Por Ana Rosa Moreno, Puebla, México, para Desacato.info.
(Português/Español).
O sistema judiciário mexicano é tão eficiente que muitas vezes pune pessoas que não cometeram nenhum crime. Estas pessoas devem cumprir condenas e são as que enchem as prisões do país. É muito fácil culpar alguém e lhe adjudicar provas falsas. Muitos dos afetados são pessoas de zonas rurais porque por falta de educação de qualidade ignoram seus direitos, não contam com os recursos econômicos para pagar um bom advogado que os oriente em relação à sua situação legal e nas procuradorias não contam com tradutores. Muitos dos teóricos culpados são obrigados a assinarem depoimentos em uma língua que eles desconhecem. Muitos também não têm recursos econômicos para pagar fianças por um crime menor. No estado de Puebla acabam de liberar 347 pessoas de povos originários que se encontravam presas injustamente.
Segundo números de 2015 do Instituto Nacional de Estatística e Geografia (INEGI), são 7.382.785 as pessoas que falam alguma língua autóctone. 13 de cada 100 só conseguem se expressar na sua língua materna e 7 de cada 10 se encontram em situação de pobreza. No México, além do espanhol e o náuatle, estão reconhecidas 68 línguas originárias e 264 variantes linguísticas (algumas em perigo de extinção) não oficiais, mas reconhecidas por diferentes leis ou tratados em seus respectivos territórios ou etnia originária correspondente. A maior parte da população originária do país que se encontra em níveis de vida de “maior desvantagem” se concentra em Puebla, Oaxaca, Yucatán, Chiapas, Quintana Roo e Guerrero. E é a população originária a vítima das autoridades judiciárias mexicanas.
O caso mais famoso desta semana é o das valentes mulheres otomis Jacinta Francisco Marcial, Alberta Alcántara e Teresa González do estado de Querétaro, que em 2006 foram acusadas pela Procuradoria Geral da República (PGR) de sequestrar seis agentes da extinta Agência Federal de Investigação (AFI), crime pelo qual foram presas e condenadas a 21 anos de cárcere. A realidade foi que estas mulheres foram criminalizadas por se oporem a um operativo policial no mercado da praça central de Santiago Mexquititlán, município de Amealco, estado de Querétaro.
Contudo, o caso não se sustentou: Jacinta foi liberada três anos mais tarde (setembro de 2009). Alberta e Teresa obtiveram a sua liberdade em 2010. Desde 2009, Jacinta enfrentou uma batalha legal para exigir que o Estado reconhecesse que a acusou falsamente de sequestro, e que a prisão lhe produziu um dano moral e social na sua comunidade.
O primeiro passo que Jacinta deu foi solicitar que a PGR reparasse o dano, sem sucesso, mas isto não a deteve. Continuou e levou o caso aos tribunais. Em 28 de maio de 2014 ganhou a disputa quando a Sala Superior do Tribunal Federal de Justiça Administrativa (TFJFA) por primeira vez ordenou a reparação do dano.
Jacinta confiou cegamente na justiça mexicana; acreditou que por fim teria restituídos seus direitos violados, mas a PGR não ficou satisfeita com a sentença do TFJFA por não querer aceitar seu erro, e a impugnou através de um recurso de “revisão fiscal”. Além disso, solicitou que o caso fosse assumido pela Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN).
A SCJN fez como que não era com ela e não analisou o assunto. A impugnação da PGR foi examinada pelo Terceiro Tribunal Colegiado em Matéria Administrativa do Primeiro Circuito, que se reuniu em 19 de maio e ditou sentença a favor de Jacinta. Alberta e Teresa seguiram processos similares. A versão pública da resolução foi divulgada na segunda-feira 20 de fevereiro de 2017.
Em sua defesa, a PGR, em seu plano de não reconhecer seu erro, replicou que a PGR não é o Estado mexicano e, portanto, não podia ser obrigada a pagar as indenizações, porque não foi falha sua, que tinha sido do juiz que as condenou a prisão.
Porém, a PGR como instituição tem culpa, sim, porque como autoridade que serve para manter a ordem pública, punir os culpados e fazer justiça, errou quando permitiu que essa injustiça se aplicasse. Além do mais, se nos atermos à realidade, é impossível que três civis desarmadas pudessem sequestrar seis agentes bem treinados e armados até os dentes, a não ser que as mulheres tivessem poderes sobrenaturais que influíssem para que o suposto sequestro fosse realizado. Aí sim seria possível.
Em 21 de fevereiro passado, o procurador Raúl Cervantes ofereceu uma desculpa pública em que reconheceu a inocência das três mulheres indígenas otomis acusadas falsamente em 2006. É a primeira vez que acontece algo deste tipo.
