Testes para COVID-19: pesquisadora explica qual fazer e como interpretar os resultados

Foto: Pexels

Por Letícia Kawano.

Nesse post tenho a intenção de ajudá-lo a entender melhor sobre os testes disponíveis para o diagnóstico de covid19, o que tem como consequência direta uma melhor capacidade de interpretação de seus resultados.

Adianto que esse post não seria necessário se os testes para Covid19 fossem perfeitos. Por perfeito eu quero dizer: se seu resultado fosse sempre positivo na presença de infecção, e se fosse sempre negativo quando a pessoa não estivesse infectada. Como este não é o caso dos testes para Covid19, então é preciso entender melhor qual teste solicitar, quando, e como interpretar seus resultados.

Esse post tem como público alvo a população geral não familiarizada com a área de medicina. Para mais iniciados, sugiro os posts excelentes do colega Ricardo Parolin sobre o assunto, aqui.

Quais são os testes diagnósticos disponíveis no mercado (em julho de 2020) e o que eles detectam?

Temos atualmente 3 tipos de testes:

  • RT-PCR (reverse-transcription polymerase chain reaction) para SARS-CoV2, que detecta se o RNA do vírus está presente no corpo (mais comum a coleta em nasofaringe, mas pode ser feita em outros fluidos corporais). Não confundir com PCR de proteína C-reativa, um marcador de inflamação.

  • A sorologia, que detecta a presença de anticorpos* para Covid19 no sangue.

  • Os testes rápidos, que detectam a presença de anticorpos* para Covid19 no sangue da ponta de dedo.

Anticorpos são parte da resposta imune do nosso corpo ao vírus. São produzidos pelo nosso sistema de defesa. Note que a sorologia e os testes rápidos se baseiam no mesmo princípio (detecção de anticorpos).

O RT-PCR para SARS-CoV2 serve para esclarecer se a pessoa está com a Covid19 no momento presente em que o teste é feito.

Como o RT-PCR detecta o RNA do vírus (ou seja se o vírus está presente na nasofaringe), esse exame só tem utilidade na investigação de uma suspeita de doença no momento presente (seja ela assintomática ou sintomática). Trata-se de um exame com boa especificidade, querendo dizer que quando ele é positivo, muito provavelmente se trata de um verdadeiro positivo. Por outro lado, a sensibilidade do RT-PCR para SARS-CoV2 não é tão boa quanto sua especificidade (mais aqui), e vemos de fato isso na prática: quadros típicos de Covid19 com um ou dois RT-PCRs negativos até vir um 3o RT-PCR positivo! O RT-PCR fica positivo em média até 3-4 dias (as vezes 7 dias) após fim dos sintomas de Covid19 podendo se estender por mais tempo em casos mais graves.

TROCANDO EM MIÚDOS:

O RT-PCR não serve para investigar a possibilidade de um episódio de Covid19 no passado.

Um resultado positivo de RT-PCR para Covid19 significa Covid19

Um resultado negativo de RT-PCR para Covid19 muito provavelmente indica que não se trata de Covid19 principalmente na ausência de quadro clínico sugestivo. No entanto, se a manifestação clínica é muito sugestiva, vale a pena repetir o exame para confirmar.

Para diagnosticar um episódio de Covid19 no passado, o teste ideal é aquele que detecta a presença de anticorpos para SARS-CoV2 ( a sorologia ou teste rápido), pois os anticorpos permanecem no corpo mesmo após o fim da infecção

Sobre a detecção de anticorpos: a sorologia no sangue tem melhor capacidade de detectar os anticorpos para Covid19 se comparada aos testes rápidos, e isso tem a ver com várias questões técnicas gerais, dentre elas a técnica de mensuração utilizada: enzyme linked immunosorbent assays (ELISAs) ou chemiluminescent immunoassays (CLIAs) são mais usados na sorologia (e têm melhor acurácia) enquanto que o lateral flow immunoassays (LFIAs) nos testes rápidos (menor acurácia).

TROCANDO EM MIÚDOS:

– O tipo de teste (sorologia ou teste rápido) que você escolhe para diagnosticar a Covid19 importa na interpretação. No mercado brasileiro atualmente a marca de sorologia com melhor performance é a da Roche, o kit elecsys, que é uma CLIA para detecção de IgG/IgM.

– A técnica de CLIA (chemiluminescent immunoassays) é a mais sensível. Se você puder checar se o teste a ser feito é por meio da técnica de quimioluminescência, você vai ter um resultado mais confiável.

– Um resultado negativo em um teste rápido pode ser um falso negativo tendo em vista sua baixa sensibilidade. Isso é mais provável se a probabilidade de ter tido Covid19 é alta. Exemplo: presença de sintomas típicos no passado e contato com Covid19.

– Um resultado positivo em um teste

– Um resultado positivo em um teste rápido também pode ser falso positivo, principalmente se ausência de estória de sintomas típicos.

– O risco de falso negativo é maior que o risco de falso positivo.

Sempre que o resultado do teste rápido não bater com o contexto clínico, o ideal é repetir a testagem por outro método (ex. sair do teste rápido para a sorologia por CLIA)

Sobre a interpretação variável do resultado de um teste a depender da probabilidade de ter tido a Covid19, sugiro esse gráfico interativo do BMJ aqui.

