A última semana foi simbólica para a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Além de sediar o IV Encontro Internacional de Ciências Sociais e Barragens, realizado na UFFS – Campus Chapecó, a Instituição também foi o cenário para o lançamento de mais um importante movimento social internacional, o Movimiento dos Afectados por Represas Latino Americano (MAR). “Uma universidade nascida dos movimentos sociais agora é palco do lançamento oficial de um novo movimento social. É, sem dúvida, um momento de muita simbologia para a UFFS”, afirma o vice-reitor da Instituição, Antônio Inácio Andrioli.
O MAR é integrado por organizações de 12 países da América Latina e é uma plataforma política que pretende lutar pela soberania da água e por um projeto energético popular em todo continente. Entre os compromissos do MAR estão a defesa dos territórios, a soberania sobre os rios e as águas, além da construção de um projeto energético popular.
Para Luiz Dalla Costa, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o MAR surgiu em decorrência de análises conjuntas realizadas por movimentos em toda a América Latina. “Começamos a verificar, nos vários países, que sofríamos com os mesmos problemas decorrentes dos grandes projetos hidrelétricos. Desde 2010 pensamos em nos articular para fortalecer essas lutas. Foi aí que surgiu esse movimento social amplo, que respeita as realidades de cada país, diversidades, mas busca um objetivo comum, que é a defesa dos direitos dos atingidos por barragens, a construção de um projeto energético de caráter popular e também as mudanças estruturais que a sociedade latino-americana necessita para melhorar a vida de seu povo. Pois temos, nessa região, muita riqueza, terra fértil, energia, produção de petróleo e eletricidade e mesmo assim tem uma parcela da população que não tem sua dignidade garantida”, afirma Dalla Costa.
A líder do Movimiento Ríos Vivos da Colômbia, Isabel Cristina Zuleta, comenta sobre a importância do MAR: “na Colômbia há pouco espaço político para esse tipo de resistência; em decorrência disso, temos sido fortemente reprimidos por fazermos oposição à construção de barragens. Temos sofrido com repressões como assassinatos, processos judiciais e perseguições por parte do Estado. A luta tem sido muito difícil, porque não se concebe como possível opor-se às hidrelétricas. Por isso é muito importante a unificação dessa luta latino-americana, para que proteja a nós e nossos direitos, pois é necessário que se respeite, em toda a América Latina, o direito a fazer oposição a ideias distintas, a um projeto distinto de vida. Então estamos nos articulando, através do MAR, para mostrar que uma nova forma de vida é possível, não somente a forma que o capitalismo nos oferece. Sobretudo, apostamos em um projeto energético popular no qual seja possível que a energia não destrua a natureza e as outras formas de vida das comunidades.
Para Isabel, o lançamento do MAR na UFFS demonstra um forte compromisso da academia com a sociedade, “é uma Instituição que entende seu papel social de transformação da sociedade”.
O guatemalteco Francisco Rocael Mateo Morales, do Conselho para Defesa do Território do Povo Maia da Guatemala, aponta a constituição do MAR como uma esperança de luta internacional articulada. “Vemos o MAR como uma grande esperança; uma grande luta para todos os povos da América Latina, para articular-nos no sentido de unir nossas lutas e nossos pensamentos frente a esse capitalismo selvagem que novamente está espoliando nosso povo. Para nós é um momento de muita significância histórica. Efetivamente o que temos compreendido com o MAR é que estamos enfrentando o mesmo inimigo, os mesmos métodos, as mesmas empresas que estão operando em todo o continente. Por isso cremos que também devemos globalizar a solidariedade e a experiência de luta que nossos povos têm desenvolvido historicamente”, pontua.
Já segundo Gustavo Castro Soto, integrante do Movimiento dos Afectados por Represas del México, o MAR luta por territórios, pela água, pela energia, mas, também, luta por vidas independentes. “Creio que em época de tantos tratados de livre comércio, privatizações e também de muitas atividades extrativistas, o que estamos vendo é uma disputa das empresas por terra, território, água e energia. E é neste contexto que nasce o MAR, que, lutando por territórios, por vidas livres desse modelo extrativista, une os movimentos sociais de nosso continente para tocar o coração do capitalismo, o coração da acumulação do capital em que se disputa a acumulação da terra, da água e da energia”, afirma Soto.
Projeto energético popular
Movimentos como o recém-criado defendem um projeto energético popular, em que o lucro com empreendimentos energéticos seja revertido para melhorias nas condições sociais dos trabalhadores e do povo. As discussões do MAR pontuam e lutam contra o atual modelo energético, que tem sido vantajoso apenas para as grandes empresas. “Água e energia não podem ser mercadorias. Elas devem servir para a soberania do povo e para ampliar a capacidade de trabalho dos trabalhadores. E, além disso, que o resultado desse trabalho seja justamente distribuído, garantindo terra, educação, moradia, trabalho, boas e necessárias condições de vida para toda a população. Isso faz parte do projeto energético popular.
“A fonte de energia possível, seja de água, sol, vento, petróleo, deve ser utilizada para beneficiar a população. Diferente do que é hoje, que é um produto comercial de grandes consórcios nacionais e internacionais. Atualmente, para a população sobra a tristeza, o sofrimento e o alto custo que é preciso pagar pelo serviço de um patrimônio que é de todos: água. É essa lógica que queremos inverter”, finaliza Luiz Dalla Costa, do MAB.