O Departamento de Transportes e Terminais (Deter), autarquia vinculada à Secretaria de Estado da Infraestrutura (SIE), terá no máximo 12 meses para realizar procedimento licitatório voltado à concessão de Sistema de Transporte Coletivo Intermunicipal Urbano de Passageiros da Grande Florianópolis, como manda a Constituição Federal.
O prazo foi estabelecido em decisão monocrática do auditor-substituto de conselheiro do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC) Cleber Muniz Gavi, publicada na edição desta quarta-feira (24/2), do Diário Oficial Eletrônico do TCE/SC (DOTC-e). Gavi é responsável pelo julgamento do processo (RLA- 1400193831) decorrente da auditoria operacional que avaliou o planejamento, a operação e a validade das concessões, bem como a eficiência da fiscalização do serviço de transporte coletivo intermunicipal, sob a ótica da Política Nacional de Mobilidade Urbana, instituída pela lei nº 12.587/2012.
Segundo a decisão, em 30 dias, a contar da data da publicação no DOTC-e, o Deter deverá apresentar ao Tribunal um plano de ação estabelecendo os responsáveis, as atividades e os prazos para cumprir uma série de determinações do órgão de controle externo, em especial, relacionadas à elaboração do projeto básico obrigatório para abertura do processo licitatório.
A definição de linhas do sistema a partir de estudo técnico atualizado, a utilização de metodologia de cálculo tarifário baseada na eficiência da prestação do serviço — “fluxo de caixa descontado” (Saiba mais 1) —, a adaptação de todos os ônibus da frota às normas de acessibilidade e a implantação de política pública de transporte de massa, prevendo, inclusive, a integração dos diferentes modais — ônibus, barcos, bicicletas, por exemplo — e indicadores de qualidade para avaliação do serviço do futuro contrato de concessão, em atenção às diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana estão entre as determinações a serem consideradas no projeto básico da licitação (Saiba mais 2).
Além das determinações, o plano de ação, a ser entregue pelo Deter, deverá contemplar a adoção de duas providências e o cumprimento de três recomendações para corrigir outras situações irregulares constatadas pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações (DLC) durante a auditoria operacional (Saiba mais 3 e 4).
Da decisão monocrática do auditor-substituto de conselheiro, que está amparada no art. 98, § 2º, da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado (lei complementar n. 202/2000), com redação dada pela lei complementar n. 666/2015, cabe recurso de reexame para o órgão colegiado superior — Plenário — do TCE/SC, na forma estabelecida no seu Regimento Interno.
Diagnóstico
Com foco na mobilidade urbana, a realização dos trabalhos — levantamento de dados, planejamento e execução — da auditoria operacional no sistema de transporte coletivo intermunicipal da Grande Florianópolis teve início em abril de 2013 e, em março de 2014, a equipe técnica da DLC fez inspeções no Terminal Urbano Cidade de Florianópolis e no Terminal de Integração do Centro (Ticen).
Quanto à legalidade da concessão do transporte intermunicipal de passageiros, a decisão do auditor-substituto de conselheiro Cleber Muniz Gavi, amparado nos achados da auditoria operacional, registra que o sistema nunca passou por um processo licitatório e que as atuais prestadoras executam o serviço desde 1983.
Segundo ele, excluindo-se os prazos estabelecidos nas “irregulares” prorrogações, os contratos de concessões para exploração do transporte rodoviário intermunicipal de passageiros celebrados nos anos de 1985 e 1986 permaneceram válidos até os anos de 2005 e 2006. “Operando desde então sem o devido respaldo legal”, ressalta a decisão.
O auditor-substituto de conselheiro ainda destaca que não são válidas as prorrogações operadas em 1998, com base na Lei Estadual n. 10.824/1998, declarada inconstitucional. “Não se vislumbra outra alternativa senão o cumprimento do disposto no art. 175 da Constituição Federal, devendo o Deter adotar providências com vistas à abertura de procedimento licitatório”, conclui.
A falta de estudos atualizados para definição das linhas de ônibus intermunicipais que operam na Grande Florianópolis também mereceu destaque na decisão. “Ao afirmar que as linhas existentes operam do mesmo modo há mais de 20 anos e apresentam uma demanda consolidada, a unidade [Deter] confirma a inexistência de estudos e planejamento”, aponta o auditor-substituto de conselheiro, ao estabelecer a relevância de estudos mais específicos e atualizados para a definição das linhas do sistema de transporte coletivo na futura licitação.
Outra situação que deve ser considerada, conforme a decisão, é a implantação do sistema executivo vinculado ao de linhas convencionais, para evitar a fuga de passageiros e o redimensionamento dos custos incluídos no fluxo de caixa. A DLC constatou que as atuais empresas operadoras do sistema foram autorizadas a implantar o serviço de transporte alternativo — sistema executivo — sem prévio estudo econômico financeiro.
