Sururu em Jurerê

    Por Daniel Cardoso.

    Ricardo Ribas nasceu em 1974 e passou a vida em Florianópolis. Cresceu nos ambientes mais “bem frequentados”, como dizem os colunistas sociais, da capital catarinense. Seu pai, Salomão Ribas Junior, foi deputado estadual por duas vezes pelo extinto PDS, é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o favorito para assumir a presidência da Academia Catarinense de Letras. RR estudou na escola mais tradicional da cidade, formou-se em Direito pela universidade federal, é professor de jiu-jítsu, viveu por um ano na Califórnia durante a faculdade e desde 2006 mora em Jurerê Internacional, um dos metros quadrados mais disputados do País.

    Pelo perfil, RR poderia considerar-se da “mesma turma” dos turistas endinheirados e celebridades que lotam Jurerê Internacional nas férias e nos feriados. Mas ficou famoso justamente pelo contrário. Ativo nas redes sociais, o lutador de jiu-jítsu tornou-se uma voz dissonante, um crítico dos excessos e do exibicionismo provinciano cada vez mais comuns nos verões da cidade.

    Em janeiro, no auge da temporada de férias, Ribas escreveu em bom internetês (repleto de pontos de exclamação, reticências e abreviações) um texto para o colunista mais lido de Florianópolis. As palavras pararam no blog do jornalista. Nelas, criticava com acidez as guerras de champanhe, as cenas de turistas a rasgar dinheiro (literalmente) em frente às câmeras, os bêbados inconvenientes e muitas vezes hostis e as Ferraris e Lamborghinis em alta velocidade pelas ruas do bairro.

    A repercussão foi imediata. Bastaram alguns dias para o desabafo receber centenas de comentários. O assunto virou febre nas redes sociais – a maioria favorável aos argumentos de Ribas – e expôs uma face dos habitués de Jurerê Internacional desconhecida, pois até então a cobertura da mídia a respeito da praia localizada no extremo norte da ilha seguia o padrão Caras de glamourização. Ribas virou porta-voz dos insatisfeitos. Passou a ser parado nas ruas para receber cumprimentos e escutar as reclamações de vizinhos do bairro solidários. “Fiquei noites sem dormir direito por causa dos comentários. A grande maioria concordava comigo, mas um único que me contradizia era o suficiente para me incomodar muito”, lembra.

    A indignação de Ribas não brotou agora, embora só neste ano sua paciência tenha alcançado “o limite” e ele tenha decidido expressar-se para além do seu círculo de amigos e familiares. Em 2006, RR mudou-se para Jurerê Internacional em busca de paz e tranquilidade. Para seu azar, a mudança coincidiu com a explosão de casas noturnas, restaurantes e bares que transformariam a praia na mais badalada do litoral sul do Brasil. Ficaram mais frequentes as festas de arromba, os carrões, os jogadores de futebol, os atores de tevê, as mulheres atraídas por esse universo e os homens anônimos que as perseguem, geralmente sem sucesso. Estrelas e coadjuvantes, acha Ribas, tornaram Jurerê um símbolo do mau gosto e da ostentação nouveau riche. “Neste verão acordei com os berros de um cara às 6 da manhã. Ele tinha saído de uma festa, atropelado umas três ou quatro pessoas no ponto de ônibus e tentado se esconder aqui perto. Quando os seguranças o pegaram, ele começou a berrar”, recorda.

    Ao lado do apartamento de Ribas fica uma das principais passagens do bairro, muito requisitada por quem gosta de berrar de madrugada. Segundo ele, grupos de jovens (ou nem tanto) saem da bebedeira aos gritos. Têm o hábito de urinar nas ruas e não raro de depredar o patrimônio público e privado.

    As experiências ruins do verão incomodam outros “locais”. João Henrique Ballstaedt Gasparino da Silva, de 23 anos, formou-se no ano passado em Direito. Seu pai é auditor fiscal do trabalho e a mãe, dentista. Silva trabalha com o tio em um grande escritório de advocacia tributária batizado com um de seus sobrenomes e mudou-se a trabalho para o Rio de Janeiro em março. Ama Jurerê Internacional. Veraneia por lá todas as temporadas desde a infância. Costuma frequentar os bares e beach clubs com os amigos, mas não suporta mais a ostentação e a fantasia surreal, como classifica a breve rotina dos turistas no verão. “Nas festas a gente tem de assistir às guerras de champanhe. Uma mesa pede três garrafas de uns 8 mil reais. A mesa do lado não quer deixar por menos e pede cinco garrafas.”

    A prática ajuda a atrair a atenção de todo mundo em volta, principalmente das marias-champanhe, versões das marias-gasolina ou marias-chuteira. Fica a dica: além da bebida às pamparras, elas também apreciam homens que rasgam notas de dinheiro nas baladas.

    Para piorar, o exibicionismo econômico também é físico. Com o sucesso das lutas de vale-tudo, o tal MMA, os pit bulls sentem-se mais à vontade. “Meu irmão estava caminhando quando viu alguns ‘bombadinhos’ muito loucos saindo de uma festa. Gritavam alto que queriam espancar e matar alguém a troco de nada. Chegaram a segurar meu irmão pelo braço. Só não bateram nele porque é muito novo, tem apenas 15 anos. E se fosse eu?”, pergunta Silva.

    Outra vez, conta o advogado, havia chegado em casa poucos minutos antes, após uma noitada em uma casa noturna. Ao ligar a tevê, a notícia: uma briga na boate onde ele havia estado acabara em morte.

    Silva e Ribas dizem adorar Jurerê. Gostam do planejamento urbano, das casas sem muro, das quadras bem divididas, das áreas residenciais, comerciais e de entretenimento muito próximas umas das outras. Mas temem os efeitos de longo prazo do tipo de turismo comum nos dias de hoje. “Quando a minha opinião gerou essa polêmica toda vi as pessoas se unindo e o início de uma mobilização para acabar com os exageros. Mas o verão passou e o assunto também morreu. Até agora, nada de concreto foi feito para mudar a situação”, reclama Ribas.

    Fonte: Carta Capital

    1 COMENTÁRIO

    1. Os ricos têm de sofrer com alguma coisa, não? Jurerê é sim um mar de ostentação por si só, mesmo sem esse disparate. Num país tão desigual como o nosso, se anda por aquele mar de riqueza e não vê um policial ou viatura, vê portas abertas… As pessoas de lá não sentem medo… Pena que os ladrões não são politizados e ainda assaltem os que não têm, os trabalhadores…

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