Por Claudia Weinman, para Desacato. info.
Nem ventos, nem ondas do mediterrâneo. A chegada de Portugueses ao Brasil, assim denominado, tem viés econômico, de mapeamentos pré-elaborados para o encontro entre brancos e ameríndios. Culturas diferentes em um cenário de exploração que se formara a partir desse período. Terra boa, matas, água, plantas e suas diferentes funções. Indígenas que viviam em terras Pindoramas. Portugueses que chegavam até estas culturas com ideal de exploração.
O surgimento das expressões culturais e as origens que constituem o povo Brasileiro na atualidade estão enraizados nas diversidades de povos que habitavam Pindorama, nas amarras de um contexto que tem vida antes de 1500 ou então, que se desenvolveu da maneira como conhecemos, ou desconhecemos, após esse período.
Dizimação, estupro, aproximação assomadiça de quem viu neste continente riqueza, produção, mão-de-obra barata. Darcy Ribeiro, Antropólogo, contribui com este pensamento. Para ele, falar em cultura, da nossa cultura e suas expressões, é fazer um ligamento profundo com os processos econômicos deste chão e trazê-lo como predominante para a formação de uma negação de identidade, chegando a considerar a formação de ‘Brasil’, uma verdadeira “tragédia”.
E falando em Brasil, logo nos vem à mente a tragédia que é esse estado burguês. Na Outra Reflexão de hoje vamos falar de uma história que não começou em uma data do calendário, mas a sua exploração, essa sim, foi agendada, calculada e imposta. Queremos falar hoje do Sul do Brasil, dos povos que estão sofrendo nesse espaço. Dos idosos que gritaram na última semana para defender seu povo. Dos que foram acusados de usar o corpo como arma contra homens, não indígenas, fortemente armados. Queremos falar de Passo Fundo, das terras boas que os gananciosos querem e precisam tocar com suas mãos, empresas, máquinas construídas para retirar a riqueza que pertence somente a terra.
Nos últimos anos temos acompanhado mais de perto os assuntos envolvendo os povos indígenas especialmente do Sul do Brasil. O Portal Desacato no Oeste Catarinense tem conseguido evidenciar os temas com o apoio cotidiano do Conselho Indigenista Missionário (CIMI – SUL) que nos coloca em proximidade das lideranças indígenas. Na terça-feira, dia 20, enviamos nossa companheira e Jornalista Julia Saggioratto para junto a lideranças do CIMI registrar a realidade dos indígenas que foram violentamente expulsos no último dia 15, de um território em Passo Fundo , na BR 285, próximo ao trevo de Marau, no Rio Grande do Sul.
A brigada militar junto com o Batalhão de Operações Especiais (BOE) promoveu uma ação cruel, covarde, de tortura a indígenas, inclusive idosos, com mais de 70 anos de idade. O braço truculento do estado burguês deixou pessoas feridas, crianças e mulheres sem terra, contaminadas com o gás lacrimogêneo e a angustia pelos disparos de balas de borracha e outras letais que atingiram os indígenas.
Não existe justificativa para a tortura a não ser a defesa por parte de quem a pratica, a esse sistema podre. O território onde estavam os indígenas é rico em água, perfeito para a exploração por parte de poderes locais. Os indígenas são para o capital, como sempre na história, o “empecilho” para que se promova a exploração de inúmeras áreas como essa, em Passo Fundo.
Desde que o governo brasileiro paralisou os processos de demarcação das terras indígenas a vulnerabilidade das famílias aumentou. Vivendo nas beiras das estradas, sem condição alguma de dignidade que somente será tida quando os povos tiverem suas terras, suas vidas, sua cultura respeitada, mas isso não cabe nesse sistema que vivemos.
O conselho Indigenista Missionário (CIMI) divulga a cada ano um novo relatório com dados referentes à violência e a violação praticada contra os direitos dos povos indígenas, contra suas vidas e o patrimônio. Em entrevista com um dos coordenadores do Cimi Sul ainda no ano passado, Roberto Liebgott que compôs a mesa de apresentação do relatório no dia 05 de outubro de 2017, em Brasília, disse que foram evidenciadas duas questões no documento. Primeiro porque a violência cometida durante o ano de 2016 se reproduziu no curso do governo de Dilma Rousseff, com políticas restritivas aos povos indígenas e sob o aspecto da morosidade e omissão dos acontecimentos e violações.
