Suspeito de mandar sequestrar e torturar jornalista é preso e solto em seguida por ser deputado

A polícia, o Ministério Público e a própria Justiça afirmam que parlamentar é culpado, mas STJ diz que ele tem imunidade

Assim ficou o jornalista Romano dos Anjos após ser sequestrado e torturado a mando de – diz a polícia e o Ministério Público – um homem que foi preso e solto em seguida só por ser deputado – Arquivo pessoal, reprodução Brasil de Fato

Por Vinícius Segalla.

Um deputado estadual de Roraima é apontado pela polícia e pelo Ministério Público como o mandante de um sequestro seguido de espancamento com um taco de madeira de um jornalista, crime que teria sido executado em outubro do ano passado por oficiais da Polícia Militar daquele estado a mando do parlamentar, a fim de dar um exemplo do que pode acontecer com quem publica críticas e denúncias contra ele.

A Polícia Civil de Roraima desvendou o crime, encaminhou o inquérito concluso ao Ministério Público, que por sua vez solicitou à Justiça e obteve a prisão de todos os envolvidos, inclusive o deputado. Nesta semana, porém, o Superior Tribual de Justiça (STJ), determinou que o suposto mandante fosse solto. O motivo: ele é deputado estadual.

Entenda o caso

Na noite do dia 26 de outubro de 2020, o jornalista Romano dos Anjos, de 40 anos e morador da cidade de Boa Vista (RR), sofreu um sequestro quando chegava em sua casa, dirigindo seu automóvel. Os badidos o abordaram, se apropriaram de seu carro e o levaram dali.

Ele teve as mãos e pés amarrados e foi encapuzado pelos suspeitos. Romano passou a noite apanhando dos marginais e depois foi deixado sob a sombra de uma árvore na região do Bom Intento, zona da capital roraimense, local onde permaneceu desacordado por algumas horas.

Ao despertar, na manhã do dia 27, começou a andar e foi encontrado por um homem que prestou ajuda e chamou a polícia. O delegado Herbert Amorim, que conversou com o jornalista desde o local onde foi encontrado até o Hospital Geral de Roraima (HGR), disse que, depois de ter sido abandonado pelos bandidos, Romano conseguiu tirar a venda dos olhos com o braço e soltar os pés. No HGR, ele relatou aos médicos ter sido bastante agredido com pedaços de pau.

O resultado pode ser visto na imagem estampada no topo desta página. Já o suposto mandante do crime segue como mostra a imagem abaixo.

O deputado Jalser Renier: as autoridades não têm duvida que ele mandou sequestrar e espancar um jornalista, mas ele está solto mesmo assim / Divulgação

Quatro dias após o sequestro, o governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), foi até a Polícia Federal pedir que a instituição investigasse o crime, afirmando que o jornalista o havia citado em depoimento à Polícia Civil.

No dia 28 de janeiro deste ano, a PF em Roraima divulgou nota à imprensa. O pedido para instauração de inquérito “foi indeferido, não se verificando elementos que subsidiassem eventual atribuição da Polícia Federal no caso.”

O sequestro seguiu sendo investigado pela Polícia Civil, em segredo de Justiça. No dia 16 de setembro, foi deflagrada a operação Pulitzer, onde foram presos sete suspeitos e cumpridos 14 ordens de busca e apreensão expedidos.

Todos são policiais militares do Estado de Roraima, sendo que a maioria trabalhava na segurança pessoal do deputado Jalser Renier (Solidaridade) que, na época do sequestro, era presidente da Assembleia Legislativa de Roraima.

No dia 1º de outubro, o próprio deputado Renier foi preso, após a Justiça considerar que os indícios que a Polícia Civil do estado apresentava eram robustos o suficiente para concluir que o parlamentar fora o mandante do crime contra o jornalista.

No mesmo dia, mais dois coronéis e um major da PM de Roraima também foram presos, todos em cumprimento de mandado judicial. Conforme apontam as investigações, o deputado Renier criou uma verdadeira milília pessoal composta por policiais militares, cuja única função era fazer valer sua vontade e atacar seus inimigos políticos.

O Ministério Público de Roraima assim descreve, no processo penal, a suposta conduta criminosa do parlamentar:

JALSER RENIER PADILHA: enquanto era Presidente da Assembleia Legislativa de Roraima, JALSER criou o chamado SISO – Seção de Inteligência e Segurança e desviou sua finalidade para servir ao propósito pessoal de espionar e perseguir adversários políticos. Juntamente com o SISO, ele criou na ALE/RR uma verdadeira milícia, com especialistas em inteligência, oficiais e soldados militares de elite, leais a ele (incluindo integrantes de sua guarda pessoal) com a finalidade de servirem a seus caprichos e intimidarem seus adversários políticos.

Essa milícia foi designada para sequestrar e torturar o jornalista ROMANDO DOS ANJOS afim de lhe dar um “susto” e intimidar outros jornalistas que eventualmente criticassem o deputado JALSER. Consta depoimento do policial militar Fernando dos Santos Silva, relatando que CLOVIS ROMERO (que está preso por ordem deste Tribunal), que à época era segurança do deputado JALSER, lhe confidenciara que o deputado havia determinado como “missão tenebrosa” de “passar um recado” ao jornalista Romano.

O crime contra o jornalista ocorreu em 26.10.2020, e em 13.11.2020 foi determinada pelo Governador de Estado Antônio Oliveira a criação de uma Força Tarefa para investigar o crime. Ao tomar conhecimento da portaria de criação da Força Tarefa, o deputado JALSER, junto com o coronel PAULO CEZAR (investigado e preso pelo mesmo fato) procurou o governador de Estado para intimidá-lo e ameaçá-lo.

Este fato também é confirmado pelo Secretário de Segurança Pública, Edson Prola, que afirmou ter recebido uma visita do Delegado Geral de Polícia Civil, Herbert Amorim, acompanhado do Delegado Geral Adjunto Eduardo Wayner, falando que JALSER o procurara para interferir na Força Tarefa a pretexto de que “se essa investigação continuar, vai morrer gente”;

Desde a prisão do deputado, nenhum fato novo veio à tona para que se questione a autoria intelectual do deputado em relação ao sequestro e à tortura. Ainda assim, ele foi solto por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicada na última quinta-feira (7), ainda que a própria corte não tenha expressado a menor dúvida sobre quem foi o mandante do sequestro e da tortura do jornalista.

O motivo: é que, de acordo com o ministro Jesuíno Rissato, que proferiu a decisão, a prisão do suposto mandante foi ilegal. O magistrado sustentou seu entendimento em uma norma legal que proíbe que um deputado federal seja preso antes do fim de seu julgamento em todas as intâncias judiciais, salvo em caso de flagrante delito – o que não foi o caso do deputado roraimense.

Jalser é um deputado estadual, e não federal, mas o ministro do STJ disse que, por analogia, a mesma lei que concede o tratamento especial a um parlamentar da República deveria ser aplicada no caso em julgamento, conforme se pode ler em trecho da decisão transcrito abaixo:

“As regras de inviolabilidade, típicas dos parlamentares federais, são plenamente aplicáveis em nível estadual, situação que é análoga a destes autos. Assim, é não fundamentada a decretação da prisão preventiva ao parlamentar, em elementos constitucionalmente autorizadores – em especial, pela falta de flagrante delito em crime inafiançável. Entendo pela necessidade de relaxamento da prisão”.

Assim, Jalser Renier está solto, ainda que a polícia, o Ministério Público e a própria Justiça entendam ser ele o autor intelectual de um crime de sequestro e tortura de um jornalista, exclusivamente pelo fato de ser um deputado.

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