STJ abre espaço para mudança na distância entre plantações de milho crioulo e milho transgênico

Ministros reconheceram contradições em decisão que julgou a Resolução Normativa nº 4 que trata da distância

Em 2014, TRF-4 decidiu que as normas que tratam da distância entre os cultivos eram suficientes. STJ reconheceu erro na decisão – Foto: Karine Viana/ Palácio Piratini

Por Caroline Oliveira e Cristiane Sampaio, do Brasil de Fato.

Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu as contradições apontadas por organizações sociais no julgamento da Resolução Normativa nº 4, de 2007, produzida pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). A resolução estabeleceu uma distância de 100 metros entre cultivos de milho transgênico e plantações de milho crioulo, este último ligado à reprodução natural dos recursos ambientais, ou seja, sem intervenção de técnicas de modificação genética.

As entidades que entraram com uma ação no STJ argumentam que a distância é insuficiente porque não é capaz de oferecer proteção para os produtos de origem crioula, camponeses e consumidores contra a contaminação causada por transgênicos.

Transgenia pode causar contaminação irreversível em sementes crioulas, além de prejudicar agricultores e consumidores / Joka Madruga

Os ministros, no entanto, não julgaram o mérito da ação, ou seja, a insuficiência da resolução, mas uma decisão de 2014 do Tribunal Regional Federal da 4º Região (TRF-4). Na ocasião, o TRF-4 entendeu que as normas da resolução eram suficientes.

De acordo com os ministros do STJ, os desembargadores interpretaram equivocadamente o Decreto Federal nº 4.680/2003, que regulamenta a rotulagem de alimentos e obriga a identificação de alimentos que possuem mais do que 1% de ingredientes transgênicos.

Segundo o ministro relator Manoel Erhardt, em determinado momento, os desembargadores decidiram que a presença de mais ou menos de 1% de ingredientes transgênicos nos alimentos produzidos seria o parâmetro utilizado pela resolução. Em outro momento, entretanto, os desembargadores dizem que o decreto é irrelevante.

Trabalhadores do campo e especialistas questionam as regras atuais destinadas às plantações de milho transgênico / Cleverson Beje | FAEP

Antes de levar a questão para o STJ, as organizações já haviam apontado a contradição para o próprio TRF-4, que ignoraram a reclamação. “Agora as organizações têm uma nova possibilidade de trazer os argumentos ao TRF4, o qual não deverá utilizar a norma de forma contraditória, ou para atender uma posição pré-determinada”, afirma Naiara Bittencourt, advogada na Terra de Direitos, uma das entidades que entrou com a ação no STJ.

“Os agricultores que vêm tentando seguir essa norma estão tendo as suas lavouras contaminadas. É impossível evitar a contaminação seguindo a norma, e isso é algo tão evidente, tão gritante, que o próprio Ministério da Agricultura, que teve representantes que votaram a favor dessa norma, tem uma norma distinta de controle da pureza das sementes produzidas por produtores credenciados no Mapa”, expõe o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo.

Agora, o processo será encaminhado novamente para o TRF-4, mas sem data para novo julgamento.

A ação foi ajuizada em 2009 pelas organizações Terra de Direitos, Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Associação Nacional de Pequenos Agricultores e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Histórico  

A discussão remonta ao ano de 2007, quando, após uma série de polêmicas, foi aprovado pelo CTNBio o cultivo de milho transgênico do tipo Liberty Link. O aval, porém, não veio acompanhado de estipulação de regras e análise de riscos envolvidos no processo.

As preocupações relacionadas a essa questão foram parar na Justiça por meio de uma ação civil pública. As entidades processaram a União e três grandes empresas – Bayer S/A, Monsanto do Brasil Ltda. e Syngenta Seeds Ltda. – por falta de critérios prévios de análise de risco e carência de pesquisas executadas nos biomas do país para que se pudessem aprovar o cultivo e a venda de milho transgênico da espécie.

Nos meses seguintes, foi aprovada pela CTNBio a Resolução nº4/2007. Especialistas e as entidades civis em questão apontaram, no entanto, que a discussão que levou à confecção da norma careceu de debate aprofundado e estudos detalhados, motivo pelo qual o colegiado teria adotado a distância de 100 metros como referência entre os dois tipos de cultivo.

Edição: Vivian Virissimo

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