Por Bruno Soares.
O operador de produção F. N. M.* tombou inconsciente no chão de fábrica da Usiminas, em Ipatinga (MG), após inalar gás tóxico durante atividade manutenção de um dos altos fornos da siderúrgica – considerada a maior produtora de aços laminados planos da América Latina.
“O empregado realizava manobra de selagem da rede de BFG [Gás de Alto Forno] dos regeneradores do Alto Forno 2 portando o detector de monóxido de carbono desligado. Após não responder ao acionamento via rádio da sala de operação, outro empregado foi ao local e o encontrou inconsciente”, consta no Comunicado Preliminar de Ocorrência, datado na última sexta-feira (22). O documento, de circulação interna da Usiminas, vazou para fora dos muros da siderúrgica e, após três dias, chegou às mãos do Sindicato dos Metalúrgicos de Ipatinga (Sindipa).
“Isso revela a extrema falta de transparência da empresa em relação às condições de trabalho e à saúde e segurança de seus funcionários”, iniciou Geraldo Magela, presidente do Sindipa. De acordo com o sindicalista, o acidente deveria ter sido comunicado no dia em que ocorreu, conforme estabelecido em acordo coletivo. “E só nos passaram alguma informação nesta quarta-feira (27). Mesmo assim, somente após os procurarmos, sendo que a empresa tem por obrigação nos comunicar estes acidentes”, ressaltou.
A hipótese de omissão dos acidentes ocorridos dentro da Usiminas em Ipatinga é reforçada pelo procurador do Trabalho, Adolfo Jacob. Procurado pela reportagem, ele tomou conhecimento da ocorrência envolvendo F. N. M. depois de ser questionado sobre quais providências o Ministério Público do Trabalho (MPT) tomaria sobre o episódio.
“A empresa tem a obrigação de emitir o Comunicado de Acidente de Trabalho junto à Previdência Social, isto por força de lei. Já de acordo com o que prevê o Acordo Coletivo da empresa com o sindicato, os acidentes precisam ser noticiados também ao sindicato e ao MPT [no mesmo dia], o que não ocorreu. Tem sido recorrente sabermos do que acontece lá dentro de forma não oficial”, declarou o procurador, que determinou a abertura de um inquérito para investigar as causas do acidente.
Outro lado
Conforme informações repassadas pela empresa ao Sindipa, o trabalhador passa bem. “Eles nos disseram que ele foi levado ao hospital e recebeu alta no mesmo dia. Mas poderia ter morrido, já aconteceu em outros casos. Ainda não tivemos contato com o trabalhador. O CAT não foi enviado e parece que não será, o que está errado segundo a norma”, criticou Magela.
A reportagem entrou em contato com o Hospital Márcio Cunha, que teria atendido o trabalhador. Até o momento, a assessoria da unidade não respondeu aos pedidos de informação para confirmar o atendimento.
Questionada pelo Brasil de Fato, a Usiminas não respondeu sobre o estado de saúde do trabalhador. “A Usiminas informa que todos os acidentes ocorridos em suas plantas são devidamente comunicados aos órgãos responsáveis, conforme previsto no artigo 22 da lei 8.213. Em caso de ocorrências classificadas como “Com perda de tempo”, são comunicados também os sindicatos que representam os eventuais colaboradores, conforme as normas coletivas em vigor”, disse a siderúrgica por meio de sua assessoria de comunicação.
Acidentes nominados “com perda de tempo” são aqueles levam ao afastamento temporário ou permanente do trabalhador de suas funções para sua recuperação. Já os “sem perda de tempo” por pequenas escoriações ou lesões, não levando ao afastamento da rotina de trabalho. O Sindipa critica os critérios estabelecidos pela Usiminas para definir o enquadramento dos acidentes.
“A empresa fala muito da ‘cultura de segurança’, mas a cultura mesmo é a de esconder e minimizar os acidentes e as péssimas condições de trabalho. Não sabemos até agora se o trabalhador foi ou não afastado. Não temos nada oficial. O negócio é só lucrar. Os trabalhadores que vivenciam e sofrem isso diariamente sabem bem”, finalizou Geraldo Magela.
Segundo reportagem do The Intercept, a Usiminas já omitiu até a morte de um trabalhador em Ipatinga. Reginaldo José da Silva, que trabalhava em uma empresa terceirizada que atende a usina, recebeu uma descarga elétrica de 3 mil kW numa subestação de energia da siderúrgica. Ele foi hospitalizado e morreu quatro meses depois. O MPT tomou conhecimento da morte, ocorrida em 2016, apenas no início de 2018.