Por Rolf Kuntz.*
Os apuros financeiros do governo se tornaram mais dramáticos, nas últimas semanas, com a rebelião da base aliada. “Petistas já boicotam ajuste fiscal de Dilma”, noticiou o Globo em manchete na terça-feira (10/2). “Governistas do Congresso ameaçam ajuste fiscal”, deu a Folha de S.Paulo no mesmodia. O assunto seria um dos mais importantes, nos grandes jornais, nos quatro dias antes do carnaval. Companheiros do PT e parlamentares aliados abriam fogo amigo contra a política de redução de benefícios trabalhistas e previdenciários.
Ainda na terça-feira, a aprovação de uma nova regra para liberação de verbas orçamentárias complicou a gestão das contas públicas. ”Câmara derrota o governo e aprova orçamento impositivo”, contou a manchete do Estado de S.Paulo. Notícias e comentários de jornais e tevês mostraram a principal implicação política dessa mudança. O Executivo perderia um instrumento de barganha: a transferência de recursos para execução de emendas deixaria de depender de seu arbítrio. Seria alterada a relação entre poderes.
Mas ninguém avançou na discussão dos efeitos econômicos da mudança. Uma das consequências era óbvia: a perda parcial de controle sobre a programação financeira. Talvez nem valesse a pena gastar muito espaço com esse ponto. Mas há outra questão muito mais importante, no longo prazo, e geralmente ignorada.
Boa parte das emendas tem interesse estritamente local. Tem sentido usar a lei financeira da União como se fosse um gigantesco orçamento municipal? Não seria mais adequado usar verbas federais para programas e projetos de maior alcance? As emendas paroquiais obviamente reduzem a racionalidade e a eficiência do orçamento federal, mas esse ponto fica sempre fora das discussões e análises.
Esforço da equipe
Finanças públicas foram notícia, também, com a apresentação do Plano Anual de Financiamento (PAF). O governo deverá gastar R$ 634,8 bilhões neste ano para manter em dia o serviço da dívida pública, mas no orçamento só está prevista uma verba de R$ 147,1 bilhões.
Para fechar as contas, será preciso arrumar no mercado R$ 487,7 bilhões. Falta saber se os donos desse dinheiro estarão dispostos a emprestá-lo e, nesse caso, quanto cobrarão de juros.
Segundo o secretário do Tesouro Marcelo Saintive, serão mantidos em 2015 os esforços para alongar o prazo médio da dívida e torná-la mais administrável, A dívida federal chegou a R$ 2,29 trilhões no ano passado; este ano deverá ficar entre R$ 2,45 trilhões e R$ 2,6 trilhões, de acordo com as projeções oficiais. Simples assim?
Nem tanto, mas, para tratar desse assunto, seria preciso levar em conta a disposição dos financiadores. Na quinta-feira (12) os jornais apenas cumpriram a obrigação chata de publicar os números principais do PAF, com as avaliações dos funcionários do Tesouro e dois destaques muito mais atraentes que aquela sopa de números.
Não há, no plano, previsão de novos empréstimos a bancos públicos ou de ajuda a estatais. É uma novidade politicamente importante, depois do repasse, nos últimos anos, de mais de R$ 400 bilhões ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Essa restrição está de acordo com a orientação da equipe econômica de cortar subsídios e de mudar os critérios de financiamento com recursos públicos. Esse foi um dos destaques do noticiário.
O outro foi a mensagem do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, na página de apresentação do PAF. Ele reafirmou as promessas de austeridade e o compromisso de arrumar os fundamentos da economia. Segundo a mensagem, a disciplina fiscal e a estabilidade de preços são “valores indispensáveis para a sustentação do crescimento e a busca de uma sociedade mais justa e aberta”.
Curiosamente, o noticiário ressaltou a expressão “sociedade justa”, sem valorizar o adjetivo “aberta”, muito importante num tipo de vocabulário político (lembrem-se, por exemplo, de A Sociedade Aberta e seus Inimigos, do austríaco Karl Popper). Nenhum redator ou editor parece ter-se perguntado por que o ministro usou dois qualificativos, “justa” e “aberta”, nem se isso era novidade na comunicação governamental.
O ministro da Fazenda tem insistido, em quase todos os seus pronunciamentos, em mostrar o esforço da equipe econômica para restabelecer a confiança na política oficial e na economia brasileira. Essa mensagem foi levada por ele e pelo presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, até Istambul, para a reunião do Grupo dos 20 (G-20). Lá estiveram, além de representantes oficiais das maiores economias do mundo, dirigentes de grandes bancos internacionais.
Resgate líquido
Confiança é um requisito crucial para investimentos produtivos e também para o financiamento das contas públicas. O custo desse financiamento é determinado, em boa parte, pela avaliação de risco, mas outros fatores, como a política monetária dos grandes bancos centrais, também podem afetar as decisões. Este é um dos pontos cegos, quando se elabora um documento como o PAF.
No ano passado, a confiança foi insuficiente para facilitar a rolagem dos papeis do Tesouro. O Valor foi o primeiro jornal a chamar a atenção para isso, no trimestre final de 2014. Agora, foi novamente o primeiro a mostrar a dificuldade do Tesouro no fim do ano. A matéria saiu na sexta-feira (13/2), com chamada na capa. Com dificuldade para rolar a dívida, o governo foi obrigado a resgatar um volume considerável de papéis. A alternativa seria pagar aos aplicadores juros bem mais altos que aqueles já pagos nos meses anteriores.
Feito o resgate, foram realizadas duas emissões de papéis para a carteira do BC, no total de R$ 53,6 bilhões. O BC usaria esses títulos na execução da política monetária. Seria preciso enxugar o dinheiro posto em circulação nas operações de resgate. No ano passado, o resgate líquido gerou, segundo o BC, uma expansão monetária de R$ 164,3 bilhões, informou a matéria assinada por Alex Ribeiro. Mais uma vez a disposição de enfrentar e decifrar aqueles números chatinhos gerou uma bela matéria e fez a diferença.
* Rolf Kuntz é jornalista
Fonte: Observatório da Imprensa