O polêmico processo de revisão da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) está chegando perto do fim. Nesta quinta-feira, a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) pactuou a nova política, após analisar as mais de seis mil contribuições recebidas durante os dez dias em que o documento ficou em consulta pública. Ninguém viu o texto final, que ainda não foi divulgado. Mas, como a reunião da CIT foi transmitida ao vivo, quem assistiu pôde constatar que não houve tantas mudanças em relação à minuta original, divulgada no fim de julho e alvo de muitas críticas.
Em um vídeo publicado pela Escola Politécnica da Fiocruz, a professora-pesquisadora Márcia Valéria Morosini explicou que, além de pontuais, as modificações não melhoraram em nada o conteúdo na nova política. Exemplo disso é o estabelecimento de um número mínimo de agentes comunitários de saúde por equipe, algo que estava ausente na minuta inicial e foi acrescentado após a consulta: agora, estabeleceu-se um mínimo de quatro ACS por equipe, mas apenas nos territórios considerados vulneráveis.
Uma das questões mais preocupantes na nova PNAB é o peso que se dá à Estratégia Saúde da Família. Enquanto hoje ela é prioritária, havendo recursos diferenciados para municípios que mantenham equipes de Saúde da Família, o novo texto induz outros modelos e orienta o financiamento das chamadas equipes de atenção básica. Como explica Márcia, uma das mudanças envolve essa questão e diz respeito à carga horária mínima dos profissionais. No documento original, havia apenas a obrigação de que, no caso dessas equipes, a carga horária de cada categoria – e não de cada profissional – fosse de 40 horas semanais, distribuídas entre um ou mais trabalhadores. Agora se estabeleceu que cada profissional deve trabalhar no mínimo 10 horas por semana, enquanto, no caso das equipes de saúde da família, são 40 horas. Na prática, nas equipes de atenção básica os trabalhadores poderão ter uma dedicação muito menor.
Preparando a última cartada
O caminho ainda não terminou. Ainda é possível fazer valer o papel deliberativo do Conselho Nacional de Saúde, formado por usuários, trabalhadores e gestores do SUS. Mas Ilda Angélica, presidente da Confederação Nacional de Agentes Comunitários de Saúde (Conacs), diz que a categoria não pretende depositar todas as suas fichas nessa possibilidade de vitória. “A composição do Conselho é heterogênea e não sabemos como os pares vão se comportar. Há usuários e representantes de categorias profissionais, mas também há gestores, e não sei se teremos força para barrar o texto. Na verdade, até imaginamos que não, analisando o comportamento dos próprios conselhos municipais e estaduais onde temos agentes comunitários inseridos. Vemos que muitas vezes esses conselhos aprovam propostas que não contemplam a população”, reconhece.
Por isso, ela diz que a categoria já está pronta para o plano B. “Estamos nos organizando para o combate no campo político”, conta, explicando a estratégia usada para conseguir barrar as portarias 958 e 959, que quase acabaram com os agentes no ano passado: “Naquela época, fizemos grande mobilização junto aos deputados e criou-se um projeto de decreto legislativo, que deu muita força para que o ministro da saúde recuasse. Já estamos conversando com alguns deputados e, se for necessário, vamos agir dessa forma novamente”. Para Ilda, a mobilização dos agentes é imprescindível para barrar a nova PNAB: “Pelo que estou vendo, as entidades representativas de outras categorias e a população usuária em geral não estão conseguindo se mobilizar o suficiente. Nós não estamos tranquilos. Pelo contrário, estamos muito intranquilos. Mas precisamos estar prontos para o embate”.
Entenda o contexto
Uma proposta de revisão da Política foi apresentada no fim de julho pela CIT e, depois de receber muitas críticas de entidades ligadas à defesa do SUS, entrou em consulta pública por um período curto, de menos de duas semanas.
Vários pesquisadores denunciaram a falta de transparência no processo. Eles afirmam ainda que a nova PNAB enfraqueceria a Estratégia Saúde da Família e, em especial, reduziria o papel dos agentes comunitários de saúde (ACS). Leia mais sobre isso aqui e aqui.
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Fonte: Saúde em meu lugar.
A comunidade perde muito com tudo isso, deveríamos estar em sinergia para novas mudanças que beneficiassem a todos, sejam usuários ou profissionais, em prol de uma vida com maior qualidade.