A descoberta de que um editor do jornal britânico News of the World invadia caixas postais de telefones atrás de recados que lhe rendessem furos sobre a família real não seria tão espantosa se parasse por aí. O problema surgiu quando o repórter Nick Davies decidiu investigar o caso mais a fundo e descobriu um lamaçal de crimes e corrupção que afetava boa parte da imprensa britânica, com ramificações no gabinete do primeiro-ministro e no alto escalão da Scotland Yard.
O livro Vale tudo da notícia (2014) conta como, durante cinco anos, o jornal News of the World atacou 6.349 pessoas, através da interceptação de mensagens telefônicas, grampeando e invadindo caixas de mensagens e escutando conversas telefônicas ao vivo. Na mira estavam celebridades, criminosos, a família real, políticos importantes e qualquer um que fisgasse a atenção.
Para escrever a obra, Nick Davies iniciou sua investigação em 2008 apenas com a ajuda de fontes anônimas: jornalistas de tablóides, policiais, detetives particulares, servidores públicos e antigos aliados da News Corp que se rebelaram contra um sistema corrupto e queriam ajudar a desmascará-lo.
Guerra de Manchetes
A trama se inicia em julho de 2009, quando o jornalista obtém conhecimento, através de uma fonte anônima, a respeito de acordos extrajudiciais de mais de 1 milhão de libras, que o jornal News of the World fez com três vítimas de escutas ilegais. Com isso em mãos, Nick Davies publica no The Guardiana primeira matéria que daria início a uma guerra midiática, sob o título “Jornais de Murdoch pagaram 1 milhão de libras para calar vítimas de escutas ilegais”.
No decorrer do livro, Davies se ocupa de explicar com detalhes os desdobramentos judiciais do caso que derrubou uma das maiores organizações de mídia a nível global e conta sobre a dinâmica dentro da redação do jornal corrupto, regada a drogas e promiscuidade.
Após a publicação, Davies esperava uma reação bombástica do órgão regulador de mídia e da Scotland Yard, mas o caso foi abafado. A Scotland Yard chegou a declarar que já havia feito a investigação do caso e que eram apenas um “punhado de vítimas” e que estas já haviam sido contatadas. Foi nesse momento que o jornalista se deu conta de que o esquema era muito mais enraizado do que pensava.
Ao mesmo tempo, a News Corp passou a atacar Davies e o The Guardian com matérias venenosas e ataques de cunho pessoal. Pelos próximos meses, seguiu-se uma guerra de manchetes.
Contra-ataque
Neste momento, Nick Davies e o The Guardian decidem adotar uma estratégia diferente. Contrariando a norma consagrada segundo a qual editores devem dar a vida para garantir que as notícias sejam publicadas com exclusividade nas páginas de seus jornais, ele procurou outros jornalistas para atualizá-los sobre seu trabalho e incentivá-los a ir mais fundo.
Como resultado, em setembro de 2010, o The New York Times publicou uma reportagem sobre as invasões de caixas de mensagens e interceptações telefônicas com novas informações, que fez a Comissão Especial de Mídia anunciar que ouviria novos depoimentos sobre o assunto e a Scotland Yard a reabrir a investigação.
No decorrer do livro, Davies se ocupa de explicar com detalhes os desdobramentos judiciais do caso que derrubou uma das maiores organizações de mídia a nível global e conta sobre a dinâmica dentro da redação do jornal corrupto, regada a drogas e promiscuidade.
Davies conclui o livro fazendo uma declaração contra o Neoliberalismo, que, em sua visão, fez com que a News Corp se tornasse um império global de comunicação. Porém, para ele este processo é irreversível, pois quando o dono da News Corp, Rupert Murdoch, morrer, outro ambicioso tomará seu lugar, seja um oligarca russo, um magnata do oriente médio ou um bilionário chinês.
Apesar da falta, no livro, de um olhar crítico quanto ao público leitor dessas publicações sensacionalistas, é nítido que a curiosidade sobre a intimidade permeia toda a obra. O autor chega a fazer a ligação a relação entre pulsão sexual e a curiosidade destes jornalistas de vasculharem a privacidade dos outros. De todo modo, vale a reflexão também sobre o papel do público na produção e no consumo da desgraça alheia.
Tradução: Marcelo Levy;
Tamanho: 480 págs.;
Lançamento: Janeiro, 2016.