Por Luiz Carlos Azenha.
Viomundo.
“Michel Temer é sócio íntimo de Eduardo Cunha em tudo o que você possa imaginar”, disse o ex-ministro Ciro Gomesem recente entrevista a Mariana Godoy.
Para Ciro, Cunha não é homem de Temer, mas o inverso.
Temer nunca foi unanimidade em seu próprio partido.
Afinal, o PMDB é uma federação de interesses regionais onde o poder está intimamente ligado à capacidade de financiamento de campanhas ou à concessão de benesses com as canetas que abrem os cofres públicos.
Temer sempre manteve a fachada de constitucionalista.
Cunha nunca teve estas veleidades intelectuais: é o operador nato, desde que presidiu a Telerj como integrante do PRN, no governo Collor, e a Companhia Habitacional do Rio de Janeiro, a CEHAB, no governo de Anthony Garotinho, já no PPB, de onde saltou para o PMDB.
Cria de PC Farias, o tesoureiro de Collor, Cunha é isso: homem da grana e da informação de bastidores.
Em recente entrevista ao New York Times, Temer disse que não pretende exigir a renúncia dele da presidência da Câmara.
Os motivos são óbvios, mas não custa elencá-los.
O deputado carioca tem uma faca apontada contra o pescoço do vice: o processo de impeachment contra Temer pelas mesmas pedaladas fiscais que levarão a presidente Dilma a julgamento no Senado.
Cunha foi obrigado a abrir o processo pelo STF. Porém, como já demonstrou ao longo dos últimos meses, ele não tem qualquer escrúpulo ao manipular o regimento para fazer andar ou não as matérias de seu interesse pessoal.
Assim que o Senado abrir o processo contra Dilma, ela será afastada e Temer assume por ao menos 180 dias. Especula-se que Cunha conseguirá emplacar o próximo chefe da AGU, a Advocacia Geral da União.
A capa da revista Veja denunciando Cunha neste final de semana é reflexo do claro desconforto entre os golpistas com a presença de Cunha na linha sucessória de Temer. Isso é ruim para a imagem do golpe.
Cunha talvez aceite deixar a presidência da Câmara, desde que consiga manter o mandato.
Neste momento, depois de liderar a campanha pelo impeachment de Dilma, ele está no controle da situação. Uma jogada de bastidores entre partidos aliados permitiu a Cunha obter a maioria de 11 votos a 9 no Conselho de Ética, o que pode enterrar de vez qualquer decisão contra ele naquela instância.
A pergunta é: o que Cunha tinha a oferecer àqueles que toparam patrocinar a manobra? É provável que a recompensa será dada por Temer assim que assumir o Planalto, em forma de cargos.
Cunha foi eleito presidente da Câmara com 267 votos. É óbvio que ele não controla diretamente este número de deputados, mas conta com uma fiel bancada suprapartidária a seu dispor no chamado “baixo clero”.
Uma pista sobre como ele angariou este poder está na contabilidade paralela da empreiteira Odebrecht. Só em 2010, só de uma única empresa, Cunha foi intermediário de doações de R$ 5 milhões para candidatos do PMDB, do PSC e do PR.
O fato de que Cunha não se considera subordinado a Temer ficou claro em mensagem que a Polícia Federal recuperou no celular de Léo Pinheiro, o dono da empreiteira OAS.
Cunha cobrou o empreiteiro por pagar integralmente R$ 5 milhões prometidos a Temer, o que teria atrasado acerto financeiro com outros integrantes “da turma”, que incluiria lideranças importantes do PMDB como Henrique Alves e Geddel Vieira Lima.
Cunha falava em nome da turma.
Uma análise das denúncias feitas até agora contra ele revela que o deputado carioca transitava com ganância pelos bastidores do escândalo da Petrobras.
Ele se tornou réu no STF acusado de facilitar a contratação, pela estatal petrolífera, de dois-navios sonda do estaleiro coreano Samsung. Propina: R$ 5 milhões.
Cunha foi acusado adicionalmente de viabilizar a compra, pela Petrobras, de um campo de exploração em Benin, na África. Propina: R$ 5,2 milhões.
Há vários outros inquéritos em andamento contra Cunha e duas denúncias serão apresentadas em breve.
Uma delas pode ter relação com o depoimento do delator Ricardo Pernambuco Júnior, da empreiteira Carioca Engenharia, segundo o qual empresas relacionadas às obras do Porto Maravilha deveriam pagar porcentagem ao hoje presidente da Câmara. Propina: R$ 52 milhões.
Só nestes esquemas, que são a ponta do iceberg, estamos falando em um caixa superior a R$ 60 milhões.
Como Cunha não trabalhou sozinho, dispõe de informações que poderiam gerar a maior delação premiada do mundo — conforme denunciou na tribuna da Câmara o deputado Silvio Costa (PTdoB-PE). Preservá-lo é do interesse de centenas de aliados na Câmara em geral e no PMDB em particular.
Pelos motivos acima elencados, embora na política a traição seja a norma, é impossível dissociar neste momento Temer de Cunha.
O vice precisa dos votos e do silêncio do presidente da Câmara para governar. Cunha precisa de Temer para manter o foro privilegiado. O PSDB e demais aliados precisam dos votos de Cunha para aprovar as mudanças econômicas regressivas.
Elas precisam ser votadas enquanto sobrevive a coalizão dos 367 votos que aprovou a abertura de processo contra Dilma. Com este número superior aos dois terços é possível fazer passar qualquer PEC.
Temer trabalha cuidadosamente para isolar o PT, que poderia ser a fonte de sua maior dor-de-cabeça nos seis meses de governo — enquanto o Senado não toma decisão definitiva sobre Dilma.
Um exemplo é o de José Rainha, da Frente Nacional de Luta, ex-MST.
Ele teria teria trocado apoio ao vice pela indicação do futuro presidente do Incra. O acerto teria sido costurado por Paulinho da Força, fiel escudeiro de Eduardo Cunha, que será o homem forte de Temer na área sindical.
Como se vê, as circunstâncias políticas vão levar Temer e Cunha — presidente da Câmara ou não — a atuar como irmãos siameses nos bastidores de Brasília.
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