Por Nadine Nascimento.
Em dois meses de governo Bolsonaro, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) publicou a autorização de 86 novos produtos elaborados com agrotóxicos, em média, 1,6 por dia.
Todos os ingredientes dos novos produtos já eram comercializados no Brasil. A novidade é que eles passam a ser autorizados para uso em novas culturas, para fabricação por novas empresas ou para serem associados em combinações com outros químicos. Com isso, o Brasil chega a 2.152 produtos elaborados com agrotóxicos em circulação.
Entre eles está o glifosato, já proibido na França por seu potencial cancerígeno. A Monsanto, fabricante do produto e hoje pertencente à Bayer, foi condenada nos EUA a pagar U$ 39 milhões a DeWayne Johnson, um jardineiro foi diagnosticado com um câncer após usar a substância na escola em que trabalhava. As últimas aprovações foram divulgadas na edição de 21 de fevereiro, do Diário Oficial da União. São 29 produtos, dos quais 13 foram classificados como extremamente tóxicos – maior grau de toxicidade possível.
De 2010 a 2016, os registros foram sempre abaixo de 20 por ano. Nos dois últimos anos o número subiu para 47 (2017) e 60 (2018), recorde batido em apenas 60 dias, com as 86 novas liberações.
“Metaforicamente, estamos abrindo as portas do inferno. Em termos científicos, é uma vulnerabilização maior da saúde humana e ambiental do Brasil, em função desse aumento estratosférico na autorização de novos produtos”, comenta Larissa Mies Bombardi, geógrafa, professora da USP e autora do Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia.
Entre os pesticidas com novos registros aprovados nesta semana está o Mancozebe, usado em culturas como arroz, banana, feijão, milho e tomate. Além do Piriproxifem, indicado para café, melancia, soja e melão. Ambos estão na classe I, ou seja, são considerados extremamente tóxicos e tem seu uso indicado para produtos que fazem parte da dieta de todos os brasileiros.
Segundo a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida em nota publicada em seu site “a liberação dos 86 agrotóxicos é um fato concreto, que retribui de imediato todo o apoio do agronegócio dado [a Jair Bolsonaro] durante as eleições”.
Procurado pela reportagem, o Ministério da Agricultura em nota afirma que os produtos foram “analisados e registrados, inclusive com emissão de cer?cado de registro, ainda no ano de 2018”. E reconhece que “nos últimos anos medidas desburocratizantes foram adotadas no âmbito dos três órgãos federais envolvidos (Mapa, Ibama e Anvisa), que possibilitaram o aumento signi?cativo nos números de agrotóxicos e a?ns registrados”.
Pacote do Veneno
O número recorde de registros acontece antes mesmo da aprovação do PL 6299/2002, conhecido como Pacote do Veneno, que pretende desregular a liberação de agrotóxicos no país. Aprovado em 2018 em comissão especial, liderada pela atual ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o projeto aguarda votação em plenário.
O PL prevê, por exemplo, que as análises para novos produtos e autorização de registros fiquem sob responsabilidade apenas do MAPA, que atualmente divide a função com a Anvisa e o Ibama. Seriam criados também um registro e autorização temporários para produtos que já sejam registrados em outros países. Além disso, a produtos com “risco aceitável” passam a ser permitidos e apenas produtos com “risco inaceitável” podem ser barrados.
“O PL do Veneno é um retrocesso muito grande na nossa Lei de Agrotóxicos de 1989, que mereceria, sim, ser modernizada. Mas a modernização deveria vir no sentido de, por exemplo, proibir agrotóxicos proibidos em outros países, proibir a pulverização aérea, que é proibida na União Europeia desde 2009 e o incentivo fiscal aos agrotóxicos”, considera Bombardi.
Para a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida “os agrotóxicos no Brasil já representam hoje um grave problema de saúde pública, e a inserção no mercado de mais produtos agravará ainda mais os perigos aos quais a população está submetida (…) os únicos beneficiados pelas liberações são as empresas detentoras dos registros, como a Monsanto, Cropchem, Syngenta e Sumitomo, e os políticos eleitos em nome dos interesses do agronegócio. A saúde da população brasileira fica, como sempre, em segundo plano.”