Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram na noite da quarta-feira 31, por unanimidade, manter suspensas as decisões da Justiça Federal que autorizaram, ao longo da semana passada, a realização de operações policiais em universidades do país.
A corte entendeu que o ingresso de policiais e de agentes da Justiça Eleitoral nas instituições feriu a liberdade de expressão de alunos e professores, um direito garantido pela Constituição. Os ministros também condenaram qualquer tentativa de impedir a manifestação de ideologias ou pensamento dentro das universidades.
A decisão do Supremo referenda uma liminar da ministra Cármen Lúcia, da mesma corte, que no sábado, véspera do segundo turno, já havia suspendido provisoriamente os efeitos das decisões judiciais que determinaram a série de operações nas instituições de ensino.
Dezenas de universidades públicas e privadas em vários estados foram alvo de ações de agentes de Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e da Polícia Federal (PF) na semana passada, com objetivo de identificar e recolher supostos materiais e atividades de campanha irregular.
Os tribunais eleitorais justificaram que as operações seguiram denúncias feitas por eleitores e pelo Ministério Público Eleitoral (MPE). Contudo, relatos dão conta que os agentes entraram sem mandado formal nas instituições, retiraram faixas sem relação com as eleições e interromperam debates e aulas abertas.
A medida, uma possível ação coordenada, foi denunciada como arbitrária por alunos e docentes, que falaram em censura prévia à liberdade de expressão, bem como pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que também manifestou seu repúdio.
Na sexta-feira passada, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, entrou com uma ação junto ao STF pedindo um posicionamento sobre o caso, afirmando que as operações ofenderam os princípios constitucionais da liberdade de expressão e de reunião. A decisão de Cármen Lúcia no sábado e da corte nesta quarta-feira foi em resposta a esse pedido.
Voto dos ministros
Durante a sessão, Cármen Lúcia reafirmou seu entendimento contrário às ações policiais, justificando que as decisões judiciais determinaram ordens de busca e apreensão e a interrupção de manifestações sem comprovar o suposto descumprimento da norma eleitoral – que impede propaganda em órgãos públicos.
O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, entendeu que as medidas atentaram contra a liberdade de reunião, prevista na Constituição, e pretenderam limitar ou interromper a discussão nas universidades. “Há um ranço paternalista de que o eleitor não pode ter o amplo conhecimento de tudo, de que o eleitor não pode exercer o exercício crítico”, afirmou.
Edson Fachin afirmou que o Estado não pode determinar o que vai ser discutido dentro das universidades. “O que debater e como debater são decisões que não estão sujeitas ao controle estatal prévio”, opinou.
Gilmar Mendes disse que o episódio lembra “momentos tristes na história mundial”, como a queima de livros durante a Alemanha nazista, na década de 1930, e a invasão de militares na Universidade de Brasília (UnB) durante a ditadura militar (1964-1985).
“É inadmissível que, justamente no ambiente em que deveria imperar o livre debate de ideias, se proponha o policiamento político-ideológico da rotina acadêmica”, afirmou.
O ministro chegou a propor que a decisão fosse estendida a outras iniciativas de patrulhamento ideológico, como o caso da deputada estadual eleita Ana Caroline Campagnolo (PSL-SC), que divulgou um número de telefone para receber denúncias de alunos contra professores que se manifestassem contra a eleição de Jair Bolsonaro, de seu partido.
A proposta, contudo, não foi aceita pelos demais ministros, que justificaram que o pedido inicial da procuradora-geral Dodge não trazia esse caso específico sobre a deputada.
Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello também votaram a favor da suspensão das decisões judiciais. Ao todo, nove ministros participaram da votação – Luiz Fux e Marco Aurélio não estavam presentes.
Defesa
Em manifestação na sessão desta quarta-feira, o advogado Alberto Pavie Ribeiro, representante da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e que defendeu os juízes eleitorais durante o julgamento, afirmou que os magistrados apenas cumpriram a lei eleitoral.
Segundo o advogado, houve denúncias de propaganda eleitoral negativa contra o então candidato Jair Bolsonaro durante a campanha. Ele mencionou um caso no Rio de Janeiro, onde uma ordem de busca e apreensão foi determinada contra uma faixa que associava o ex-militar ao fascismo.
Em outro caso, numa universidade em Campina Grande (PB), um mandado de busca e apreensão foi emitido porque o juiz eleitoral local recebeu uma gravação com alunos pedindo voto e distribuindo panfletos em sala de aula.
A advogada Mônica Ribeiro Tavares, do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), também se manifestou, mas contrária às decisões judiciais.
Segundo ela, a universidade é um espaço democrático e, no ambiente escolar, a livre manifestação do pensamento tem de ser respeitada. “A única restrição que esses direitos podem sofrer é a que advém da própria Constituição Federal para resguardar outros direitos fundamentais por ela previstos.”