por estes povos. Raquel lembra que os negros, assim como os índios, não tiveram seus direitos de posse reconhecidos pela Lei de Terras. Desta forma, a educação se soma às políticas fundiárias com o objetivo de garantir a inclusão social destes grupos.
“Trata-se de viver e falar que história é essa, de preconceito e exclusão, vivida pelos negros”, afirma Raquel, que também aponta que “a presença negra teve um papel fundamental na economia da região sul em várias frentes, contribuição que nunca foi efetivamente reconhecida”.
A mesma crítica é feita pela integrante do MNU/SC Maria de Lourdes Mina: “[Santa Catarina] é considerado um estado europeu”. Ela também alerta para o fato de que a população negra em Santa Catarina chega a 18% e que há uma estimativa de que as comunidades remanescentes de quilombos no estado cheguem a 200, segundo levantamento feito pelo MNU/SC nos últimos nove anos. “É preciso tirar esses grupos da invisibilidade para que eles se reconheçam e se trace uma política”.
Desde 2004, o MNU/SC atua junto ao NUER na identificação e regularização fundiária das comunidades de Santa Catarina. Atualmente 15 comunidades quilombolas catarinenses buscam certificação junto ao INCRA, das quais 11 já foram tituladas (veja a lista completa no site da Fundação Cultural Palmares).
Neste trabalho de reconhecimento, as duas instituições constataram que o acesso dos integrantes das comunidades à educação é bastante precário, seja pelo isolamento geográfico ou, quando há disponibilidade de professores, pela falta de um currículo específico que trate das questões relativas à história da população negra – o que é previsto pela lei 10.639/03.
Raquel avalia que além da questão da infraestrutura e da quantidade de professores, o principal desafio para a educação quilombola é justamente a formação destes. “Faltam condições pedagógicas para abordar questões como o racismo”.
Fonte: Cotidiano UFSC.