Por Breno Costa.
Proposta apresentada no dia do afastamento de Dilma Rousseff desmonta a tese dos apoiadores do impeachment de que o governo de Michel Temer não iria deixar os programas sociais em segundo plano. O governo de Michel Temer começou de fato na quarta-feira (31). Não apenas porque Dilma Rousseff foi destituída do cargo, mas especialmente porque, naquela mesma tarde, chegou ao Congresso Nacional a proposta confeccionada com cuidado pela nova equipe econômica para a distribuição do dinheiro federal para o ano de 2017 – o chamado Orçamento da União.
A análise da lista de programas de governo, em comparação à proposta apresentada no ano passado para o ano de 2016 pela ex-presidente Dilma, desmonta a tese defendida publicamente pelos peemedebistas e pelos apoiadores do impeachment de Dilma de que o novo governo não iria deixar o lado social em segundo plano.
Sinais nesse sentido já tinham sido dados, com extinção de pastas da área, e gerado reação em setores progressistas da sociedade. Mas o que se vê na análise do Orçamento vai além. Temer acaba de propor ao Congresso a redução média de 30% nos valores para os 11 principais programas da área social do governo, já considerando a inflação do período (variação do IGP-M dos últimos 12 meses).
São R$ 29,2 bilhões a menos para esse conjunto de programas (depois de aplicada a taxa de inflação no período), comparado ao que Dilma, já sob efeito da crise econômica, apresentou ao Congresso no ano passado. Trata-se de uma queda real de 14%. Muitos podem argumentar que, neste momento, essa redução é natural, já que o Brasil precisa apertar seus gastos. No entanto, as despesas previstas pelo governo para este ano são da ordem de R$ 3,4 trilhões – cerca de R$ 158 bilhões a mais (crescimento de 4,8%) que o previsto por Dilma um ano atrás.
Se olharmos mais de perto, o argumento perde ainda mais força. Enquanto optou por reduzir as verbas sociais, o governo aumentou, por exemplo (e sempre já considerando o efeito da inflação no período), em R$ 1,47 bilhão as verbas programadas para ações relacionadas ao desenvolvimento do agronegócio (R$ 1,3 bilhão), a investimentos militares (R$ 175 milhões), a obras em aeroportos (R$ 186 milhões), além de ações de política nuclear e espacial, e de política externa – agora sob comando de José Serra (PSDB).
A desvalorização das mulheres no governo Michel Temer não fica evidenciada apenas no fato de somente uma compor o primeiro escalão de seu governo (e mesmo assim após forte reação da opinião pública). Sua equipe econômica está propondo um forte retrocesso para o suporte dessa área. O programa “Políticas para as mulheres: promoção da igualdade e enfrentamento à violência” perdeu exatos 40% da verba planejada pelo governo anterior há um ano. Percentual muito próximo ao que foi também retirado de outra área relegada na composição de seu governo: 42,2% menos dinheiro para a “Promoção da igualdade racial e superação do racismo”.
Só para essas duas áreas, o corte (R$ 72,2 milhões) poderia ser evitado com folga caso o governo decidisse não aumentar em R$ 85,7 milhões as verbas programadas para o programa nuclear brasileiro e as ações para lançamento de foguetes e satélites. Bastava que Michel Temer adiasse por um ano o sonho de chegar às estrelas.
Mas não para por aí. Os indígenas também terão menos verba para programas de seu interesse no ano que vem, conforme planeja o governo. A “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas” perdeu 14,4% dos recursos no comparativo feito pelo The Intercept Brasil. Mesmo o programa de “Promoção e Defesa dos Direitos Humanos”, embora tenha recebido um aumento absoluto de R$ 3,4 milhões na verba programada, experimentará um recuo de 6,3% no comparativo com a proposta de 2016, considerando o efeito da inflação no período.
Um dos eixos que mais chama a atenção na análise realizada é o absoluto desprestígio das ações sociais no campo. O programa de Reforma Agrária e Governança Fundiária foi reduzido a mais da metade (queda de 52,6%). Esse é o programa que garante a distribuição de terras e que é desenvolvido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário – extinto e colocado sob o guarda-chuva da Casa Civil, com as chaves entregues para o sindicalista urbano e acusado de corrupção Paulinho da Força. O governo programa R$ 1,2 bilhão a menos para o setor. Algumas ações dentro desse programa chamam especialmente a atenção, como a redução de R$ 412 milhões para a compra de terras a serem destinadas à reforma agrária e o corte de 63,7% na ação “Promoção da Educação do Campo”.
No entanto, não dá para dizer que é por falta de dinheiro. Os números indicam que é simplesmente questão de prioridade. Afinal, as ações de desenvolvimento do agronegócio vão de vento em popa, com crescimento programado de 7% acima da inflação. Entre as áreas específicas beneficiadas estão, por exemplo, as subvenções dadas pelo governo para viabilizar investimentos de grandes produtores rurais e agroindústrias, que subirá R$ 2,1 bilhões em relação ao proposto por Dilma no ano passado.
O tópico educação também merece destaque. O amplo orçamento do setor, que abrange repasses para universidades federais em todo o país, além de repasses para educação infantil, entre outras ações (lembrando que aqui não entra pagamento de salários), passará, pelos planos do novo governo, por uma redução de 10,8% (R$ 5,48 bilhões a menos em valores constantes).
Em seu pronunciamento, horas depois de confirmado oficialmente como presidente efetivo, Michel Temer citou os programas Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida. Disse ele que “aumentamos o valor do Bolsa Família” e que “o Minha Casa, Minha Vida foi revitalizado”. No entanto, o que os números apresentados ao Congresso pelo governo mostram é que haverá uma redução real de 7,4% no programa “Inclusão social por meio do Bolsa Família, do Cadastro Único e da articulação de políticas sociais” – com a diferença seria possível, por exemplo, pagar o benefício básico mensal do programa para 2,3 milhões de pessoas ao longo de todo o ano que vem. Em relação ao MCMV, a previsão é ainda mais sombria. A queda, considerando a inflação do período, é de 56,7%. No ano passado, o governo propunha a integralização de cotas para o Fundo de Arrendamento Residencial no valor de R$ 12,6 bilhões. Agora, a proposta do governo para essa integralização é de R$ 4,9 bilhões.
Toda essa ‘numeralha’ envolve apenas a proposta inicial de gastos. Esses valores serão trabalhados no Congresso e podem aumentar ou, considerando o perfil da base aliada, diminuir ainda mais. Além disso, na execução do Orçamento ao longo do ano que vem, o governo poderá promover diretamente o chamado contingenciamento de recursos – ou, traduzindo, fazer ainda mais cortes naquilo que já foi cortado.
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Fonte: Cimi