Por Fernando Prioste, O Eco.
No dia 22 de maio, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que concessões de Unidades de Conservação à iniciativa privada, pelo Estado de São Paulo, não podem incidir sobre territórios indígenas, quilombolas e de outros povos e comunidades tradicionais. O STF também decidiu que povos indígenas e comunidades tradicionais devem, obrigatoriamente, serem consultadas quando diretamente atingidas por ocuparem regiões próximas a Unidades de Conservação que possam ser concedidas à iniciativa privada.
A decisão foi tomada nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7008, ação essa fruto de articulação do Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira (FPCTVR) que, em 2016, apresentou representação à Procuradoria Geral da República (PGR) ante ao quadro de violações de direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais por ocasião da edição da Lei Estadual nº 16.250/2016.
Na representação, o Fórum também indicou haver sobreposições entre Unidades de Conservação e territórios indígenas e de povos e comunidades tradicionais, pedindo à PGR que adotasse providências junto ao STF para garantir seus direitos coletivos.
Segundo o Fórum, a área de sete das 25 Unidades de Conservação listadas na Lei nº 16.260/2016 estão, parcial ou totalmente, sobrepostas a 18 territórios tradicionais de indígenas, quilombolas, caboclas e caiçaras.
O Parque Estadual Intervales e o Parque Estadual Carlos Botelho estão sobrepostos à Terra Indígena Peguaoty. O Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira está sobreposto aos territórios da comunidade quilombola de Bombas e das comunidades caboclas de Ribeirão dos Camargos e Sítio Novo.
Já o Parque Estadual Caverna do Diabo está sobreposto aos territórios das comunidades quilombolas de Piririca e de Praia Grande. Por sua vez, o Parque Estadual Serra do Mar está sobreposto à Terra Indígena Tenondé Porã, à Terra Indígena Rio Branco de Itanhaém, à Terra Indígena Aguapeú, bem como ao território do quilombo da Fazenda.
O Parque Estadual do Jaraguá está sobreposto à Terra Indígena Jaraguá, e o Parque Estadual da Ilha do Cardoso está sobreposto à Terra Indígena Pakurity, bem como aos territórios das comunidades caiçaras do Pereirinha/Perequê, Cambriú, Foles, Marujá, Nova Enseada da Baleia, e Pontal do Leste.
Com a decisão do STF, o Estado de São Paulo fica proibido de realizar concessões que incidam sobre os territórios dessas comunidades, uma vez que estão sobrepostos a Unidades de Conservação listadas na Lei nº 16.260/2016. Ao mesmo tempo, se o Estado de São Paulo construir projetos de concessões nessas Unidades de Conservação, mesmo que os projetos não estejam sobrepostos aos territórios tradicionais, devem ser realizadas consultas prévias às comunidades tradicionais do entorno.
Do ponto de vista prático, a decisão do STF impede, por exemplo, que o Estado de São Paulo conceda à iniciativa privada atrativos turísticos localizados no Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR) e que estão localizados no território da comunidade tradicional Cabocla de Ribeirão dos Camargos.
Em 2021, o Estado de São Paulo lançou consulta pública a respeito da proposta de concessão do PETAR à iniciativa privada. Após pressões da população local, das comunidades tradicionais, da troca de comando no Governo e em função de decisões judiciais, o projeto encontra-se paralisado.
O mesmo e entendimento se aplica a outras situações em que há conflitos fundiários entre o Estado de São Paulo e as comunidades tradicionais, em especial nas situações em que o Estado resiste a reconhecer a existência e os direitos de populações, como nos casos do Parque Estadual do Jaraguá, no Parque Estadual da Ilha do Cardoso e no Parque Estadual da Serra do Mar.
Apesar da decisão de referir a uma lei paulista, não há dúvidas de que a decisão do STF impacta situações semelhantes por todo o país. Isto, uma vez que a decisão unânime do STF impedindo a concessão de Unidades de Conservação à iniciativa privada nas porções sobrepostas a territórios tradicionais se aplicará em qualquer caso semelhante, a não ser que o STF mude seu entendimento.
No entanto, mais do que vedar ao Estado que conceda o que não é dele à iniciativa privada, as comunidades tradicionais ainda têm muitos desafios, e a prioridade é a regularização fundiária dos territórios tradicionais. As comunidades tradicionais deverão ir ao STF cobrar avanço no estado inconstitucional de morosidade na regularização fundiária, ou o Estado sairá do estado de hibernação no reconhecimento de direitos para cumprir a lei e, enfim, titular os territórios tradicionais?
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