Gavi também chama a atenção para a existência de linhas, municipais e intermunicipais, sobrepostas em horários e trajetos. “O planejamento das linhas, trajetos e horários e a integração com os sistemas municipais da Grande Florianópolis é uma atribuição mínima dos órgãos gestores”, adverte.
Plano de Mobilidade Urbana
A decisão ainda aponta a “omissão” do Estado na implantação de política pública de mobilidade urbana, o que inviabilizaria a competência do Deter para executar a política estadual de transportes de passageiros e de cargas. “De acordo com o disposto no art. 1º da Lei de Mobilidade Urbana – lei n. 12.587/2012, a integração entre os diferentes modais de transporte é considerada um dos instrumentos da Política Nacional da Mobilidade Urbana. Além da inexistência de uma política intermunicipal, sua falta acaba incentivando o uso do transporte individual, prejudicando o fluxo na Região da Grande Florianópolis”, avalia o auditor-substituto de conselheiro.
Segundo registra a decisão, o TCE/SC apurou que o Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Região da Grande Florianópolis (Plamus) é o único estudo realizado pelo Estado — via Superintendência de Desenvolvimento da região Metropolitana da Grande Florianópolis (Suderf) — para diagnosticar a atual situação de mobilidade urbana e propor soluções. No entanto, a implementação integral do plano pelo Estado e pelos 13 municípios da Grande Florianópolis ainda depende de complexas questões legais e administrativas. Diante dessa realidade, Gavi afirma que não há como se estabelecer que a adoção do Plamus seja condicionante para a realização das licitações de todos os entes vinculados à Região Metropolitana.
“A prestação dos serviços de transporte coletivo de forma precária constitui situação flagrantemente inconstitucional e ilegal que demanda urgente correção”, adverte o relator. “Caberá as citadas autarquias estaduais [Deter e Suderf] prever na licitação as soluções mais compatíveis à futura integração conforme o projeto do Plamus ou outro que venha a ser adotado”, reitera.
Fiscalização
Sobre a acessibilidade, aspecto analisado pela DLC nas inspeções no Ticen e no Terminal Cidade de Florianópolis, a decisão destaca que os dois locais, de forma geral, não atendem às normas da NBR 9050, nos quesitos comunicação e sinalização, acesso e circulação — organização e posicionamento da sinalização podotátil —, bem como nos sanitários e mobiliários. A diretoria técnica ainda constatou que não estão sendo cumpridos critérios definidos pela NBR 14022, nos ônibus, diante de defeitos no elevador, e no acesso a estes veículos, em função de degraus muito elevados. Para o auditor-substituto de conselheiro, compete ao Deter cobrar das administradoras dos terminais, bem como adotar diretamente, as providências para o atendimento das normas de acessibilidade nos veículos que operam o serviço.
Gavi ainda registra ter sido apurado pela auditoria que a unidade não possui capacidade para fiscalizar a concessão do serviço de transporte intermunicipal, como previsto na lei n. 8.897/95 e na Política Nacional de Mobilidade Urbana. A DLC apontou que dos 35 servidores nomeados em concurso de 2010, 15 já deixaram o cargo. Além disso, na época da auditoria, a equipe técnica do TCE/SC verificou que a autarquia não possuía uma estrutura adequada para o desempenho de suas atribuições. Faltavam computadores, veículos e capacitação dos fiscais. Conforme consta da decisão, “a suscitada proposta de mudanças depende tanto da contratação de novos servidores, como da formulação da nova Política de Transportes”.
Tarifa e eficiência
Quanto ao método utilizado para o cálculo da tarifa, a auditoria operacional identificou que a atual metodologia — planilha de custos Geipot — não estimula a utilização de novas tecnologias ou padrões operacionais para redução de custos e ganhos de produtividade, pois todas as despesas são anotadas e alocadas à tarifa. A decisão ressalta que o método não objetiva a busca da eficiência ou aumento da qualidade na prestação dos serviços, uma vez que nem o risco de demanda é atribuído à empresa. “A remuneração do serviço é garantida mesmo sem qualidade em sua execução”, considera o auditor-substituto de conselheiro.
A decisão impõe a adoção do sistema de “fluxo de caixa descontado”, utilizado internacionalmente para avaliar a viabilidade econômico-financeira de empreendimentos, como a concessão de serviços públicos. O método utiliza índices financeiros — remuneração do capital e taxa interna de retorno — que consideram o longo prazo das contratações entre gestores públicos e operadoras privadas. O “fluxo de caixa descontado” já foi adotado na concorrência pública lançada pela prefeitura de Florianópolis para a concessão do transporte coletivo urbano de passageiros, conforme defendido pelo TCE/SC.
Saiba mais1: O que é “fluxo de caixa descontado”
A metodologia de fluxo de caixa contempla as entradas, decorrentes da tarifa a ser cobrada, e as saídas, em função de investimentos, tributos, custos administrativos e operacionais, para realizar o cálculo tarifário. O método, segundo o TCE/SC, estimula a busca pela eficiência na prestação dos serviços e pode impactar na redução do preço das passagens.
