Há cerca de três semanas, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) anunciou o lançamento daquela que seria a primeira “cátedra patrocinada por uma empresa privada”.
Por Iuri Müller.
Carlos A. Netto, reitor da UFRGS, ao lado de Clóvis Tramontina | Foto: Gustavo Diehl
Há cerca de três semanas, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) anunciou o lançamento daquela que seria a primeira “cátedra patrocinada por uma empresa privada”. Com participação do reitor Carlos Alexandre Netto, a universidade assinava um “acordo de cooperação” com a fábrica Tramontina Eletrik, que pertence ao grupo Tramontina. A interação com a iniciativa privada se daria, neste caso, através de um grupo de pesquisa da Escola de Administração.
O apoio da Tramontina Eletriks será direcionado ao Grupo de Pesquisa sobre Marketing e Consumo (GPMC), liderado pelo professor Vinicius Brei. Embora a universidade tenha tratado a iniciativa, através das suas publicações oficiais, como pioneira nesta forma de relação, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) afirma que a UFRGS já conta com negociações semelhantes, principalmente na esfera da pós-graduação.
Para Carlos Alberto Gonçalves, presidente da seção sindical do Andes-SN na UFRGS, o termo utilizado pode suscitar outras interpretações, mas, neste caso, “não significa que vá ser criada uma disciplina com controle externo”. Carlos Alberto explica que a iniciativa privada já atua junto à universidade, principalmente nas áreas de Engenharia e Administração. “A universidade já tem uma modalidade que se chama Mestrado Profissional, de interesse direto do mercado, portanto, em que se espera que as empresas ofereçam bolsas”, explica.
Foto: Ufrgs /Divulgação
O professor Vinicius Brei, da Escola de Administração da UFRGS, contou à reportagem que, “em termos práticos”, a empresa “irá financiar as atividades do grupo de pesquisa”. “O financiamento tem contrato inicial de dois anos, renovável se houver interesse das duas partes, e esperamos que seja uma parceria longeva. Os recursos serão destinados parte à universidade, parte ao departamento e outra parte para o nosso grupo de pesquisa”, descreve Brei.
Para o docente, a Tramontina se beneficia do acordo pelo fato de o grupo de pesquisa explorar temas que interessam à empresa. “A nossa área de pesquisa principal estuda comportamento de consumidor. A cátedra nos proporciona mais chances de fazer pesquisa com qualidade, com recursos, e a Tramontina vai encontrar pesquisadores de alto nível sobre a área em que atua, vai se beneficiar disso”, aponta. Vinicius Brei lembra que o modelo das cátedras mantidas por empresas já existe na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No Rio de Janeiro, empresas como a L’Oréal, a Rede Globo e a Fiat patrocinam linhas de pesquisa.
Crítico das privatizações que rondam as universidades públicas brasileiras, o Andes-SN declara que não é contra o apoio de empresas privadas – desde que a independência da instituição de ensino seja respeitada. “O sindicato nacional não tem nada contra investimentos de origem privada nas instituições públicas, o que ele não quer é que em função disso a universidade perca a sua autonomia. Quando falamos que é preciso investir mais em educação no país, acreditamos que a função é do Estado, mas que a iniciativa privada pode contribuir. Historicamente, ele nunca entra, porque na pesquisa o retorno costuma ser muito baixo”, explica Carlos Alberto Gonçalves, professor do departamento de Bioquímica.
Durante o anúncio do “acordo de cooperação”, no dia 16 de dezembro, diretores da Tramontina se fizeram presentes e prestigiaram a cerimônia. A Tramontina Eletrik, uma das dez fábricas da empresa gaúcha, tem sede em Carlos Barbosa e produz materiais elétricos. “É importante mencionar que a cátedra é um modelo de apoio muito antigo, as principais universidades do mundo têm inúmeras cátedras. Boa parte do dinheiro de pesquisa nestas universidades vem da iniciativa privada, e o que a gente está fazendo é tentar implementar por aqui uma prática bem sucedida em universidades de todo o mundo”, anuncia o professor da Escola de Administração.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Em abril de 2009, o Conselho Universitário (CONSUN), órgão máximo da UFRGS, aprovou a criação do Parque Científico e Tecnológico da universidade, que também irá abrigar parcerias entre a instituição e as empresas. “A universidade aprovou o desenvolvimento do Parque Tecnológico, e as empresas devem ser deste tipo e deste mesmo porte. Por enquanto, não vemos com desconfiança este acordo com a Tramontina”, finaliza o presidente da seção sindical. A Gerdau S.A., corporação gaúcha que hoje atua em dezenas de países, já teria forte proximidade com a UFRGS.
Universidade conta com centenas de interações com a iniciativa privada
Segundo Raquel Mauler, secretária de Desenvolvimento Tecnológico da UFRGS (SEDETEC), a universidade assinou mais de 350 acordos de interação com empresas desde 2010. “A maior parte através de convênios em projetos de pesquisa e desenvolvimento. Existem prestações de serviço, mas em menos de um terço dos casos”, explica Mauler. Para a secretária, a UFRGS há tempos mantém vínculos estreitos com a iniciativa privada – grandes empresas públicas e privadas, como a Braskem e a Petrobras, já atuam junto aos departamentos.
“Quanto mais próximos estivermos das empresas, saberemos que as pesquisas vão ser aplicadas. Para os alunos, é um diferencial, eles vão saber como aplicar o conhecimento, vão encontrar uma finalidade e um uso geral”, opina a secretária. Raquel Mauler acredita que os laços com o empresariado não resultam em privatizações do ensino público, mas que seguem a direção das políticas nacionais e internacionais. Procurada pela reportagem, a Tramontina informou, por meio da assessoria de imprensa, que os funcionários estão em período de férias coletivas e não poderiam comentar o acordo.
Fonte: Sul21