Tem vez que é assim

Foto: Pexels.

Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.

Tem vez que é assim e não tem santo que mude. Chá que resolva ou colo que afague. É flutuar no peso. Tem vez que parece que quando o céu chora, a alma chora junto. Parece orquestra juntando tudo.

Outro dia, sem querer, visitei uma memória tão guardada que fui obrigado a dizer que tinha esquecido. A gente não esquece. Só guarda bem guardado. É desaforo taxar de esquecimento a memória. É desaforo taxar a festa como esquecimento, mas sabe lá a causa eu fiz. E fiz. Lembrei quando fui descendo a rua e vendo as fitas que agarravam de um lado e de outro a rua, se misturando com os fios. Lembro que tive a mesma sensação de antes ao ver o quão prateadas eram. Que por pouco, mas muito pouco mesmo, eram quase que estrelas. Se colocarem mais alto, longe do alcance das mãos, virariam estrelas. Talvez até cadentes. Vai saber. E eu ia descendo, vendo a festa, os sorrisos e sons. Tudo se misturando e virando som de festa. Sem separação. Sem organizar que este é de barraca tal enquanto aquela é de outra tal. Certeza que a santa tá feliz com esse povo todo rindo em sua homenagem. Certeza que nem liga pra quem não sabe bem que é ela. Há sorrisos. Pra que detalhes?

Enquanto meus olhos passeavam pela festa, vi a igreja. Vou falar a verdade. Foi ali que lembrei o lugar que estava e que lá estive em outro momento. Porque na outra vez lembro que ousei, bem tímido, entrar na igreja e a conhecer. Diziam que era bonita e tinha história. Então fui. Parei um pouco na entrada e me ocorreu que anos antes, quando menino, parei também diante de outra igreja e em outro lugar e, por estar sujo e mal vestido, não me senti convidado por Deus para sua casa. Minha vó, pouco depois, disse que Deus não ligava pra aquilo. Que devia ter entrado e feito minha prece. Levei isso pelos dias, mas nesta vez tive essa mesma reação. De parar e pensar se podia, se devia. Fui. Me solte da mão e a voz, doce que era, me propôs:

-E se falássemos com Deus? Levássemos algo para lá?

Então falei com o Deus que nem acreditava. Com o Deus que pra mim nem existia. Com o Deus que pelo tamanho desrespeito meu, nem me ouvia. E chorei feito menino que quer qualquer coisa por ser pidão e não sabe falar. Chorei o choro de quem não sabe o que tem, o que quer, mas quer e precisa. Acho que não importa quantas bebedeiras ou bolos, sopros em velas, sempre seremos meio meninos quando se fica muito escuro. Quando se apagam todas as luzes e só é permitido escutar o som da própria voz. Lembro que foi um dos choros que precederam o meu olá ao inferno. São estes instantes que ficam, pra falar a verdade. Um monte de coisa junta que quando a gente separa, vê belezas diferentes. Assim como feiuras também.

Por isso digo que tem vez que é assim. Que a gente se derrama pra ver que o copo estava cheio. E recorre ao que nem se pode tocar. Vai ver que o céu chora pra alma chorar junto mesmo e aliviar. Vez de tristeza, vez de alegria.

Guigo RibeiroGuigo Ribeiro é ator, músico e escritor.

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