Por Viviana Santiago, Palavra de Preta.
A semana passada fomos atingidas por uma notícia dolorosa. Numa escola de educação infantil, todas as crianças tinham seus cabelos lavados pela professora, menos a menina negra. Há dias voltando para casa sem ter o cabelo lavado, de repente não aguentou mais e confidenciou à sua mãe: “A professora não lava meu cabelo, meu cabelo porque meu cabelo é duro, quero alisar meu cabelo; E não quer mais voltar a escola.”
Diante da denúncia da mãe, a escola anuncia: foi um engano, quem estava nessa turma era uma pessoa auxiliar, é certo que essa mãe está confusa pois foi a mesma quem pediu que não se lavasse os cabelos da criança. Algumas pessoas da comunidade escolar vão parecer chocadas diante da violência tão bárbara e pensam que se trata de uma nova forma de violência, desses tempos sombrios que estamos vivendo.
E ai mais uma vez nos vemos diante de um momento em que a escola ao se ver diante do espelho, fecha os olhos para não ver o monstro racista que guarda dentro de si
Ao atribuir a um caráter de fim de mundo isso que vemos agora, ao tratar como histeria de mãe ou incompetência de novatos a escola – e a sociedade- optam por uma explicação que mascara o que toda pessoa negra adulta que já foi criança sabe, e que todas as pessoas que são crianças agora podem dizer: Existe racismo na escola sim, e muito. E sempre existiu.
Os anos escolares para as crianças negras, implicam num longo e sofrido período de violências racistas que tentam modelar e submeter a vida o corpo e os sonhos das crianças a uma possibilidade de ser gente negra que não vai muito além de um saci Pererê, negrinho do Pastoreio, sendo o máximo uma Escrava Isaura, negra que com passabilidade branca e seduz o branco salvador.
Tendo sido formadas em um mundo de história e práticas sociais eurocêntricas, profissionais da educação que não se revisitam desde uma abordagem anti-racista, têm uma noção do que é belo, de que corpo é aceitável de que vida tem valor que não contempla as crianças negras e dessa maneira a escola vai se constituindo em um espaço em que a partir da imagem, do que está lá e do que não está, do currículo explicito e oculto se reiteram todos os estereótipos racistas e se violam os direitos das crianças negras a uma vida livre de racismo e a uma educação que lhes permita desenvolver suas potencialidades
Professoras e professores tem menos afeto, paciência e insistência pedagógica quando se trata de crianças negras, não insistem no processo de aprendizagem porque trazem uma noção de negritude que é o negro burro, tem tanta certeza de que os lugares subalternos são o destino da população negra que ao se relacionarem com uma criança negra na escola já têm uma sentença: Não preciso ensinar, gente preta nunca chega lá.
A história que se aprende na escola não é sobre a humanidade, nem sobre a diversidade de povos, no caso brasileiro é a dominação europeia e submetimento africano; sejamos mais específicos: a história da escola não é uma história de África, mas sim de m processo de dominação que transforma africanos em negros.
Qual o lugar dos africanos e afrodescendentes na construção da história? O apagamento que se perpetua no currículo impacta a construção da subjetividade das crianças que são ensinadas que sua origem ancestral é “escrava, como se fosse a natureza de africanas e africanos sequestrados para o Brasil e como se esse processo se desse de maneira passiva sem resistência e sem poderes circulando na relação.
As crianças são apresentadas a contos infantis que sempre vão enfatizar como conteúdos elogiosos, a pele branca e os lindos cabelos lisos de meninas e meninos que os protagonizam, quando mencionada, a cor negra e o cabelo crespo sempre serão em tom de escárnio ou para representar crianças e pessoas de má índole endiabradas ignorantes
E o que dizer das imagens nos livros didáticos? Personagens negras não são nem 20% das imagens nos livros didáticos, e os pouco existentes ainda são uma representação perversa: papéis subalternos estereotipados, imagens de feições geralmente animalizadas e distorcidas
Os livros, a história, as práticas pedagógicas refletem esse conteúdo racista que impregna a escola, os estudos dos sistemas de avaliação da educação básica vão traduzir o que estamos dizendo: em mesma situação sócio econômica e familiar, crianças negras aprendem menos que crianças brancas porque recebem menos atenção, Eliane Cavalleiro nos contou como na creche os bebês negros recebiam menos afetos, elogios e cuidados que os bebês brancos, e nós precisamos falar sobre isso
Crianças negras não recebem atenção na escola, não a atenção adequada, acostumadas a serem referenciadas como escravas ou como o ridículo- cabelo daquela marca de palha de aço…, aprendem a tentar não ser vistas, mas, por outro lado, em situações de indisciplina, quando “some” um lápis, é óbvio então que sejam sempre as primeiras acusadas e suspeitas.
Um país racista com extrema resistência em assumir-se como tal, produz um projeto pedagógico que dilacera a possibilidade de vivência de negritude desde o positivo, determina que as crianças negras estabeleçam uma relação de negação de sua identidade racial, estabelece um ideal de ego branco e inalcançável, viola os direitos das crianças negras e impacta o desenvolvimento de seu potencial. É preciso que pautemos isso. Que a Escola se perceba uma instituição que é produzida por relações racistas mas eu também produz o racismo, ou fazemos isso ou continuaremos lidando a dor de ter que lidar com meninas e meninos negros, que na escola aprenderam a odiar seu nariz, sua boca e seu cabelo.
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Fonte: Palavra de Preta.