Por Alex Solink.
Submetida a pressões semelhantes enfrentadas, guardadas as devidas proporções por Getúlio em 1954, Jânio em 1961 e Jango em 1964, Dilma – tendo a seu favor a vantagem de não estar sob a mira de canhões – não deu um tiro no coração, não fugiu do palácio nem abandonou Brasília. Continua resistindo aos “conselhos” e às “insinuações” de que deveria renunciar, ataca os que conspiram contra ela sem sair dos parâmetros legais e civilizados, e, por incrível que pareça, quanto mais o cerco se fecha e crescem os motivos para ficar acuada, ela se fortalece aos olhos da classe política, que não está acostumada a lidar com demonstrações de coragem e sua popularidade está em alta, quando tudo indicava que cairia no abismo.
Seus adversários não contavam com esse poder de resistência, esperavam e torciam para que ela entregasse a rapadura, o que tornaria tudo mais fácil, crentes de que, por ter perdido apoio no Congresso a tendência seria jogar a toalha.
No entanto, apesar das derrotas na Câmara e na comissão do Senado, e de contar com a retaguarda segura de apenas alguns ministros, dentre os quais, para surpresa geral, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, que jamais foi e jamais será de esquerda, ela mantém a sua autoridade e liderança, não se mostra abalada, não está deprimida e mantém o controle da situação.
Enquanto seu ainda vice não consegue desenrolar o nó das nomeações para os cargos de primeiro escalão, cujo objetivo central é garantir os votos para derrubar Dilma, provisória e definitivamente, o que o expõe diariamente a críticas tanto dentro do seu entorno, pois seus aliados já perceberam que não haverá espaço para todos e se estapeiam para garantir o seu, quanto na opinião pública, pois o seu fisiologismo e oportunismo fica cada vez mais visível e sua incapacidade de liderar o processo de sucessão salta aos olhos: seus aliados do PMDB querem ficar com as melhores fatias do bolo, mas se ele não entregar algumas aos demais partidos partícipes do golpe, poderá ficar sem bolo nenhum.
É sintomático que, mesmo antes de um suposto governo começar – se é que vai começar, pois há vários sinais de que o foguete pode ser abortado na decolagem – vários “ministeriáveis” tenham caído antes de serem nomeados, principalmente os que, na ânsia de garantirem a sua vaga vieram a público gargantear que foram convidados e aceitaram.
Também está claro que a deposição de Eduardo Cunha, em vez de ajudar Temer, como muitos analistas apregoaram, trabalha a favor de Dilma.
Cunha era o principal articulador de Temer, era o principal fiador de seu governo, foi quem garantiu os votos que abriram caminho para a sua futura nomeação, embora espúria e manchada por ilegalidades e era com quem Temer contava para garantir, na Câmara, os votos de que precisa para se blindar contra processos e implementar propostas antipopulares, sem o que seu mandato provisório não fará sentido.
É verdade que o afastamento de Cunha não o afastou das articulações, pois o STF não o manteve em prisão domiciliar, nem grampeou seus telefones, mas serviu de advertência e qualquer passo em falso que der daqui em diante poderá obrigar os ministros do Supremo a adotarem medidas mais restritivas, como a prisão preventiva, que foi rejeitada por Teori Zavascki, apesar de cogitada por alguns colegas, como Marco Aurélio Melo, mas tornar-se-á inevitável se Cunha mais uma vez sair dos trilhos.
Há uma espada de Dâmocles, portanto, a ameaçá-lo e tudo aquilo que ele poderia fazer para ajudar Temer, na claridade do dia, terá que fazer, se quiser correr o risco, na calada da noite.
Para piorar a situação, o detalhamento dos inúmeros e escabrosos delitos de Cunha, transmitido em rede nacional diretamente do plenário do STF, mostrou ao país quem era o principal sócio de Temer, a quem, note-se, nem ele nem seus principais colaboradores tinham feito qualquer restrição anteriormente, o que os transformou, mais do que parceiros, em cúmplices de um canalha.
A deposição de Cunha, ainda que tardia, também reforçou a credibilidade de Dilma, pois todo mundo viu que ela vinha sendo fustigada por um grande vilão e, ao enfrentá-lo, estava do lado do Bem, ao contrário de Temer. Não há como duvidar que, muitos daqueles que, nas ruas, queriam derrubar Dilma agora fiquem com o pé atrás. E até prefiram que ela continue, agora que a turma que se arvora em substituí-la está sendo desmascarada.
É importante notar que, mesmo que o plenário do Senado afaste Dilma na quarta-feira, Temer continuará sujeito a percalços como a abertura de impeachment contra ele, pois vai substituir a presidente provisoriamente e não iniciar um novo mandato, como quer fazer parecer, com o qual ficaria blindado contra fatos anteriores que deponham contra ele.
Por mais incrível que pareça, o cenário está mais favorável a Dilma que a Temer.
Mesmo que ela caia, não ficará na defensiva, trancada no bunker, como escreveram alguns, e sim percorrerá o país denunciando o golpe e fortalecendo sua popularidade, em contraponto à súcia que invadirá o Palácio do Planalto.
Mesmo que Temer assuma, enfrentará uma onda de protestos nas ruas com a qual, dada a sua patente inexperiência terá dificuldades em lidar, além de ser bombardeado por uma possível ressurreição de seu impeachment e de outros processos que poderão dar muito pano para manga, como o do TRE de São Paulo que já declarou inelegível, além de uma possível tramitação da emenda das eleições presidenciais em outubro, proposta por senadores, que não terá mais a muralha Cunha a brecá-lo.
Tem-se, portanto, que uma renúncia de Temer é mais factível que a de Dilma. E o seu mandato provisório poderá ser mais curto do que supõe a nossa vã filosofia.
Ninguém gosta de traidores. Todos gostam de corações valentes.
Além de ganhar o epíteto de primeiro traidor do século XXI, o ainda vice poderá passar para a história como Temer, o breve.
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*Alex Solnik é jornalista. Já atuou em publicações como Jornal da Tarde, Istoé, Senhor, Careta, Interview e Manchete. É autor de treze livros, dentre os quais “Porque não deu certo”, “O Cofre do Adhemar”, “A guerra do apagão”, “O domador de sonhos” e “Dragonfly” (lançamento setembro 2016).
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Fonte: Revista Fórum e Brasil.