Por Luciane Recieri, para Desacato.info.
É preciso que me perdoem. Tive que escrever a carta mais difícil de todas, logo eu que nunca vi dificuldade em escrever cartas. O sagrado parece que se encontra através do que vem escrito e dali que, matutando coisas, a gente vai amadurecendo e gostando e gostando e gostando. Gostar é acreditar muito no que o outro traz e quis escrever tudo, desde bem pequena. E foram pelos braços, mãos e pernas tudo que me engasgava e camisetas e muros depois. Quis escrever. Certa vez, soube que, pra ser um suicida realmente com vontade de morrer, tem que deixar uma carta. Ora, ela não deixou carta. Sorri pra dentro e pensei: não, não estava nos planos. Não queria nem de longe morrer, queria mesmo era ser gostada, gostada, gostada. Hoje tenho que, mas nada me ocorre. Sei tudo mas não sei colocar no lugar e esta é a dificuldade maior do bicho humano – nunca sabe se colocar no lugar. E se me perguntassem hoje que pessoa gostaria de ser ou com quem gostaria de estar, responderia do jeito mais sincero que se teve notícia desde que minha mãe inventou de me deixar inventar-se: ninguém. Hoje não haveria pai nem mãe que me acalentasse, nem amigo, nem irmão, nem filho, nem diamante (o que faria com um?), nem um trem expresso. Era só o desejo de olhar no espelho e se achar. Havia um espelho, fragmento de beleza na beira do rio. Andei treze passos no atraso, cansaço, não resisti, voltei até a beleza. Nunca resisto a uma besteira.
—
Luciane Recieri é cientista social e escritora, em Jacareí /SP