Saiba mais 2: As determinações
1. Realizar procedimento licitatório, no prazo de um ano, para a concessão de Sistema de Transporte Coletivo Intermunicipal Urbano de Passageiros da Grande Florianópolis;
2. Iniciar os estudos necessários à elaboração do projeto básico obrigatório para abertura do processo licitatório, com apoio das ações já implementadas pela Superintendência de Desenvolvimento da Grande Florianópolis, atentando para o cumprimento dos seguintes aspectos:
– Definir as linhas do sistema com base em estudo técnico atualizado;
– Eliminar a existência de linhas sobrepostas em horários e trajetos;
– Implantar o sistema executivo vinculado ao sistema convencional;
– Implantar política pública de transporte de massa;
– Integrar os diferentes modais de transporte coletivo urbano da Grande Florianópolis;
– Elaborar e implantar matriz de risco associada ao(s) futuro(s) contrato(s) de concessão do transporte coletivo intermunicipal de passageiros da Grande Florianópolis;
– Elaborar e implantar indicadores de qualidade para avaliação do serviço do(s) futuro(s) contrato(s) de concessão do transporte coletivo intermunicipal;
– Adaptar todos os ônibus da frota em relação à acessibilidade;
– Utilizar metodologia de cálculo tarifário que seja baseada na eficiência da prestação do serviço, por meio da metodologia do “fluxo de caixa descontado”;
– Conceder desconto para aquisição antecipada de créditos de passagem, em atenção à modicidade tarifária, prevista na Lei Federal nº 8.987/1995
– Considerar a redução de custos administrativos, advindos da operação centralizada de arrecadação realizada pelo Sindicato de Empresas de Transporte Urbano de Passageiros da Grande Florianópolis (Setuf), no cálculo tarifário;
– Ajustar a taxa de remuneração do capital praticada no cálculo tarifário para que reflita as características mercadológicas;
– Incorporar ao cálculo tarifário as receitas com publicidade;
– Ajustar a planilha tarifária em relação à vida útil dos pneus frente a novas tecnologias, em favor da modicidade tarifária;
– Definir o coeficiente para remuneração de máquinas, instalações e equipamentos, mediante estudo específico do sistema, em prol do serviço adequado e à atualidade;
– Definir o coeficiente para remuneração de peças e acessórios, mediante estudo específico do sistema, em prol do serviço adequado e à atualidade;
– Elaborar estudo para avaliar o impacto das reduções de tributos no atual sistema, de acordo com a Medida Provisória nº 617/2013 e a Lei Federal nº 12.715/2012, em respeito à modicidade tarifária.
Fonte: Decisão Monocrática no processo RLA-1400193831, publicada no DOTC-e de 24/2/2016.
Saiba mais 3: As providências
1. Aumentar o número de fiscais e a eficiência tecnológica dos equipamentos de fiscalização;
2. Vincular as receitas da taxa de fiscalização à receita operacional do Deter.
Fonte: Decisão Monocrática no processo RLA-1400193831, publicada no DOTC-e de 24/2/2016.
Saiba mais 4: As recomendações
1. Implantar sistema de bilhetagem eletrônica em todos os veículos da frota do sistema de transporte intermunicipal de passageiros da Grande Florianópolis;
2. Implantar sistema de controle que permita aferir os valores devidos e recebidos a título de taxa de fiscalização;
3. Assegurar, na futura licitação, que haja plena adaptabilidade do objeto a ser licitado com as metas do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Região Metropolitana da Grande Florianópolis (Plamus).
Fonte: Decisão Monocrática no processo RLA-1400193831, publicada no DOTC-e de 24/2/2016.
Saiba mais 5: Os principais achados da auditoria
1. Contratos de concessão com prazos vencidos e sem licitação;
2. Definição das linhas não se baseia em estudo técnico atualizado;
3. Existência de linhas sobrepostas em horários e trajetos;
4. Implantação do sistema executivo desvinculado do sistema convencional;
5. Inexistência de política pública de transporte de massa e de integração entre os diferentes modais de transporte coletivo;
6. Atendimento parcial às exigências de acessibilidade;
7. Metodologia de remuneração que não estimula a busca da eficiência;
8. Desatualização do método de cálculo tarifário;
9. Inexistência de matriz de risco;
10. Inexistência de indicadores de qualidade;
11. Fiscalização deficiente;
12. Os valores recebidos a título de taxa de fiscalização (TF) não são aplicados no próprio sistema;
13. Inexistência de sistema de bilhetagem eletrônica e deficiência no controle que permita aferir os valores recebidos a título de taxa de fiscalização
Fonte: Decisão Monocrática no processo RLA-1400193831, publicada no DOTC-e de 24/2/2016.