Por Antonio Luiz M. C. Costa.
Depois de mais de um mês de medidas na maior parte midiáticas e pertinentes à guerra cultural – apesar de causarem transtornos reais, como no caso do banimento de imigrantes muçulmanos –, o governo Trump começa a mostrar seus planos para a guerra propriamente dita.
São de entusiasmar investidores de olho em ganhos imediatos e devem continuar a inflar a bolha especulativa do mercado acionário, mas representam um perigo para a paz mundial e para a maioria dos estadunidenses, se não todos.
Propõe um aumento no Orçamento do Pentágono de 525 bilhões de dólares em 2016 para 603 bilhões no ano fiscal de 2018 (iniciado em outubro de 2017), fora imprevistos. A diferença de 15% ou 78 bilhões é maior do que todo o Orçamento militar da Rússia (estimado em até 66 bilhões) ou de qualquer país do mundo, exceto a China (estimado em 215 bilhões). Em relação ao teto antes previsto para 2018, de 549 bilhões, o aumento será de 54 bilhões, equivalente a todo o Orçamento do Reino Unido, terceira potência nuclear.
“Precisamos começar a ganhar guerras de novo”, diz Donald Trump. Entretanto, se os EUA não têm uma vitória militar clara desde a rendição do Japão em 1945 (à parte incursões ridículas como as invasões de Granada em 1983 e do Panamá em 1989), não foi por falta de dinheiro ou de armas.
Na Coreia, no Vietnã, no Afeganistão e no Iraque, os gastos foram imensos e os militares usaram tanto quanto tinham, exceto armas nucleares. Os problemas fundamentais foram erros políticos e diplomáticos, a começar pela escolha de aliados locais corruptos, incompetentes e rejeitados por seus povos.
Erros que o Orçamento tende a agravar. Os recursos adicionais virão dos cortes em gastos na área civil, inclusive ciência, diplomacia e ajuda externa. Os demais gastos discricionários (não incluídos saúde e previdência), antes limitados a 515 bilhões (48% do total) cairão para 461 bilhões (43%), um corte de mais de 10%.
Muitos dos próprios militares julgam absurdo. Nada menos de 120 generais e almirantes aposentados, nos quais se incluem o ex-diretor da CIA David Petraeus e o ex-chefe do Estado-Maior George Casey, escreveram uma carta ao governo e ao Congresso para apontar o óbvio.
“Como sabemos pelo nosso serviço armado, muitas das crises enfrentadas por nossa nação não têm uma solução apenas militar. Isto inclui desde enfrentar o Estado Islâmico até prevenir pandemias e estabilizar Estados frágeis. Os militares podem dirigir a luta no campo de batalha, mas precisam de parceiros civis fortes contra os indutores do extremismo.” Criticam em especial os cortes nos serviços diplomáticos e agências de cooperação como a Usaid.
Igualmente danoso para a estatura do país no mundo é o corte de investimentos em pesquisa científica. Se os Estados Unidos, apesar dos fracassos nos campos de batalha, saíram vitoriosos do desafio da Guerra Fria foi graças a avanços tecnológicos que a União Soviética não pôde acompanhar por dedicar recursos demais à corrida armamentista.
Inclui, por exemplo, as comunicações via satélite, o laser, o GPS, a internet e a ressonância magnética, todos conseguidos graças a investimentos em pesquisa do governo federal.
Nos anos 1970 e 1980, os gastos (civis e militares) com ciência representavam cerca de 1,2% do PIB estadunidense. Terminada a Guerra Fria, caíram para cerca de 0,9% nos anos 1990 e, desde 2013, para menos de 0,8%. Os EUA começam a se atrasar em várias áreas de ponta.
Hoje, o maior acelerador de partículas pertence à Europa, os maiores supercomputadores à China e os astronautas da Nasa dependem de foguetes russos para chegar à Estação Espacial Internacional. Enquanto isso, muitos investimentos militares se mostram escandalosamente dispendiosos e contraproducentes, como são exemplos o caça F-35, que já custou mais de 400 bilhões e continua com sérios problemas técnicos, e o destróier Zumwalt, que custou 4,4 bilhões e sofreu seguidas panes desde seus primeiros testes em setembro de 2016.
A prioridade declarada de Trump é modernizar o arsenal nuclear, mesmo se este é feito para não ser usado. Faz pouco sentido ter mais armas do que o necessário para destruir o mundo. Quando um só míssil – como um RS-28 Sarmat russo – pode destruir um país do tamanho da França com suas 15 ogivas, não é preciso ter centenas deles para dissuadir o inimigo.
Mas, se o objetivo é “voltar a ganhar guerras”, é de supor que pretende travá-las. Rejeita a ideia de renovar o tratado de desarmamento com a Rússia e seu estrategista-chefe, Steve Bannon, gosta da ideia de um conflito de grandes proporções. A guerra está na agenda.
Pode começar com uma provocação naval a Teerã, aliada de Moscou, no Golfo Pérsico, ou a Pequim no Mar do Sul da China e acabar em confronto nuclear com qualquer das duas grandes potências.
Por obscuro que seja o propósito, pode de fato proporcionar lucros para o setor aeronáutico e militar. Pouco após a eleição de Trump, em 22 de novembro, Dow Jones quebrou a barreira dos 19 mil pontos, logo após a posse, em 25 de janeiro, quebrou o recorde de 20 mil e em 1º de março, com a confirmação desses planos ante o Congresso, passou dos 21 mil.
Até a mídia por ele espezinhada desde a posse o encheu de elogios, aparentemente deslumbrada com o fato de o homem se mostrar capaz de ler um discurso e se portar como adulto por uma hora, mesmo se apenas reafirmou de forma mais serena e articulada as bazófias, mentiras e preconceitos dos últimos meses. Enquanto puder encher os bolsos do complexo militar e de Wall Street, o risco de destruição do mundo será um detalhe insignificante.
Fonte: Carta Capital