Por Fernanda Paixão.
As medidas judiciais e a rejeição popular ao trigo transgênico desenvolvido na Argentina continuam duas semanas após sua aprovação comercial por parte da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), no Brasil. A aprovação do trigo HB4 aconteceu de maneira casada entre Brasil e Argentina.
As campanhas que se desenvolvem em ambos os países denunciam os perigos da semente geneticamente modificada e seu pacote tecnológico, com destaque para a alta toxicidade do agrotóxico glufosinato de amônio. O trigo HB foi construído para ser resistente a esse pesticida.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Pesca da Argentina deverá tornar públicos os estudos e ensaios sobre o trigo transgênico, aprovado em agosto do ano passado no país. A resolução judicial emitida pelo juiz federal Santiago Carrillo surge em resposta à recomendação de suspensão do trigo HB4 por parte do Ministério Público e da Defensoria Pública argentinas no último mês. No pedido, argumentam sobre a falta de comprovação de sua segurança e o não envolvimento da sociedade no debate, fazendo eco à militância da sociedade civil contra o novo evento transgênico, especificando no texto que o trigo HB4 foi aprovado na Argentina “sem a realização prévia de estudos de impacto ambiental, nem audiências públicas”.
Além disso, a resolução judicial ordena a abertura de uma instância para o debate público seguindo o procedimento de participação cidadã estipulada pelo Acordo de Escazú, um pacto internacional ambiental que a Argentina ratificou. O ministério terá 20 dias para implementar a medida.
Além disso, a empresa proprietária do trigo HB4, a Bioceres, também deverá apresentar toda a documentação e informação oficializada que dispõe sobre a tecnologia ao Instituto Nacional de Sementes (Inase).
Reações após Brasil aprovar o trigo transgênico
Após a aprovação do trigo transgênico HB4 no Brasil, no dia 11 de novembro, a reação do setor produtivo, comercial e da sociedade civil foi de instantâneo rechaço em ambos os países.
A Abitrigo publicou, no mesmo dia, um comunicado reforçando o posicionamento contrário da maior parte das empresas que representa em comprar e vender o trigo HB4, o primeiro trigo transgênico aprovado para comercialização no mundo.
“Essa decisão, carregada de incertezas no âmbito dos desdobramentos perante o mercado e a comunidade internacional, foi tomada com base em critérios que incidem na segurança, sem maior estudo sobre condições de mercado e de comportamento do consumidor”, afirmaram no comunicado.
“Não pode ser ignorado o eventual impacto sobre as exportações brasileiras de produtos derivados (massas, biscoitos e pães) e desmembramentos imprevisíveis sobre a imagem do Agronegócio”, seguia a nota.
Em um abaixo-assinado lançado no ano passado pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, foram reunidas milhares de assinaturas, desde ativistas a empresas que veriam suas produções contaminadas pelo evento transgênico, tais como comércios de panificados, bolos e massas.
Apesar do anúncio sobre a liberação de compra pelo Brasil apenas da farinha do trigo HB4, como reforçado pela nota da Abitrigo, a deliberação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) não menciona essa especificidade. O documento define que a resolução “contém informações confidenciais” e aponta como “deferida” a “liberação comercial de trigo geneticamente modificado para aumento de produtividade em situações e ambientes de baixa disponibilidade hídrica e resistente ao glufosinato, para uso exclusivo em alimentos, rações ou produtos derivados ou processados.”
Identificado como evento IND-ØØ412, o trigo transgênico HB4 já possui cerca de 60 mil hectares cultivados na Argentina, apontando para a expectativa da Bioceres sobre a exportação do produto inicialmente ao Brasil, seu principal comprador de trigo. O segundo maior comprador é a China.
“O trigo transgênico põe em risco não apenas o ambiente, mas também é um problema de saúde coletiva muito grave com a exposição aos agrotóxicos”, afirma o engenheiro agrônomo Fernando Frank ao Brasil de Fato. Ele é integrante do coletivo de cientistas na Argentina chamado Trigo Limpio, que desde o ano passado denuncia os perigos dos cultivos transgênicos e a necessidade de envolver a sociedade e os especialistas nessa tomada de decisão.
Em um relatório lançado esta semana através da organização Acción por la Biodiversidad, Frank explicita como o processo de defesa da semente transgênica no mercado se desenrola desde 2004, quando a Universidad del Litoral, onde a equipe de pesquisa desenvolveu a soja e o trigo HB4 – que conta com um gene do girassol em sua modificação –, registram a patente da construção genética. Finalmente, foi aprovada em 2015 pelo órgão regulador do país, a Comissão Nacional Assessora de Biotecnologia Agropecuária (Conabia).
“Criada em 1992, a Conabia manteve sua composição em segredo até 2013, quando foi revelado que, quem estava sentado na mesa de decisão e avaliação, eram as mesmas empresas de sementes transgênicas e os agrotóxicos”, afirma Frank.
“Os expedientes são secretos e os estudos apresentados são tendenciosos”, diz o engenheiro agrônomo. “Nesse contexto, as organizações populares e setores da ciência digna, da produção agroecológica e o consumo devem ter escutados os argumentos desenvolvidos nestes 25 anos de cultivos transgênicos, que consistem em um questionamento sistemático sobre o foco dos estudos na inocuidade alimentar do grão – que sequer foi avaliado neste caso. Mas, além disso, exigimos uma avaliação que considere as consequências dos monocultivos nos territórios, relacionados à exposição aos agrotóxicos, ao consumo alimentar, ao desmatamento impulsionado por esses cultivos no país e avaliando também como as empresas do setor operam sobre o mercado de sementes e o sistema alimentar, em geral.”