“A reforma da Previdência expulsa as pessoas do sistema; a trabalhista cessa o pagamento. E você vai ter uma migração para a previdência privada. Então, seja pela expulsão, pela cessação do pagamento ou pela migração, é uma queda brutal na receita”.
Para o professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Eduardo Fagnani, o projeto que libera a terceirização – somado a Projeto de Lei 6787/2016 (que tramita no Congresso e estabelece que as negociações coletivas podem se sobrepor à legislação) e à própria Reforma da Previdência – pode inviabilizar financeiramente o sistema previdenciário brasileiro. “Vai quebrar a Previdência”, alertou.
De acordo com ele, no Brasil de hoje, há cerca de 79 milhões de trabalhadores atuando no setor privado. Destes, 39% não têm carteira assinada. “E, se pegar um conceito de informalidade mais amplo, e incluir aí o empregador que contribui individualmente e o trabalhador por conta própria, que, embora tenha carteira, não tem regularidade na contribuição previdenciária, vou ter 51% desses trabalhadores que ou não contribuem ou têm contribuição irregular. Ou seja, tenho 40,6 milhões nessa situação”, disse.
Fagnani avaliou que este é um quadro que tende a piorar rapidamente, com a aplicação da reforma trabalhista do governo Temer. “Se eu somar o efeito da terceirização e das outras mudanças nas leis trabalhistas, posso jogar esse percentual [51%], em cinco ou dez anos, para algo em torno de 70%. Setenta por cento que não contribuem ou têm contribuição irregular”, previu.
Segundo ele, a aprovação da terceirização irrestrita – que ainda precisa passar pela sanção presidencial –, deve desencadear um processo no qual os trabalhadores com carteira assinada serão demitidos e recontratados de outra forma, mais precária, com impacto sobre a arrecadação da Previdência. “Vai ter tudo isso, pejotização, contrato por tempo determinado – que agora passou de três para seis meses -, e aí as alíquotas previdenciárias são muito menores”, disse, vislumbrando uma queda forte nas receitas do sistema.
Trata-se de um cenário que deve ser ainda mais agravado caso seja aprovado também o negociado sobre o legislado e a reforma da Previdência. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que Temer enviou ao Congresso alterando as regras da aposentadoria estabelece que homens, mulheres, trabalhadores urbanos e rurais, só poderão se aposentar a partir dos 65 anos e depois de 25 anos de contribuição. Mesmo assim, apenas terão direito a 76% do benefício. Para conquistar o direito aos 100%, será preciso contribuir por 49 anos.
“O trabalhador rural não tem capacidade de contribuição mensal, ele não vai contribuir. Os jovens sabem que vão entrar no mercado de trabalho e terão que trabalhar 49 anos ininterruptamente com carteira assinada para se aposentar aos 65. Qual é o estímulo que eles têm? Não têm estímulo para contribuir. E os trabalhadores de média e alta renda vão migrar para os planos privados de Previdência”, projetou.
Neste contexto, Fagnani defendeu que não é despropositado dizer que, em cinco ou dez anos, haverá uma “queda brutal” da receita do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), responsável pelo pagamento da aposentadoria e demais benefícios aos trabalhadores brasileiros, com exceção de servidores públicos. “Isso pode quebrar financeiramente a Previdência. Aí vai ter déficit mesmo, estou falando em quebrar o INSS”, advertiu.
Ele contestou o discurso do governo, que tem dito que quem está aposentado não será afetado pela reforma previdenciária. “É mentira. Você pode chegar daqui a dez anos e dizer que não tem dinheiro para pagar. É factível pensar nisso”.
“A reforma da Previdência expulsa as pessoas do sistema; a trabalhista cessa o pagamento. E você vai ter uma migração para a previdência privada. Então, seja pela expulsão, pela cessação do pagamento ou pela migração, é uma queda brutal na receita”, reiterou.
O mesmo governo que alega que a reforma é necessária porque há um déficit crescente na Previdência – algo que diversos economistas negam -, age de forma a reduzir a base de arrecadação do sistema. “Eles dizem que vai ter mais déficit porque o país vai ter mais velhos. Eu digo que vai ter déficit porque vai ter uma subtração brutal da receita”, afirmou Fagnani.
O economista e pesquisador André Calixtre também apontou, em publicação em sua página no Facebook, os efeitos negativos da terceirização sobre a arrecadação Previdência. “O esvaziamento do RGPS [Regime Geral de Previdência Social], principal objetivo oculto da Reforma [da Previdência], poderia ocorrer por duas vias: pelas regras [estabelecidas PEC 287], ou pelo próprio mercado de trabalho. Com a terceirização, ganha a segunda. Haverá uma explosão de ‘PJs’, trabalhadores assalariados travestidos de pessoas jurídicas, que deteriorará a base contributiva do INSS. A crise fiscal da previdência é iminente”, escreveu.
A professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, Laura Carvalho, também comentou o assunto nas redes sociais. “Sustentar a Previdência passa necessariamente por manter altos níveis de emprego e formalização. A prioridade parece não ser nenhuma das duas coisas. Aprovaram agora o PL da terceirização: imaginem um mundo de trabalhadores contratados como Empreendedores Individuais, contribuindo apenas 5% sobre o salário mínimo para a Previdência. E o empregador, nada. Em meio a todo esse debate, um PL que pode reduzir a base de arrecadação do sistema e elevar o tal rombo na Previdência no curto prazo. Interessante”.
Terceirizar não gera emprego
Os defensores da terceirização argumentam que a aprovação do projeto que libera a prática em todas as atividades das empresas ajudará a gerar empregos. Eduardo Fagnani é enfático ao desconstruir a tese. “Isso é bobagem. Pelo contrário. Vamos pegar o exemplo da Espanha que, nos anos 90, flexibilizou radicalmente a legislação trabalhista. Lá, o desemprego chegou a 23% e, entre os jovens, atingiu 50%. Há vários estudos que mostram isso”, disse.
Segundo ele, a questão da geração do emprego em nada tem a ver com a precarização dos empregos. Prova disso é a situação do Brasil de poucos anos atrás. “O país aumentou o salário mínimo 70% acima da inflação e o emprego cresceu”.
“A questão do emprego não é um problema de oferta no mercado de trabalho: ‘ah, agora tem um pessoal que topa trabalhar sem direito, sem carteira assinada, então vai aumentar o emprego’. Não. O problema é a demanda dos empregados. Se existe demanda por emprego, você emprega, o salário sobe. Se tiver consumo, o empresário vai ser forçado a ampliar sua planta, sua produção, então ele vai contratar com vínculo formal ou sem vínculo formal, por que ele precisa”, defendeu.
Fonte: Alerta Social.