Por José Álvaro de Lima Cardoso.*
Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), nos cinco primeiros meses do ano a balança comercial acumula déficit de US$ 5,4 bilhões, frente a um superávit de US$ 6,261 bilhões em igual período do ano passado. De acordo com os dados do MDIC, este é o pior resultado no acumulado dos cinco primeiros meses do ano da série histórica, que tem início em 1993. Segundo o Banco Central (BC) entre janeiro a abril o déficit na conta de transações correntes (saldo comercial menos remessas para o exterior) alcançou US$ 33,18 bilhões, um aumento de 89,68% em relação ao déficit observado no mesmo período do ano passado (US$ 17,49 bilhões). A previsão de déficit externo para este ano, que vai mudando à medida que novos dados são divulgados, é de assustadores US$ 72 bilhões.
Em valores monetários, este, que é o pior resultado das contas externas desde 1947 (quando foi iniciada a série histórica), resulta da combinação de: a) aumento das remessas para o exterior, que alcançaram US$ 28,13 bilhões no primeiro quadrimestre, quase 30% superior à verificada no mesmo período do ano passado; b) queda expressiva do saldo comercial, que passou de US$ 3,33 bilhões no ano passado, para US$ -6,15 bilhões no primeiro quadrimestre deste ano. A queda do saldo comercial se deu, simultaneamente, em decorrência da aceleração das importações no período (de US$ 71,33 bilhões para US$ 77,62 bilhões), e uma queda das exportações (de US$ 74,65 bilhões para US$ 71,47 bilhões).
Alguns analistas, a começar pelos membros do BC, não vêm o comportamento das contas externas como um grave problema. Que pode inclusive comprometer o futuro da economia brasileira e abortar o incipiente processo de melhoria dos indicadores, verificado nos últimos anos. Pelo contrário, em face desses números, alguns até elogiam a capacidade de o Brasil captar “poupança externa”. O diagnóstico do BC, e de outros analistas, é que o Brasil está acertadamente aproveitando o elevado nível de liquidez internacional atual, já que o país é, como se sabe, um dos principais receptores de investimentos estrangeiros diretos no mundo.
O problema, é que esse tipo de análise desconsidera dois aspectos da questão: a) déficits externos são extremamente perigosos, especialmente no atual contexto de crise mundial prolongada e de desfecho imprevisível. Todas as graves crises que o país enfrentou nas últimas décadas têm em comum os déficits das contas externas; b) o investimento estrangeiro direto tem significado, na prática, o aprofundamento da desnacionalização da economia brasileira, ou seja, os capitais estrangeiros são destinados, em sua maioria, para a compra de empresas nacionais. Cobrir déficit externo com investimento estrangeiro aumenta a dependência do Brasil das estratégias dos grandes capitais internacionais. É fácil entender a lógica destes capitais: em face da escassez de alternativas de investimentos no mundo, investem em uma economia grandemente promissora, com grande potencial de crescimento e com amplo apoio político e financeiro (o BNDES financia vários empreendimentos estrangeiros em todo o Brasil) do Estado Brasileiro.
A análise do ranking das maiores empresas que atuam no Brasil mostra que um grande e crescente número delas é de capital estrangeiro, puro ou consorciado com capitais de origem nacional. Na região Sudeste, por exemplo, a mais dinâmica e industrializada do país, das 50 maiores empresas, 22 (44%) são estrangeiras ou têm capital estrangeiro na sua composição. Tais empresas, e este é um detalhe importante, estão geralmente posicionadas nos setores da economia que apresentam maiores taxas de retorno para os investimentos (comércio varejista, telecomunicações, veículos, farmacêutica e cosméticos e outros). As empresas estrangeiras que adquirem empresas brasileiras normalmente são megacorporações transnacionais, com estratégias globais e centros de pesquisa localizados em geral nos países onde ficam as suas sedes.
Não é por acaso que as remessas de lucros para o exterior vêm aumentando a cada ano e, somente no primeiro quadrimestre deste ano, alcançaram US$ 28,134 bilhões. E tudo pode ficar mais difícil se confirmadas as previsões de déficit na balança comercial para este ano, que alguns analistas estão projetando, o primeiro desde 2001. Num momento como esse, em que confluem as dificuldades (baixo crescimento, déficit externo, elevação da inflação) foi uma péssima notícia a capitulação do BC à pressão da grande mídia e do capital financeiro para elevação dos juros básicos da economia.
*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.