No entanto, com o golpe instaurado no país, o qual teve início no dia 2 de dezembro de 2015, quando o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha encabeçou o pedido dos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal, processo que teve uma duração de 273 dias, encerrando-se em 31 de agosto de 2016, quando Dilma Rouseff teve a cassação do mandato, mas sem a perda dos direitos políticos, a gravidade no âmbito das perseguições e retirada dos direitos dos povos aumentou.
O relatório apontou naquele momento o aumento da mortalidade infantil, de casos de suicídios em regiões como Amazonas e Tocantins onde até então não havia registros. Liebgott ressaltou que nos dados divulgados pelo governo não existe detalhamento de regiões ou faixa etária dos casos de assassinato e outras violências, apenas constam números. Outra preocupação levantada no documento e já discutida em outros momentos segundo ele é o fato de não haver política de fiscalização e proteção dos povos que vivem isolados, que não possuem contato com a sociedade e que em sua maioria vivem na região Amazônica.
A ofensiva em todo o Brasil e no mundo contra a vida dos povos vem de tempos. O não indígena que critica, que deseja a morte dos povos, não conhece a história, não compreendeu que Brasil é esse que vivemos hoje, não sabe sobre o velho pindorama.
É urgente a responsabilização de quem promove essas práticas e que sejam garantidos aos povos os direitos constitucionais, à sua autodeterminação. Enquanto que a nossa tarefa continua sendo no chão de luta, defendendo nossos companheiros/as indígenas, defendendo a terra, a água, o território. Outro dia alguém me disse uma frase que me emocionou profundamente e refere-se principalmente aos governos progressistas: “Entre as cercas e as margens de estrada tem crianças indígenas que não veem perspectiva de futuro. Estão se suicidando aos 10 anos de idade. Os líderes progressistas prometeram a demarcação e onde ela está”?
Minha/Nossa solidariedade aos indígenas do Rio Grande do Sul e do todo o território.
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Claudia Weinman é jornalista, diretora regional da Cooperativa Comunicacional Sul no Extremo Oeste de Santa Catarina. Militante do coletivo da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e Pastoral da Juventude Rural (PJR).
Exterminar populações nativas para ocupar seus territórios é uma tradição brasileira. Começou no ano de 1500, quando o conquistador português desembarcou da caravela e avistou no litoral da Bahia índios que habitavam há séculos as terras anunciadas como recém-descobertas. Apesar de hoje ser tratado como herói por ter percorrido epicamente longas extensões do território brasileiro durante o Período Colonial, o bandeirante foi, antes de tudo, um genocida. Entrava nos sertões à frente de uma comitiva armada e buscava populações indígenas. Ao encontrá-las, destruía aldeias, trucidava homens, mulheres e crianças indistintamente e conduzia os sobreviventes – acorrentados – até os engenhos de cana-de-açúcar onde os vendia como escravos. O extermínio dos povos originários foi amparado na Doutrina da Guerra Justa, utilizada pelo colonizador para banalizar a morte dos pagãos resistentes à chegada do progresso. Pagãos, infiéis, gentios bárbaros, tapuios, caboclos, caiçaras ou bugres eram pejorativamente chamados os povos que não compartilhavam com o colonizador religião, idioma e costumes e chegada do progresso significava a ocupação de suas terras pelo estrangeiro invasor. A História do Brasil precisa ser revista para se resgatar a verdade negligenciada nos livros didáticos, omissos em relação à política genocida praticada há 500 anos pelo Estado Brasileiro contra povos originários. Índios avistados nos semáforos das cidades brasileiras, pedindo esmolas para garantir a sobrevivência, provam que a tradição continua, porém com versão atualizada. Chegada do progresso significa, hoje, expulsar populações indígenas de suas terras, derrubar a floresta e implantar nelas atividades altamente lucrativas que destroem o meio ambiente e desestruturam a organização social indígena. Quem lucra com a mineração à base de mercúrio que contamina rios e lagos onde os índios pescam e bebem; com o comércio clandestino de madeira e carvão que reduz florestas inteiras a montes de toras e brasas; com a plantação extensiva de milho e soja que abusa dos agrotóxicos e torna o Brasil o maior consumidor de venenos do planeta; com hotéis de luxo construídos em praias de beleza paradisíaca à custa da expulsão de comunidades tradicionais que habitavam a região há séculos, e com os projetos de usinas hidrelétricas executados sem respeitar estudos de impacto ambiental e social ?
https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2013/04/19/interna_politica,373440/documento-que-registra-exterminio-de-indios-e-resgatado-apos-decadas-desaparecido.shtml
http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-09-25/construcao-de-rodovias-no-governo-militar-matou-cerca-de-8-mil-indios.html