A seguir, resgato algumas das frases que Jacinta, Estela, filha de Jacinta, Alberta e Teresa disseram em seus discursos, as mesmas palavras que ficarão gravadas na história mexicana.
Jacinta Francisco Marcial
“Às vezes dizia eu que era sequestradora; sequestradores eram eles que me levavam onde eu não conhecia.”
“Chorava nesse momento, falava: O que fiz para estar neste lugar. No inferno estou neste momento. Fazia muito frio. No dia seguinte estava contente, porque minha família estava lutando para que estivesse fora.”
“(As reclusas me perguntavam) ‘Você está aqui, por quê? Você vem por sequestro? Ninguém vai acreditar, nem nós que estamos aqui’.”
“As pessoas que tinham crimes mais graves são as que me ajudaram.”
Estela Hernández, filha de Jacinta
“Hoje ferramos o Estado”.
“(A PGR) reconhece de forçadamente que o caso citado foi um erro”.
“Pedimos que não continuem acontecendo este tipo de casos. Fica demonstrado que ser pobre, mulher, originária, não é símbolo de vergonha.”
“Até que a dignidade se faça costume.”
“A vida e a liberdade não se vendem nem se compram. Não são negociáveis.”
“Para aqueles que nos perguntam pela reparação econômica, falamos que não se preocupem: nascemos sem dinheiro e nos iremos sem ele.”
Teresa González Cornelio
“Esta desculpa pública é uma grande vitória que encerra estes 11 anos de luta.”
“Gostaria de dar uma mensagem às mulheres: que lutem, não fiquem caladas, até que as autoridades as escutem e a sociedade saiba a verdade. Às vezes por medo ficamos caladas.”
“(Que as autoridades) se comprometam a que não vai acontecer de novo que mais pessoas vão parar à cadeia por crimes que não cometeram.”
Alberta Alcántara Juan
“Procurem as organizações. Sempre tem alguém que pode nos ajudar.”
Esta vitória é pequena e grande ao mesmo tempo. Pequena, porque ainda seguem presas pessoas de comunidades originárias que estão cumprindo condenas em prisões mexicanas por crimes que não cometeram e, grande, porque por primeira vez em toda a história a PGR aceitou seu erro e pediu uma desculpa pública embora os danos continuem sem ser reparados, mas nem por isso deixa de ser uma grande vitória.
Tradução: Tali Feld Gleiser, para Desacato.info.
Hoy nos chingamos al Estado
Por Ana Rosa Moreno, Puebla, México, para Desacato.info.
El sistema judicial mexicano es tan eficiente que muchas veces castiga a personas que no cometieron ningún delito. Estas personas deben pagar penas y son las que llenan las cárceles del país. Es muy fácil culpar a alguien y plantarle evidencia falsa. Muchos de los afectados son personas de zonas rurales porque por falta de educación de calidad ignoran sus derechos, no cuentan con los recursos económicos para pagar un buen abogado que los oriente con respecto a su situación legal y en las procuradurías no cuentan con traductores. Muchos de los supuestos acusados son obligados a firmar declaraciones en un idioma que ellos desconocen y, además, muchos no tienen recursos económicos para pagar fianzas por un delito menor. En el estado de Puebla recién liberaron a 347 personas de pueblos originarios que se encontraban en las cárceles de manera injusta.
De acuerdo con cifras del 2015 del Instituto Nacional de Estadística y Geografía (INEGI), son 7 millones 382 mil 785 personas que hablan alguna lengua indígena: 13 de cada 100 sólo pueden expresarse en su lengua materna y siete de cada diez hablantes de lengua indígena se encuentran en situación de pobreza. En México además del español y el náhuatl, están reconocidas 68 lenguas originales y 264 variantes lingüísticas (algunas en peligro de extinción) no oficiales pero reconocidas por diferentes leyes o tratados en sus respectivos territorios o etnias indígenas correspondientes. La mayor parte de la población indígena del país que se encuentra con niveles de vida de “mayor desventaja” se concentra en Puebla, Oaxaca, Yucatán, Chiapas, Quintana Roo y Guerrero. Y es la población originaria víctima de las autoridades judiciales mexicanas.
Pero el caso más sonado de esta semana es el de las valientes mujeres otomís Jacinta Francisco Marcial, Alberta Alcántara y Teresa González del estado de Querétaro, quienes en el 2006 fueron acusadas por la Procuraduría General de la República (PGR) de secuestrar a seis agentes de la extinta Agencia Federal de Investigación (AFI), delito por el que fueron encarceladas y condenadas a 21 años de prisión. La realidad es que estas mujeres fueron criminalizadas por oponerse a un operativo policiaco en el tianguis (N. de la T.: mercado al aire libre) de la plaza central de Santiago Mexquititlán, municipio de Amealco, estado de Querétaro.
