Dados oficiais são insuficientes para revelar a realidade da violência contra a mulher no Brasil dentro do contexto de pandemia. É o que mostra levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta segunda-feira (20), em parceria com a empresa de pesquisa Decode Pulse. A dificuldade na notificação – que já era histórica – é agravada no isolamento imposto pelo novo coronavírus, com alguns estados apresentando queda no número de registros de ocorrências no mês de março, enquanto relatos de brigas de casal no Twitter tiveram aumento de 431%.
Ao todo, foram analisadas 52.315 menções feitas por terceiros na rede social entre fevereiro e abril. Em paralelo, a organização não-governamental, a pedido do Banco Mundial, levantou as ocorrências de agressões domésticas, ameaças e estupros no Pará, Rio Grande do Sul, Acre, Ceará e Rio de Grande do Norte, e notou queda nos índices em pelo menos quatro deles.
No caso dos registros de lesão corporal dolosa, por exemplo, que demandam a presença física das vítimas, o número de ocorrências caiu de 953, em março de 2019, para 744 em março deste ano em Mato Grosso, uma queda de 21,9%. Já no Rio Grande do Sul, foram 1.744 denúncias ante 1.925 registros feitos no ano passado, redução de 9,4%. No mesmo período, houve queda também no Acre, de 28,6%, e no Ceará, 29,1%. Apenas no Rio Grande do Norte as denúncias cresceram, 34%.
Para a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, “as mulheres confinadas podem estar encontrando dificuldades para fazer o registro das ocorrências, uma vez que a principal porta de entrada para denunciar esses crimes são as delegacias de polícia”.
Modernização dos canais de denúncias
A subnotificação das ocorrências no Brasil, no entanto, repete o padrão encontrado em outros países do mundo, que, apesar de registrarem um aumento nos casos de violência contra a mulher, também apresentaram dificuldades nos canais de denúncia oficiais pelo fato de as vítimas estarem confinadas com seus agressores. Na análise da organização, as redes sociais são um termômetro da realidade da violência doméstica e o aumento nos relatos de brigas de casal, na maioria das vezes feitos por vizinhos, reforçam a importância dos estados e da União modernizarem os canais de denúncias.
“Os dados oficiais e a pesquisa digital indicam o aumento da violência doméstica e a dificuldade que as mulheres têm tido em acessar os equipamentos públicos presencialmente. É fundamental que sejamos capazes de inovar tanto nos mecanismos de denúncia, que podem ser feitos por terceiros, quanto no atendimento e orientação a estas mulheres”, diz Samira.
A pesquisa ainda apontou para um perfil dos responsáveis pelos relatos, o que pode contribuir para entender a dinâmica da violência contra a mulher. De acordo com o levantamento, 53% dos posts no Twitter foram realizados entre 20h e 3h da manhã, 25% publicados às sextas-feiras, e na maioria registrados por mulheres (67%).
A diretora-executiva reforça que as evidências coletadas nesse estudo digital vão ao encontro do registro histórico de violência contra a mulher nos últimos anos, deixando claro que não se trata de um problema social recente motivado pelo isolamento, ao contrário. “Infelizmente, esse crescimento da violência contra as mulheres é uma tendência que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública já registra há pelo menos três anos, e que foi agravada a partir do momento em que as pessoas precisaram ficar em suas casas para preservar sua saúde”, destaca Samira.
O que fazer?
As Delegacias da Mulher continuam funcionando normalmente no período de quarentena. Os casos de violência e assédio podem também ser denunciados ao 190, que faz atendimentos diários e ininterruptos.
Em todo o país as emergências devem ser registradas no Disque 180 ou o Disque 100, que oferecem orientações. Os abrigos emergenciais das cidades também funcionam normalmente. É preciso procurar pelo serviço por um órgão da prefeitura mais próximo para que o encaminhamento seja feito. As Casas da Mulher Brasileira, que concentram serviços judiciais, psicológicos e assistenciais, também seguem operando normalmente na quarentena.