Por Jane Wakefield.
Em um memorando interno de 6.600 palavras para colegas de trabalho, a cientista de dados Sophie Zhang disse que, sem supervisão, tomou decisões “que afetaram presidentes” de países ao redor do mundo.
“Tenho sangue nas mãos”, escreveu ela no memorando, do qual partes foram publicadas pelo site Buzzfeed sem seu conhecimento.
Em resposta, o Facebook disse que está “trabalhando muito para impedir maus usuários e comportamentos não autênticos.”
Em seu memorando, Zhang afirmou: “Nos três anos que passei no Facebook, encontrei várias tentativas flagrantes de governos nacionais e estrangeiros de abusar de nossa plataforma em grandes escalas para enganar seus próprios cidadãos e criar notícias internacionais em várias ocasiões.”
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“Eu pessoalmente, sem supervisão, tomei decisões que afetaram presidentes e agi contra tantos políticos proeminentes globalmente que perdi a conta”, acrescentou ela.
Segundo o Buzzfeed, que disse ter compartilhado apenas as partes de seu memorando que eram de interesse público, Zhang recusou um pacote de indenização de Us$ 64 mil (R$ 335 mil), sob a condição de que ela não compartilhasse seu memorando.
Em resposta, o Facebook afirmou: “Construímos equipes especializadas, trabalhando com os principais especialistas, para impedir que malfeitores abusem de nossos sistemas, resultando na remoção de mais de 100 redes por comportamento coordenado não autêntico.”
“É um trabalho muito complicado que essas equipes fazem em tempo integral. Trabalhar contra comportamentos não autênticos coordenados é nossa prioridade, mas também estamos abordando os problemas de spam e falso engajamento”, acrescentou a empresa.
“Investigamos cada questão cuidadosamente, incluindo aquelas levantadas por Zhang, antes de tomarmos medidas ou de fazer afirmações públicas como uma empresa”, disse o Facebook.
No memorando, ela cita diferentes exemplos de manipulação política ou tentativa de manipulação no período em que esteve no Facebook, entre eles:
– 10,5 milhões de falsas reações e falsos seguidores foram removidos de perfis de políticos de destaque no Brasil e nos Estados Unidos nas eleições de 2018 (respectivamente, presidencial e legislativa).
– O Facebook, diz ela, demorou nove meses para agir com base em informações de que robôs (bots) estavam sendo usados para impulsionar o presidente de Honduras, Juan Orlando Hernandez.
– No Azerbaijão, o partido do governo usou milhares de robôs para perseguir a oposição
– Um pesquisador da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) informou ao Facebook ter encontrado atividades oriundas da Rússia sobre um grande figura política americana, as quais teriam sido removidas por Zhang.-
Contas falsas de robôs foram descobertas na Bolívia e no Equador, mas o problema não foi priorizado pelo Facebook devido à carga de trabalho, segundo ela.
– Zhang diz que descobriu e removeu 672 mil contas falsas que atuavam contra ministros da Saúde em todo o mundo durante a pandemia
– Na Índia, Zhang diz que trabalhou para excluir uma sofisticada rede com mais de mil usuários que trabalhavam para influenciar uma eleição local em Nova Déli.
“O Facebook projeta uma imagem de força e competência para o mundo exterior, mas a realidade é que muitas de nossas ações são acidentes imprudentes e descuidados.”
Ela disse que a necessidade de tomar inúmeras decisões sobre muitos países diferentes afetou sua saúde e a fez se sentir responsável por distúrbios civis em locais que ela não priorizou.
Suas revelações vieram à tona apenas uma semana depois que o ex-engenheiro do Facebook Ashok Chandwaney acusou a empresa de lucrar com a disseminação de ódio.
Carole Cadwalladr, a jornalista do Reino Unido que expôs o escândalo envolvendo o uso de dados do Facebook pela consultoria Cambridge Analytica, tuitou: “A velocidade e a escala dos danos que o Facebook está causando às democracias em todo o mundo são verdadeiramente aterrorizantes.”
Na análise de Marianna Spring, repórter da BBC especializada em desinformação, ”o memorando explosivo confirma as preocupações que foram levantadas há muito tempo sobre a capacidade do Facebook de enfrentar a interferência estrangeira e as campanhas de desinformação”.
Mas, embora a maioria dos olhos esteja voltada para a interferência russa na política dos Estados Unidos após a eleição de 2016, o testemunho da ex-funcionária chama a atenção para eventos democráticos para além do Ocidente.
O fracasso do Facebook em lidar com a desinformação em outros idiomas foi investigado durante a pandemia — o memorando alega que a empresa já lutou para combater as campanhas de interferência em países que não falam inglês.
”O memorando também levanta grandes preocupações sobre a enorme responsabilidade concedida aos moderadores do Facebook, cujas decisões podem afetar eventos democráticos, resultados políticos e a vida das pessoas em todo o mundo”, prossegue Spring.
”Isso, sem dúvida, aumentará as preocupações sobre o trabalho do Facebook para enfrentar as campanhas de interferência e desinformação à medida que as próximas eleições nos EUA se aproximam. Mas deve nos lembrar que o Facebook também desempenha um papel em eventos democráticos fora dos Estados Unidos”.