Eventualmente, é possível usar a detecção de anticorpos (sorologia ou teste rápido) para diagnosticar a Covid19 no momento presente:

Mais para o fim da doença, depois do 7o. dia de evolução, melhor ainda se for após o 14o. dia, ainda é possível ter sintomas de Covid19 (inclusive com presença do vírus na nasofaringe detectado por RT-PCR) e já conseguir detectar seus anticorpos.

No entanto, nesse momento, a detecção de anticorpos é abaixo do ideal, porque a concentração no sangue dos anticorpos ainda está subindo e a chance de falso-negativo aumenta muito. PROBLEMA: sorologia (ou teste rápido) positiva(o) numa fase precoce dos sintomas pode representar infecção no passado, e os sintomas atuais serem por outro motivo.

Na presença de sintomas, prefira sempre o RT-PCR.

Vejam esse gráfico do artigo de Long QX et al, Nature, 2020, abaixo mostrando a cinética de anticorpos para Covid19 em 285 pacientes:

Note que com 5-7 dias de sintomas a taxa de resultados positivos é na melhor das hipóteses em torno de 60%. A sensibilidade melhora por volta do 14o dia e fica de fato boa por volta do 21o dia após início dos sintomas. Note também que a detecção de IgM tem sempre sensibilidade inferior se comparada a detecção de IgG.

Nesse mesmo estudo, uma pequena proporção de pacientes (2/63 – 3%) não formou anticorpos. Outro fato relevante é que a maneira com a qual surgiram os anticorpos se deu de 3 maneiras igualmente distribuídas: IgM e IgG ao mesmo tempo; IgM antes da IgG, e IgG antes da IgM.

Ok, depois dessa introdução teórica, vamos simular alguns cenários para ajudar a entender melhor a interpretação dos testes?

  • Tive Covid19 confirmado por RT-PCR no passado, agora fiz a sorologia (ou teste rápido) e deu negativo. Isso significa que não estou imune? Ou que não era Covid o que tive?

Primeiro ponto, lembra que eu expliquei acima que um resultado de RT-PCR positivo é bastante confiável? Ainda mais juntando com sintomas típicos! Então a primeira conclusão é que você teve Covid19. A sorologia negativa pode ser por um falso negativo ou o nível dos anticorpos baixou para indetectável.

Numa proporção de indivíduos que tiveram Covid19, os anticorpos tornam-se indetectáveis. Não sabemos ao certo se isso significa susceptibilidade precoce ( menos de 6 meses) à re-infecção. O mais é provável que não seja isso, pois não temos relatos de reinfecção precoce no mundo.

  • IgM positivo significa necessariamente que eu estou infectando as pessoas? Preciso esperar o IgM ficar negativo para voltar ao convívio social?

Resposta curta: não. Resposta mais bem explicada nesse vídeo curtinho: aqui.

Para retornar ao convívio social após um episódio de Covid19, a recomendação é, idealmente, aguardar 7 dias após o fim dos sintomas, aceitável 4 dias após o fim dos sintomas. Mais detalhes nesse meu outro vídeo aqui.

  • Quero a minha empresa “livre de Covid”. Para isso vou testar todos os funcionários todos os dias na entrada com teste rápido: aqueles que forem positivos não poderão entrar, aqueles que forem negativos podem entrar. Está correto?

Errado. Com essa medida coloca-se para dentro as pessoas suscetíveis e as pessoas transmitindo Covid19 (mas ainda sem anticorpos para serem detectados) e coloca-se para fora as pessoas que provavelmente já estão imunes à Covid19.

Para fazer uma estratégia dessa de “empresa livre da Covid” o teste para ser usado é o RT-PCR, aquele que indica a presença do vírus AGORA. Alguns hospitais Norte-Americanos, por exemplo, testavam todos os profissionais de saúde com RT-PCR a cada 48h para garantir que não havia ninguém contaminado com risco de transmissão para pacientes e demais membros da equipe.

O mesmo raciocínio serve para uma reabertura progressiva da sociedade: o teste que ajuda a reabertura segura é o RT-PCR, e não os testes rápidos pois o RT-PCR oference a capacidade de idenficar infectados e removê-los de circulação por 14 dias (quarentena) permitindo que apenas pessoas sem Covid19 circulem livremente.

  • Nunca tive sintomas de Covid19 e segui esse tempo todo em isolamento. Fiz o teste rápido por curiosidade e deu positivo, isso significa que tive Covid19 de forma assintomática e estou imune?

Muito provavelmente não, o mais provável é que seja um resultado falso positivo. Por dois motivos: primeiro, porque sua probabilidade pré-teste de ter tido Covid19 é baixa (não teve sintomas, estava em isolamento). Segundo, porque os assintomáticos frequentemente não tem anticorpos detectáveis. Então tudo leva a crer que seja um falso positivo. Para tirar a dúvida faça a sorologia no sangue pela técnica de quimioluminescência (CLIAs (chemiluminescent immunoassays) ).

Espero que tenha ficado mais claro! Vamos em frente!

***

Leticia Kawano Dourado é doutora em pneumologia pelo HCFMUSP, médica pneumologista e pesquisadora do Hospital do Coração em São Paulo. Integra o time de pesquisa da Coalizão Brasil Covid19. E é autora desse blog aqui.

 

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