Sin embargo, el caso se desmoronó, Jacinta fue liberada tres años después (septiembre del 2009). Alberta y Teresa obtuvieron su libertad en el 2010. En el 2009, Jacinta emprendió una batalla legal para exigir que el Estado reconociera que las acusó falsamente de secuestro, y que este encarcelamiento les produjo daño moral y social en su comunidad.
El primer paso que Jacinta emprendió fue solicitar a la PGR que le reparara el daño, pero esta solicitud le fue negada. Esto no la paró y continuó; llevó el juicio a los tribunales. El 28 de mayo de 2014 ganó la querella cuando la Sala Superior del Tribunal Federal de Justicia Administrativa (TFJFA) por primera vez ordenó la reparación del daño.
Jacinta confió ciegamente en la justicia mexicana; creyó en que por fin se le restituirían sus derechos violados, pero la PGR no quedó conforme con la sentencia del TFJFA por no querer aceptar su error, entonces también impugnó a través de un recurso de “revisión fiscal”. Además, solicitó la atracción del caso a la Suprema Corte de Justicia de la Nación (SCJN).
La SCJN se hizo como si la virgen le hablara y no analizó el asunto. La impugnación de la PGR la conoció el Tercer Tribunal Colegiado en Materia Administrativa del Primer Circuito, que sesionó el 19 de mayo y dictó sentencia a favor de Jacinta. Alberta y Teresa siguieron procesos similares. La versión pública de la resolución se dio a conocer el pasado lunes 20 de febrero del 2017.
En su defensa, la PGR en su plan de no reconocer su error reviró que la PGR no es el Estado mexicano y, por tanto, no pueden obligarlos a pagar las indemnizaciones, porque no fue su error y porque quien cometió el error fue el juez que las condenó a prisión.
Sin embargo, la PGR como institución sí tiene la culpa porque como autoridad que sirve para mantener el orden público, castigar a los culpables y hacer justicia falló al permitir que tal injusticia se llevara a cabo. Además, si nos montamos en la realidad, es imposible que tres civiles desarmadas pudieran secuestrar a seis agentes bien entrenados y armados hasta los dientes, a menos que las mujeres contaran con poderes sobrenaturales que influyeran en que el supuesto secuestro se llevara a cabo, entonces, sí sería posible.
El 21 de febrero de este año el procurador Raúl Cervantes ofreció una disculpa pública en que reconoció la inocencia de las tres mujeres indígenas otomíes acusadas falsamente en el 2006. Es la primera vez que ocurre un acontecimiento de este tipo.
A continuación, rescato algunas de las frases que Jacinta, Estela hija de Jacinta, Alberta y Teresa dieron en sus discursos mismas palabras que quedan grabadas en la historia mexicana.
Jacinta Francisco Marcial
“A veces decía yo que era secuestrador; secuestrador eran ellos que me llevaban a donde no conocía”.
“Lloraba en ese momento, decía qué hice para estar en este lugar. En el infierno estoy en este momento, hacía mucho frío. Al otro día, estaba contenta, porque mi familia estaba luchando para que esté afuera”.
“(Las reclusas me preguntaban) ‘¿Por qué estás aquí? ¿Que vienes por secuestro? Nadie te va a creer, ni nosotros que estamos aquí'”.
“Las personas que tenían delitos más graves son los que me ayudaron”.
Estela Hernández, hija de Jacinta
“Hoy nos chingamos al Estado”.
“(La PGR) reconoce de manera forzada que el caso citado fue un error”.
“Pedimos que no se sigan dando este tipo de casos, queda demostrado que ser pobre, mujer, indígena, no es símbolo de vergüenza”.
“Hasta que la dignidad se haga costumbre”.
“La vida y la libertad no se venden ni se compran. No son negociables”.
“A quienes nos preguntan por la reparación económica, les decimos que no se preocupen: nacimos sin dinero y nos iremos sin él”.
Teresa González Cornelio
“Esta disculpa pública es una gran victoria que cierra estos 11 años de lucha”.
“Quisiera darle un mensaje a las mujeres: que luchen, no se queden calladas, hasta que las autoridades las escuchen y la sociedad sepan la verdad. A veces por miedo nos quedamos calladas”.
“(Que las autoridades) se comprometan a que ya no va a volver a suceder que más personas vayan a parar a la cárcel por delitos que no cometieron”.
Alberta Alcántara Juan
“Busquen a las organizaciones. Siempre hay alguien que nos puede ayudar”.
Esta victoria es pequeña y grande a la vez: pequeña, porque aún siguen presas personas de comunidades originarias que están pagando penas en cárceles mexicanas por delitos que no cometieron y, grande, porque por primera vez en toda la historia la PGR aceptó su error y pidió una disculpa pública. Aunque los daños siguen sin ser reparados, pero no por ello deja de ser una gran victoria.
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Foto: Jessica Belmont @Jess_Belmont